Pesticida no café: riscos à saúde e ao meio ambiente

A quantidade de pesticida no café é um fator que tem gerado cada vez mais preocupação. 

O cafeeiro, ou a planta do café, que é conhecida cientificamente como coffea, é uma planta nativa encontrada nos países africanos, em regiões tropicais da Tanzânia, Quênia, Sudão e Etiópia.

O café em si é o fruto do cafeeiro e, segundo o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), sua colheita se dá em três estágios de maturação, produzindo frutos verdes, frutos maduros (chamados de cerejas) e frutos secos, ou bóias. 

Quanto maior a quantidade do fruto cereja obtida durante a colheita, melhor a qualidade do café, uma vez que esses distintos estágios de maturação apresentam umidade, composição química e anatomia diferentes.

Após a colheita, os frutos passam por um longo processo, composto de várias etapas – manuais ou mecanizadas – até se transformarem em grãos, para serem torrados ou no pó de café, como conhecemos.

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Qual a importância do café na economia brasileira?

A origem do café não é exata, mas pesquisadores afirmam que o café é originário das terras altas da Etiópia e teria sido descoberto por volta de 850 d.C.

Por aqui, o café chegou ainda nos tempos coloniais, em 1727, vindos da Guiana Francesa para Belém, no Pará. No entanto, foram as plantações no sudeste brasileiro, por conta do clima, que ganharam força e transformaram o café em um dos principais produtos de exportação do País.  

O Brasil é o maior produtor e exportador de grãos de café do mundo. Segundo a Embrapa, em 2023, o café brasileiro foi produzido em todas as cinco grandes regiões do País, mas quase 60% de toda a produção fica em Minas Gerais.

Os dados mostram que a área ocupada por pés de café no Brasil, em 2023, era de 1.9 milhão de hectares, ou 19 bilhões de metros quadrados. Isso equivale a 11875 parques do Ibirapuera ou quase 102 mil estádios do Maracanã.

O Brasil é o segundo país que mais consome café no mundo, o primeiro lugar fica com os Estados Unidos. O consumo de café no Brasil vem aumentando desde a década de 80, o que indica que a cultura do café está cada vez mais difundida na sociedade brasileira, segundo dados da Organização Internacional do Café (IOC). 

O problema é que o Brasil também é um dos maiores consumidores de pesticidas do planeta.

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Qual é a diferença entre pesticidas e agrotóxicos?

Pesticida, conforme define o texto para discussão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), são produtos químicos sintéticos usados para o controle de pragas, sendo “agrotóxico” e “agroquímico” termos equivalentes.

O Ipea também aponta que a literatura científica internacional utiliza o termo “agrotóxico” para produtos químicos comprovadamente tóxicos, enquanto que o termo “pesticida” é utilizado para produtos tóxicos ou não.

Já um artigo da Fiocruz defende que agrotóxicos e pesticidas são algumas das denominações utilizadas para um grupo de substâncias químicas que tem como objetivo o controle de pragas (tanto animais quanto vegetais) e doenças de plantas. Outros nomes citados são: defensivos agrícolas, produtos fitossanitários, praguicidas, remédios de planta e veneno.

O artigo também chama a atenção para a importância e o uso da ética na nomenclatura, já que nomes com características positivas, como “defensivo” agrícola ou “remédio” de planta, podem mascarar o caráter nocivo desses produtos. Isso porque eles são usados tanto na prevenção como na destruição de outras plantas e insetos, que possam prejudicar o desenvolvimento das lavouras. Além disso, podem comprometer a saúde humana e cada ecossistema envolvido.

Uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) classifica os pesticidas como:

  • inseticidas, para o controle de insetos;
  • fungicidas, para o controle de fungos;
  • herbicidas, para o controle de plantas invasoras;
  • desfolhantes, para o controle de folhas;
  • fumigantes, para o controle de bactérias do solo;
  • rodenticidas ou raticidas, para o controle de roedores/ratos;
  • nematicidas, para o controle de nematoides;
  • acaricidas, para o controle de ácaros.
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Qual é a situação do Brasil sobre o uso de pesticidas?

Segundo o Atlas dos Agrotóxicos, publicado pela Fundação Heinrich Böll, o Brasil é um dos maiores importadores de pesticidas do mundo, batendo recordes de consumo. Grande parte dos agrotóxicos utilizados na nossa agricultura são produzidos e importados da União Européia, que proíbe o uso de alguns deles em solo europeu.

O problema começa na prática da monocultura. Segundo uma publicação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), as monoculturas cafeeiras – áreas enormes cultivadas apenas com pés de café – se transformam num sistema de plantio sensível e vulnerável, pois a falta de diversidade de plantas faz com que as grandes lavouras sejam atingidas por várias formas de epidemia de pragas e doenças. 

Aqui citamos a monocultura de café, mas a teoria se aplica a todos os tipos de monocultura, tais como soja, milho, laranja, algodão entre outros.

As mudanças climáticas e o aquecimento global também colaboram para esse cenário caótico.

O estudo liderado pela Fundação Heinrich Böll ainda mostrou que, num período de 12 anos, o consumo de pesticidas no Brasil aumentou 87%, chegando a um pouco mais de 720 mil toneladas em 2021. 

Além disso, entre 2019 e 2022, 50,8% desses produtos eram compostos por, no mínimo, um ingrediente de uso proibido na União Européia, segundo a publicação da UFSC. E ainda, a outra parcela desses pesticidas – que são originários da China – também são proibidos no país de origem.

O estudo também relata que a proibição desses produtos na União Européia está relacionada aos impactos negativos causados à saúde humana e ao meio ambiente.

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Quais são os pesticidas utilizados no cultivo de café?

O último relatório da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2022, que analisa e monitora resíduos de agrotóxicos em amostras dos alimentos vegetais mais consumidos pelos brasileiros, analisou 158 amostras de café.

Os agrotóxicos detectados foram:

  • Azoxistrobina
  • Bifentrina
  • Ciproconazol
  • Epoxiconazol
  • Imidacloprido
  • Metoxifenozida
  • Pencicurom
  • Piraclostrobina
  • Piriproxifem
  • Profenofós
  • Tebuconazol
  • Tiametoxam

Os componentes que apresentaram o maior número de detecções foram: bifentrina, imidacloprido e azoxistrobina. 

O profenofós, utilizado como pesticida no café e também em outras monoculturas, é um exemplo de produto proibido na União Européia, mas consta na lista de ingredientes ativos de uso autorizado no Brasil, no site da Anvisa. O pesticida é amplamente utilizado no País e não apenas na produção cafeeira, mas também em culturas de feijão, soja, milho, ervilha, amendoim, melancia, tomate, trigo, repolho, algodão, batata, mandioca, pepino, cebola e girassol.

O relatório da Anvisa destaca também que a rastreabilidade do café só vai até o embalador ou fabricante, não alcançando o produtor. Portanto, esses pesticidas foram detectados em amostras de café prontos para o consumo humano.

A Anvisa classifica os pesticidas de acordo com seu grau de toxicidade. A escala vai da classe 1 a 5, sendo composta por produtos de:

  • Classe 1: altamente perigoso ao meio ambiente;
  • Classe 2: muito perigoso ao meio ambiente;
  • Classe 3: perigoso ao meio ambiente;
  • Classe 4: pouco perigoso ao meio ambiente;
  • Classe 5: de baixo risco ao meio ambiente.

Além dos pesticidas listados no relatório da Anvisa, outros produtos são amplamente utilizados nas monoculturas do Brasil, incluindo as de café, como o glifosato e o fipronil.

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Como os pesticidas agem no organismo dos seres vivos?

De acordo com a pesquisa da UEPB, o pesticida profenofós (de sigla PFF) é de classe 2.O PFF está relacionado a efeitos altamente nocivos no organismo de animais domésticos, animais selvagens e humanos. Os produtos químicos incluídos nessa classe são lipossolúveis, ou seja, se dissolvem em gordura, portanto tem capacidade de penetração na pele dos seres vivos, além da placenta e do feto, em grávidas.

O Instituto Nacional do Câncer (Inca) publicou notas em 2015, em 2018 e novamente em 2023, se posicionando em relação à flexibilização do uso de pesticidas no Brasil.

O Inca reforça que a exposição aos pesticidas causa uma série de efeitos deletérios à saúde humana, entre eles: infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, quadros de neuropatia e desregulação hormonal, além de efeitos imunotóxicos, levando a maior ocorrência de câncer.

Um estudo, realizado em conjunto pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), relatou que o pesticida glifosato pode gerar efeitos agudos e crônicos em seres humanos, tais como dermatites e síndromes tóxicas, após alta taxa de ingestão.

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Como os pesticidas afetam o ambiente?

Uma reportagem publicada pelo jornal da Unesp alerta sobre os impactos do uso do pesticida fipronil sobre as abelhas. Mortes de abelhas e perdas de colmeias inteiras estão relacionadas ao uso do pesticida em plantações próximas a áreas de apicultura. 

Foram contabilizadas as mortes de 50 milhões de abelhas em Santa Catarina, em 2017, mais 500 milhões entre 2018 e 2019, no Rio Grande do Sul. Em 2023, mais de 100 milhões de abelhas morreram apenas no mês de junho, no Mato Grosso. No mês seguinte, houve a morte de 80 milhões de abelhas na Bahia. Também houve relatos de perdas em Minas Gerais, no mesmo mês, mas não foi quantificado.

Foto de Eric Ward no Unsplash

O fipronil é um pesticida conhecido mundialmente por dizimar abelhas e já foi proibido na África do Sul, Vietnã, em toda a União Européia, na Costa Rica e, representando a América do Sul, na Colômbia e no Uruguai. No Brasil, seu uso é restrito em Goiás e Santa Catarina, apenas.

Sobre o glifosato, segundo o estudo apresentado pela UFMA/Unesp, o pesticida pode causar defeitos crônicos de nascimento em algumas espécies de animais, além de apresentar grande toxicidade em plantas. No ambiente aquático, o glifosato se torna ainda mais tóxico, com o aumento de temperatura e de pH.

Além disso, o uso desse pesticida leva a degradação do meio ambiente, comprometendo fontes de alimentos de espécies de pássaros e anfíbios, diminuindo essas populações.

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Por que as monoculturas prejudicam o meio ambiente?

Um estudo sobre Agricultura 4.0 no Brasil, realizado pela professora e pesquisadora do Departamento de Geografia da USP, Larissa Mies Bombardi, enfatiza a diferença entre uma produção agrícola e uma produção de alimentos, uma vez que o foco da produção agrícola é a comercialização de commodities, ou seja, mercadorias que são comercializadas em todo o mundo.

Além disso, o estudo salienta que as grandes monoculturas são fruto do monopólio de terras.

Um livro, lançado pela pesquisadora em 2023, mostra que apenas 1% dos grandes produtores agrícolas do país são donos de um pouco menos de 50% das áreas produtivas do Brasil e essas áreas recebem cerca de 80% dos agrotóxicos consumidos nacionalmente. 

Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) mostram que, em 2023, 308 novos pesticidas foram registrados e o balanço ficou assim: quase 72% dos novos produtos foram considerados entre classes 1 e 3, o que engloba produtos perigosos, muito perigosos ou altamente perigosos para o meio ambiente.  

Além disso, dois deles foram considerados extremamente tóxicos, um deles altamente tóxico e outros três, medianamente tóxicos.

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Quais são as alternativas para evitar o uso de pesticida no café?

Um estudo, realizado pela Universidade de Copenhague, mostrou que existem alternativas sustentáveis aos pesticidas, apontando a agrofloresta como uma solução, uma vez que os sistemas agroflorestais podem restaurar a diversidade do ambiente, quando comparado com a homogeneidade das monoculturas.

O estudo ainda revela que problemas como erosão do solo, perda de matéria orgânica, ciclagem de nutrientes – que é a troca de elementos essenciais entre o solo e a planta – e a perda de nitrogênio no solo, que são complicações causadas pela monocultura, podem ser resolvidos por meio da aplicação de sistemas de agrofloresta.

Além disso, o estudo cita também que as funções ecológicas de cada árvore e outras plantas sem fins agrícolas, junto aos cafezais, podem equilibrar os ambientes e mitigar doenças e pragas nas plantações, bem como minimizar impactos causados por fenômenos climáticos, como secas ou geadas por exemplo.

Os pesquisadores da UFSC também afirmam que a aplicação de princípios de agroecologia é uma resposta para superar o uso de pesticidas, pois a variabilidade genética funciona como uma barreira que protege contra a disseminação de doenças.

Essa variabilidade genética pode ocorrer por meio da mistura de sementes, sistemas de multilinhas – que é a mistura de linhagens, ou seja, plantas com diferentes genes de resistência a determinado patógeno – e ainda agroflorestas. Esses itens podem ser combinados e aplicados em conjunto.

É possível alcançar o equilíbrio, uma vez que o foco seja o desenvolvimento sustentável.

A alternativa, mais uma vez, é dada pela própria natureza.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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