Loja
Apoio: Roche

Saiba onde descartar seus resíduos

Verifique o campo
Inserir um CEP válido
Verifique o campo

Adriano Karipuna lança e-book em que reflete sobre as condições de vida de seu povo e narra episódios curiosos e tristes de sua vida

Por Jorge Eduardo Dantas em Greenpeace – Ainda é muito difícil, para os não-indígenas, ter uma ideia clara e exata de como se dá o choque cultural que acontece quando um indígena precisa ir à cidade estudar, conseguir um emprego, fazer compras ou obter remédios.

Nas últimas semanas, porém, essa tarefa ficou mais fácil. Adriano Karipuna, líder do povo Karipuna, de Rondônia, lançou “Da Floresta para o Mundo” – livro em que expõe suas memórias e narra, em primeira pessoa, como foi o processo de sair de sua aldeia, no norte do País, para representar um dos povos mais ameaçados do Brasil em palestras e eventos ao redor do mundo.

“Da Floresta para o Mundo” possui 116 páginas e está sendo vendido no formato virtual, como um e-book. Ele está disponível a R$ 10,60 no Kindle, o serviço de livros digitais da Amazon. O livro é dividido em três capítulos (“A Floresta”, “A Cidade” e “O Mundo”) e nele Adriano descreve diversas passagens de sua vida, desde quando era criança vivendo nas cabeceiras do Rio Mutum Paraná, em Nova Mamoré, interior de Rondônia; até as viagens recentes que fez aos Estados Unidos e Suíça, quando encontrou grandes líderes mundiais para denunciar o genocídio as quais os povos originários são submetidos hoje no Brasil.

“Escrevi para mostrar à sociedade não-indígena o quanto os povos indígenas e os Karipuna vêm lutando contra o desmonte das leis socioambientais e os retrocessos que ocorrem hoje nessa área. Descrevo a luta dos diversos povos que sofrem esse tipo de ataque, que são alvo de crimes e violência”, disse o autor. 

Sobre o livro

Na obra, Adriano relata suas memórias em ordem cronológica. Estão descritas parte de sua infância nômade, em que os Karipuna (que se autointitulam “Aué” ou “Boca Preta”; “Karipuna” é uma designação vinda dos não-indígenas) andavam de aldeia em aldeia procurando paz e sossego; o primeiro contato com funcionários do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão mais tarde substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai); a perda do pai aos oito anos; e o convívio com os seres da floresta – tanto os ‘terrenos’, como cães, macacos, mutuns e tracajás; quanto os encantados como o Anhãgã e o Grande Morcego.

Mais à frente, Adriano fala de seu contato com o cristianismo durante a adolescência; das enormes dificuldades que enfrentou por ser um indígena estudando na cidade; o primeiro emprego, colaborando com a saúde indígena, e como o namoro com sua futura esposa, uma professora de Geografia, foi fundamental para mantê-lo motivado nos estudos e descobrindo como funcionava a sociedade não-indígena. O final da obra narra o trabalho de Adriano enquanto liderança Karipuna e foca bastante em suas experiências de viagem, indo a Nova Iorque, Genebra e ao Vaticano denunciar as agressões sofridas por seu povo.

Palavras como veneno

O livro é cheio de histórias curiosas, como Adriano contando as dificuldades que teve em comprar um pen drive em Nova Iorque; a descrição de cuidados que um futuro pai Karipuna precisa ter – para poupar a mãe e a criança de sofrimento, o pai é proibido de comer frutos como buriti, pupunha durante a gravidez; e a ocasião em que, durante uma visita a um povo originário do Equador, teve como café da manhã um xarope muito amargo feito de cipó.

Por outro lado, as memórias de Adriano também são repletas de episódios de racismo, em que sua identidade indígena foi o ponto de partida para diversas violências que ele sofreu ao longo da vida. Desde os colegas da escola que zombavam dele por não falar português direito, passando pelo Uber que pergunta de maneira rude “qual tua tribo?” até a polícia italiana quase confiscando um cocar valioso durante uma viagem – Adriano conta vários desses episódios e deixa muito claro como isso o incomodou e entristeceu.

“O racismo vem do ensinamento. Pais e mães não ensinam os filhos a respeitar o próximo. Dizem que eu deixei de ser indígena porque estou na cidade. Isso é preconceito. Por exemplo, um brasileiro que come sushi não deixa de ser brasileiro, um brasileiro que fala espanhol ou inglês não é americano ou mexicano. O racismo às vezes é pregado na língua. As pessoas jogam indiretas, jogam veneno uns nos outros. Os não indígenas têm preconceito uns com outros, com negro, com mulher, com LGBT, com o candomblé…  Lançam palavras como veneno. Esse tipo de ofensa muitas vezes vem como uma brincadeira, brincadeiras agressivas. Ofensa é preconceito, sim. Eu, como sou forjado e preparado politicamente, eu enxergo. O comportamento mostra quem é racista”, diz Adriano em determinado momento do livro.

Entender os desafios

Adriano afirmou que as sociedade não-indígenas ainda têm muito a aprender com os povos originários: “Penso que a maior lição que vocês têm a aprender conosco é o quanto é importante manter a floresta viva, em pé, intacta, sem derrubá-la. Vocês não entendem também o respeito que temos um pelo outro, pelos nossos anciões, pelas nossas crianças, pela natureza. Vocês não têm essa cultura de viver coletivamente, de conviver, de respeitar todos os que os rodeiam – desde a floresta, os rios, as aves, os ventos. A sociedade não-indígena está se matando; é preciso parar e refletir sobre isso”. 

Para a Porta-Voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Carolina Marçal, o livro de Adriano é mais uma  ferramenta que temos para entender os desafios dos povos originários. 

“Estamos num momento em que precisamos, cada vez mais, ouvir a voz dos povos indígenas e entender quais são os problemas que eles enfrentam. O livro de Adriano, ao registrar as memórias de uma liderança que vive hoje as violências causadas por grileiros, madeireiros e garimpeiros, nos ajuda a entender essas questões e levá-las adiante. Se quisermos construir uma sociedade mais justa, inclusiva e rica para todos, precisamos considerar as populações indígenas e colocá-las dentro da construção desse novo mundo”, disse Carol.

Ofensiva criminosa

Situada em Rondônia, nas proximidades da capital Porto Velho, a Terra Indígena Karipuna é um dos territórios mais ameaçados do País. Homologada em 1998 e com 153 mil hectares, ela já teve mais de 11 mil hectares devastados por ações criminosas. A TI Karipuna sofre com o roubo de madeira, o loteamento ilegal e o desmatamento. 

Historicamente, ela sempre teve problemas. Mas desde 2015 aquela área sofre uma ofensiva que se intensificou de maneira muito séria após a chegada ao poder de Jair Bolsonaro. Grileiros, madeireiros e garimpeiros avançam cada vez mais e mais para dentro do território. 

Os próprios Karipuna foram vítimas de inúmeras violências no passado e chegaram à beira da extinção: na década de 90, havia apenas cinco indivíduos Karipuna. Hoje, são mais de 50, mas sua situação não é muito diferente. O enfrentamento aos criminosos coloca as lideranças sob ameaça e tensão constantes. Em junho de 2018, o Ministério Público Federal (MPF) voltou a alertar para o risco de extinção deste povo caso o governo brasileiro não tome medidas de proteção para defender este povo.


Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos. Saiba mais