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Estudo estima que de 30% a 60% do volume total deste tipo de poluição medida na Amazônia venha da África; metodologia usada permitirá compreender melhor consequências do transporte de poluentes para o clima global

Por Ivan Conterno em Jornal da USP | As correntes de ar transportam pela atmosfera da Terra materiais essenciais para a fertilização dos solos e os ciclos naturais, conhecidos como aerossóis. Embora essas partículas suspensas no ar possam nutrir biomas distantes, aerossóis contendo fuligem da queima de combustíveis e florestas também contribuem para desequilíbrios no clima e na saúde. Tendo isso em vista, pesquisadores brasileiros e alemães monitoraram os aerossóis provenientes das queimadas na África, revelando como e em que quantidade eles afetam a atmosfera amazônica. Os estudos com modelos climáticos sobre a Amazônia até o momento não levavam em conta as emissões da África.

Os cientistas conseguiram diferenciar as partículas de fumaça originadas na floresta das que foram transportadas do continente africano. Essas diferenças se dão em relação ao tamanho e à capacidade de absorção de calor, entre outras características físicas e químicas. “O transporte e a sazonalidade da fumaça da África através do Atlântico eram conhecidos com base em medidas de satélite e de avião. Sabia-se também que as propriedades físicas e químicas afetavam os aerossóis sobre a Amazônia. Contanto, ainda não se sabia em que proporções e como distinguir isso da poluição local”, esclarece ao Jornal da USP Bruna Holanda. Pesquisadora do Instituto de Física (IF) da USP e do Instituto de Química Max Planck de Mainz, na Alemanha, a brasileira é primeira autora do artigo com os resultados do estudo, publicado na revista Communications Earth & Environment, do grupo Nature.

Embora haja períodos em que a floresta amazônica receba nutrientes essenciais, agora se sabe que o volume de poluição também transportado da África corresponde a um percentual significativo do total da poluição medida no bioma: de 30%, na estação seca, a 60%, na chuvosa. Essa descoberta inédita destaca a importância de compreender a extensão e os efeitos da queima de florestas para o clima e a saúde em todo o planeta. 

Black carbon

black carbon, fuligem emitida durante a combustão que sobe para a atmosfera, é uma das consequências mais preocupantes das queimadas para o meio ambiente. Analisando essas pequenas partículas dispersas no ar, os pesquisadores geraram uma enorme quantidade de dados e perceberam diferenças significativas entre o material produzido em cada continente, devido às particularidades de suas propriedades físico-químicas. 

A equipe criou um método matemático que mostra a distribuição de tamanho das partículas coletadas na atmosfera para obter duas medidas mais frequentes: uma corresponde às partículas emitidas na África; a outra é proveniente das emissões na América do Sul. A análise mostrou que, embora outras partículas sejam adicionadas ao topo desses aerossóis, o núcleo de black carbon não se altera no trajeto da África à América do Sul. “Nós medimos o black carbon que, assim como o CO2 (dióxido de carbono), absorve bastante radiação e tem potencial de aquecer a atmosfera. Embora o continente africano esteja a milhares de quilômetros, nós ficamos extremamente chocados com os valores de quanto vem da África, que se soma ao que já é emitido por desflorestamento da Amazônia”, revela Bruna Holanda.

As partículas de black carbon e os gases de efeito estufa produzidos na África e transportados pelas correntes de vento absorvem e reemitem altas quantias de radiação na forma de ondas longas, infravermelhas. Segundo Marco Aurélio Franco, atualmente professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP e um dos colaboradores da pesquisa, as ondas infravermelhas têm como característica o calor.

“O fenômeno altera tanto os regimes de chuva quanto o balanço radiativo, contribuindo para o aquecimento da região. Isso impacta não só a natureza, mas também a saúde da população que respira esse material, tanto humana quanto animal”, diz Franco.

Além disso, Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física (IF) da USP e um dos autores do artigo, alerta para o agravamento da situação atual. “O aumento da temperatura previsto nos próximos anos para a África Central e para a África Subsaariana, a principal fonte dessas emissões de queimadas, e a redução das chuvas que já está ocorrendo naquela região muito provavelmente tenderão a se agravar e isso poderá fazer com que esse transporte seja mais intenso no futuro, piorando as mudanças climáticas na região do Atlântico Tropical entre a África e a Amazônia.”

Metodologia inovadora

O fluxo da poeira do deserto do Saara para a Amazônia é estudado desde a década de 1980. Esse transporte normalmente ocorre durante a estação chuvosa, quando uma massa de ar proveniente da Zona de Convergência Intertropical passa pela África, na região próxima ao deserto do Saara, e chega à Amazônia. Isso resulta em um transporte de poeira que ocorre há milhões de anos.

O estudo publicado agora levou nove anos e envolveu modelagem computacional nunca utilizada antes, material colhido pela aeronave Halo (aeronave de pesquisa de alta altitude e longo alcance), operada por um consórcio de institutos de pesquisa alemães, e medidas no Observatório de Torre Alta da Amazônia (ATTO). Os voos foram realizados em diferentes pontos do Atlântico, da Amazônia e da divisa com o continente africano em setembro de 2014, entre agosto e setembro de 2018 e entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023. Dessa forma, foram monitorados dados de queimadas e de transporte de poeira em todo o trajeto.

O artigo desvenda pela primeira vez a grande incógnita sobre a quantidade, a sazonalidade e as propriedades da fumaça africana na Amazônia central. Essa abundância observada afeta diretamente a qualidade do ar, o ciclo atmosférico e o clima na floresta amazônica, além de outras implicações.

“A região do Atlântico Tropical, entre a África e o Brasil, é uma das regiões do oceano que sofre o aquecimento mais rápido do planeta. Em geral, o aquecimento da água é de 30% a 40% maior nesta região do que em outras regiões do oceano. Isso pode intensificar a ocorrência de furacões, pois eles surgem das altas temperaturas da água”, explica Paulo Artaxo.

Durante a estação chuvosa, entre fevereiro e maio, verificou-se que 60% da concentração de fuligem encontrada na Amazônia foi na verdade produzida na África. Nas estações secas, quando a concentração de fumaça é predominantemente de queimadas locais, ainda assim 30% da fuligem encontrada em território amazônico é originalmente da África.

De acordo com Paulo Artaxo, Bruna Holanda foi a primeira a quantificar os fluxos de black carbon trazidos da África, fazer medidas desses componentes e juntá-los em uma modelagem que explica esse transporte. “O trabalho começou olhando para o transporte de poeira. Ao longo da elaboração do trabalho, observou-se que o transporte de queimadas era muito mais significativo do que tínhamos pensado quando começamos a analisar os dados.”Com essa nova metodologia, será possível aprimorar os modelos climáticos existentes.

Não existem fronteiras para a poluição

Mesmo com essa influência externa, a principal causa das mudanças nos regimes de chuva na América do Sul continua sendo o desmatamento local. Embora a adição de 30% de material de fumaça africana na estação seca seja relevante, os pesquisadores lembram que os outros 70% são de emissões locais.

Marco Aurélio Franco explicou ao Jornal da USP que esse fenômeno tem relação com a mudança do uso da terra. Na região amazônica, as queimadas foram intensificadas com aumento do processo de ocupação durante a ditadura militar brasileira, com o incentivo à exploração de seringueiras para a produção de borracha, à agricultura e à mineração. Hoje, parte da floresta foi transformada em área para plantação e criação de gado. Na África, provavelmente tenha ocorrido um processo similar.

Isso significa que o ecossistema da América do Sul não depende apenas de medidas feitas localmente, como enfatiza Franco. “É impossível separar regiões do planeta, que é inteiramente conectado. Mesmo que cortemos toda a poluição antrópica das queimadas na Amazônia, é impossível frear esse tipo de infusão de poluentes da África se as queimadas não pararem lá também.”

Mais informações: e-mails b.holanda@mpic.de, com Bruna Holanda; marco.franco@usp.br, com Marco Aurélio Franco; e artaxo@if.usp.br, com Paulo Artaxo


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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