Agrorrastreabilidade traz diversos benefícios para a sustentabilidade, mas depende de tecnologias verdes para tal
O que é agrorrastreabilidade?
Agrorrastreabilidade é a prática de realizar o rastreamento integral de produtos agroindustriais, utilizando tecnologias como blockchain e QR Code. Esses recursos são empregados com o objetivo de oferecer informações detalhadas sobre a origem, qualidade e todas as etapas dos processos de confecção de produtos agrícolas.
Essa abordagem permite que o consumidor tenha acesso direto a dados fundamentais sobre os produtos que consome, tais como a proveniência do produto, práticas agrícolas adotadas, métodos de processamento, e demais detalhes relevantes para a qualidade e segurança alimentar.
Como funciona a agrorrastreabilidade?
Blockchainna agrorrastreabilidade
Blockchain é uma tecnologia que funciona como um registro digital descentralizado e seguro, no qual as informações são organizadas em blocos de dados de forma cronológica e imutável (1). Cada bloco (block) contém um conjunto de transações e é conectado aos blocos criados anteriormente, formando uma cadeia (chain).
No contexto da agrorrastreabilidade, o blockchain tem o papel de garantir a transparência e integridade das informações ao longo da cadeia de produção agropecuária. Ele permite o registro seguro de dados relacionados à origem, cultivo, processamento e distribuição de produtos agrícolas, tornando essas informações acessíveis a todos os interessados e, ao mesmo tempo, impossíveis de serem alteradas.
Após o registro das informações nas bases de dados, são criados mecanismos para que os stakeholders, como os consumidores finais, possam acessá-las. Um dos caminhos é a estampa de QR Codes nas embalagens dos produtos, que podem ser escaneados através de um aplicativo no smartphone. Deste modo, é possível analisar como ocorreu a confecção dos produtos agrícolas e avaliar sua sustentabilidade.
Agrorrastreabilidade no Brasil
Uma equipe da Embrapa Agricultura Digital desenvolveu o Sistema Brasileiro de Agrorrastreabilidade (Sibraar), uma plataforma que integra dados reais sobre as atividades agrícolas dos produtores no País. Ela possibilita a rastreabilidade da cadeia de suprimentos e de produção, por meio de QR Codes, permitindo ao consumidor analisar as boas práticas realizadas até que determinado produto chegue à sua mesa.
O Sibraar é baseado na tecnologia blockchain, e se tornou referência principalmente após um acordo com a Associação Brasileira de Automação (GS1 Brasil), que desenvolve padrões globais de identificação. Esse acordo permitiu que o Brasil atendesse aos padrões internacionais, especialmente da União Europeia, voltados à rastreabilidade de produtos agrícolas.
Qual é a importância da agrorrastreabilidade?
A agrorrastreabilidade tem o potencial de contribuir com as questões ambientais oriundas do agronegócio. A monocultura, associada aos impactos adversos da agropecuária intensiva e extensiva, demanda soluções inovadoras e sustentáveis. Nesse contexto, a agrorrastreabilidade pode ser um instrumento significativo para a mitigação dessas práticas e seus impactos ambientais.
Monocultura e seus desafios
A monocultura, caracterizada pelo cultivo extensivo de uma única cultura em uma determinada área, gera impactos ambientais consideráveis. A perda de biodiversidade, a degradação do solo e a maior suscetibilidade a pragas são apenas algumas das consequências negativas dessa prática (2, 3).
A agrorrastreabilidade, ao possibilitar o rastreamento detalhado de produtos agrícolas por consumidores, estes cada vez mais inseridos na educação ambiental, incentiva agricultores a adotarem meios de cultivo mais sustentáveis, como a agroecologia.
Impactos da agropecuária intensiva e extensiva
A agropecuária intensiva e extensiva, quando não gerenciadas de maneira sustentável, podem resultar em impactos prejudiciais ao meio ambiente. O uso excessivo de agrotóxicos (4) e fertilizantes, a degradação do solo, a emissão de gases do efeito estufa e a escassez de recursos hídricos são desafios enfrentados por esses modelos de produção.
Neste sentido, assim como para a prática de monocultura, a agrorrastreabilidade possibilita ao consumidor final analisar e gerar pressão sobre os produtores que adotam agropecuária intensiva ou extensiva, incentivando outras formas de produção que sejam mais amigáveis ao meio ambiente.
Quais são as vantagens da agrorrastreabilidade?
Transparência e confiança do consumidor
Ao fornecer aos consumidores informações detalhadas sobre a origem, práticas agrícolas e processamento dos produtos, a agrorrastreabilidade capacita-os a fazer escolhas mais conscientes e sustentáveis. Isso cria uma demanda crescente por ações que respeitem o meio ambiente e promovam a diversidade ecológica.
A rastreabilidade fornece informações do campo ao consumidor, garantindo a segurança e qualidade de produtos, como alimentos processados, produtos frescos (frutas, legumes e verduras) carnes e até mesmo os produzidos pelo setor de foodservice (food trucks, bares, lanchonetes, restaurantes e bistrôs).
Além disso, a agrorrastreabilidade é especialmente crucial para alimentos orgânicos, como o açúcar mascavo e açúcar demerara, cacau, soja, dentre outros, sobre os quais o consumidor brasileiro demanda cada vez mais informações detalhadas de origens e processos de fabricação.
Agregação de valor ao produto
Adotar a agrorrastreabilidade pode agregar valor aos produtos, tornando-os competitivos globalmente. A conformidade com padrões rigorosos, como os da União Europeia, pode destacar os produtos brasileiros no mercado internacional.
Além disso, a rastreabilidade pode aumentar a qualidade e segurança do produto, proporcionando, assim, maior fidelização de clientes e uma conexão mais forte em toda a cadeia de valor. O consumidor final, quando bem informado, tende a pagar por produtos que geram benefícios tanto diretamente a si próprio quanto ao meio ambiente como um todo.
Contribuição para a sustentabilidade
A agrorrastreabilidade, ao verificar práticas sustentáveis, contribui para a imagem positiva do agronegócio brasileiro. Ao incorporar tecnologias, como a blockchain, para fornecer informações confiáveis a todos os envolvidos com os meios de produção, os produtores fomentam a possibilidade de atuação dentro dos preceitos da sustentabilidade.
Vale destacar que a rastreabilidade de produtos agrícolas não se limita à alimentação, estendendo-se a biometano, energia elétrica e fertilizantes orgânicos, aumentando o campo de atuação e o compromisso com práticas sustentáveis por diversos setores produtivos.
Quais são os desafios da agrorrastreabilidade?
Complexidade na implementação
A implementação da agrorrastreabilidade pode ser um desafio, especialmente para pequenos agricultores com pouca familiaridade às tecnologias utilizadas. Estratégias de implementação adaptadas à realidade desses produtores, como capacitação tecnológica, são cruciais para garantir uma adesão generalizada e equitativa.
Custos associados
A integração de tecnologias como blockchain pode envolver custos significativos, tornando-a um desafio para pequenas empresas. Soluções acessíveis são essenciais para promover a adoção em toda a cadeia produtiva.
Consumo energético
As tecnologias associadas ao blockchain são conhecidas por seu alto consumo de energia (5), o que representa um desafio considerável em um contexto global focado na ecoeficiência energética. Isso levanta preocupações sobre o impacto ambiental, especialmente considerando a dependência dessas tecnologias de fontes de energia que podem não ser sustentáveis.
No entanto, a busca por soluções sustentáveis e de baixo consumo energético na implementação da agrorrastreabilidade é essencial para mitigar impactos ambientais adversos. Uma dessas soluções é o conceito de “blockchain verde”, que propõe a mudança dos protocolos de mineração, reduzindo significativamente o consumo de energia. Além disso, a utilização de energia renovável no processo de mineração é outra estratégia para tornar a tecnologia blockchain mais sustentável.
Portanto, enquanto a tecnologia blockchain apresenta desafios em termos de consumo de energia, existem esforços contínuos para desenvolver soluções mais sustentáveis e eficientes em termos energéticos, especialmente no contexto da agrorrastreabilidade.
Qual é o papel da agrorrastreabilidade nos setores produtivos?
A adoção da agrorrastreabilidade não apenas revoluciona a transparência na cadeia de produção agrícola, mas também traz benefícios tangíveis para diversos setores produtivos. Desde a criação de novas oportunidades de mercado até a construção de uma reputação sólida no cenário global, os diferentes setores podem colher frutos significativos ao abraçar essa transformação.
Na agricultura, a rastreabilidade promove a otimização dos processos, reduzindo o desperdício e aumentando a eficiência. Na indústria de energia, a adoção de práticas sustentáveis impulsiona a produção de biometano e a geração de energia elétrica de forma ambientalmente responsável. Além disso, a utilização de fertilizantes orgânicos, rastreados por meio da agrorrastreabilidade, fortalece a produção agrícola de maneira ecologicamente equilibrada.
Portanto, a agrorrastreabilidade emerge como um catalisador para a transição energética e transformação positiva do agronegócio, gerando impactos sociais, ambientais e econômicos positivos quando aplicada com consciência ambiental. A longo prazo, ela pode contribuir significativamente para a construção de um setor agrícola mais sustentável e resiliente.
Referências
1. O que é Blockchain? | Por Oracle
Disponível em: https://www.oracle.com/br/blockchain/what-is-blockchain/
2. Impacto do monocultivo de café sobre os indicadores biológicos do solo na zona da mata mineira | Por Luís Alfredo Pinheiro Leal Nunes et al.
Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-84782009005000216
3. Impactos ambientais e sociais causados pelas monoculturas de eucaliptos no Alto Jequitinhonha | Por Marcos Antônio Pereira da Fonseca Maltez et al.
Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/41131/2/IMPACTOS%20AMBIENTAIS%20E%20SOCIAIS%20CAUSADOS%20PELAS%20MONOCULTURAS.pdf
4. Agronegócio e agrotóxicos: impactos à saúde dos trabalhadores agrícolas no nordeste brasileiro | Por Isabelle Araújo e Ângelo Oliveira
Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol000435.
5. Bitcoin’s energy consumption is underestimated: A market dynamics approach | Por Alex de Vries
Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.erss.2020.101721