Estudo da USP traz uma análise do surgimento e as particularidades, no contexto brasileiro, do fast fashion, modelo em que a produção, o consumo e o descarte da moda ocorrem de forma acelerada
Por Pedro Ferreira em Jornal da USP | Mais do que uma forma de expressividade corporal, a moda é uma relevante manifestação cultural que perpassa fatores ambientais, sociais e econômicos. Em 2020, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), o setor têxtil e de confecção obteve um faturamento de R$ 161 bilhões, tendo produzido 7,93 bilhões de peças, empregado 1,36 milhão de trabalhadores diretamente e oito milhões de forma indireta. É dentro desse contexto que se insere o fast fashion, modelo caracterizado por um ritmo acelerado do fluxo de peças de vestuário, que abrange desde a coleta de matéria-prima para a fabricação até o descarte das roupas. A partir de uma perspectiva da Economia da Cultura, área do conhecimento que estuda os fenômenos culturais através da ótica econômica, a pesquisadora Ana Paula Nobile Toni analisou o histórico e as particularidades desse modelo de moda no Brasil, além de fazer um levantamento da contribuição do fast fashion para a economia brasileira. A pesquisa teve orientação da professora Sara Albieri e foi realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP como doutorado direto.
De acordo com Ana Paula, o consumo da moda carrega um significado da pessoa, lugar, tempo e contexto social em que está inserido. E é durante a década de 1990 que um novo conceito é criado para nomear o modelo da indústria da moda que transformou as relações de produção, consumo e descarte. Adotado por marcas brasileiras de varejo, o fast fashion se consolidou a partir da globalização – processo de integração econômica e cultural entre os países graças ao desenvolvimento das tecnologias de transporte e comunicação. Ocorre o barateamento da produção têxtil nos países industrializados, sobretudo com as relações comerciais com países asiáticos envolvendo as matérias-primas. Isso permitiu que marcas investissem na confecção de roupas que remetessem à alta costura e tivessem preço final e tempo de uso reduzidos.
Apesar de o modelo ter surgido já nos anos 1970, o conceito de fast fashion foi cunhado durante a década de 1990. Com o surgimento da internet e de novos meios de comunicação, a mundialização da economia permitiu que o acesso a realidades e costumes de outros países se tornasse mais tangível. É quando a indústria da moda se adapta para incentivar o consumo de massa. “O fast fashion só foi consolidado a partir da globalização”, afirma Ana Paula ao Jornal da USP. “A maior velocidade com que as informações foram transmitidas através da internet e tecnologias de comunicação fez com que as tendências fossem espalhadas de forma muito mais rápida.”
Para realizar o estudo, a pesquisadora fez entrevistas com diversos profissionais das diferentes etapas produtivas da indústria da moda, desde a tecelagem ao varejo. Foi utilizada uma técnica de entrevistas da historiadora Verena Alberti que consiste em perguntas não estruturadas que deixam o entrevistado livre para dar respostas extensas. A pesquisa ainda contou com a colaboração da Associação Brasileira de Indústria Têxtil (Abit), membros de redes de varejo e da indústria têxtil.
Para Ana Paula, “a principal função do fast fashion é a democratização da moda, no sentido de ampliar o acesso dos consumidores às tendências que circulam nas principais capitais do mundo”. Ela conta que as marcas traçam suas estratégias de venda a partir dos estilos de vida que buscam atender, de forma que o volume de peças produzidas forneça uma gama de opções para os consumidores. “A criação é carregada de limitações e é pensada por estratégias de mercado predefinidas”, conta. Isso acarreta a definição de elementos como cores e estampas com cerca de 24 meses de antecedência, muito antes que as peças tornem-se disponíveis para compra no varejo.
O modelo de negócio é alvo de críticas por conta dos impactos ambientais que promove e das condições precárias de trabalho às quais muitos funcionários são submetidos. “O que eu tenho percebido, no entanto, é que existe cada vez mais uma preocupação em estreitar a relação entre marcas e fornecedores e uma atuação maior de vistorias para garantir que a lei seja cumprida e haja condições mínimas de trabalho”, afirma Ana Paula.
A resposta do slow fashion
Em contraponto ao modelo de negócio consolidado na indústria, as práticas de slow fashion visam a desacelerar o consumo, a produção e, principalmente, o descarte. Para isso, as iniciativas investem em peças mais duradouras, com tingimento natural e tecidos de material menos biodegradável, e que possam ser reaproveitadas após o descarte. Além disso, há o incentivo ao consumo em brechós para a reutilização de roupas e materiais.
Para Ana Paula, uma mudança integral para o modelo do slow fashion ainda pode levar muitos anos, apesar das iniciativas individuais de consumo consciente. “Se os instrumentos da Economia da Cultura fossem aplicados à indústria, isso seria muito interessante para a área de criação e viabilizaria uma produção mais sustentável.”
Mais informações: e-mail nobile.anapaula@gmail.com, com Ana Paula Nobile Toniol
Este texto foi originalmente publicado por Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.