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A transformação da floresta úmida em pasto e monocultura de grãos é um dos motivos apontados

Resumo

  • Pesquisa registra 22 ocorrências do lobo-guará na Amazônia nos últimos 25 anos; dez são registros inéditos.
  • O lobo-guará, espécie típica das savanas, pode estar encontrando nas áreas desmatadas da Amazônia um novo habitat.
  • O lobo-guará tem sido registrado sobretudo em regiões com alta presença humana, o que expõe o animal ao risco de atropelamento, contágio de doenças de animais domésticos e conflitos com fazendeiros.

Por Zibélia Zanon à Mongabay – Mamífero típico das savanas da América do Sul, o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) já está circulando na Floresta Amazônica. É o que constatou um estudo conduzido por pesquisadores de Mato Grosso, Amazonas e Rondônia, que listou 22 registros do lobo-guará na Amazônia nas últimas duas décadas. Dez deles são inéditos, o que expande o limite da distribuição geográfica usual da espécie em mais de 51 mil km².

“Os nossos dados levantam a hipótese de que o lobo-guará vem passando por um processo de expansão da distribuição, haja vista que registros da espécie nessas novas áreas têm sido muito recentes”, afirma Almério Câmara Gusmão, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), um dos autores do estudo.

Historicamente, o bioma amazônico é o limite norte para a ocorrência do lobo-guará, mas a ocupação humana nas bordas do Cerrado tem causado sérias modificações na paisagem natural nos últimos 50 anos. A vegetação de floresta úmida nativa foi, em grande parte, alterada para pasto e monocultura de grãos, tornando-se terreno propício para a propagação de espécies típicas da savana, como a lobeira, ou fruto-do-lobo (Solanum lycocarpum). Como o nome sugere, esta espécie de tomate selvagem é fundamental para a dieta do lobo-guará, motivo adicional para sua ocorrência em territórios não usuais.

Alertando para os impactos sofridos pela Amazônia nas últimas décadas, artigo publicado no periódico científico Environmental Science and Policy aponta a expansão do bioma Cerrado sobre o amazônico. Devido à intensa mudança de uso e cobertura do solo no chamado Arco do Desmatamento, o artigo sugere que seja desenhada uma nova divisa, que delimite a transição dos biomas de forma diferente daquela indicada pelo governo como oficial. Como o lobo-guará ocorre naturalmente em ambientes de características campestres, arbustivas ou savânicas, as novas áreas abertas, e mesmo a transição incerta entre o Cerrado e a Amazônia, acabam propiciando a ampliação da ocorrência do canídeo.

Especialistas, no entanto, consideram que ainda não foram registradas populações efetivamente estabelecidas na Amazônia, e sim ocorrências pontuais, principalmente em áreas recentemente desmatadas, que estão se transformando em pasto. Na Mata Atlântica, diferentemente, já existem populações estabelecidas, como acontece no Parque Nacional do Itatiaia, entre Rio de Janeiro e Minas Gerais, e no Vale do Paraíba, entre São Paulo e Minas Gerais. Nas duas regiões, o lobo-guará tem ocupado áreas previamente desmatadas, em estado relativo de recuperação, evitando as florestas úmidas, como aponta a tese de doutorado de Rogério Cunha de Paula pela Universidade de São Paulo (USP).

Perda de habitat é maior ameaça à espécie

O lobo-guará, que desde setembro estampa a nota de 200 reais, é classificado como espécie “quase ameaçada” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) e “vulnerável” pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O Cerrado, sua principal morada, perdeu 28,5 milhões de hectares de vegetação nativa entre 1985 e 2019, sendo o bioma que proporcionalmente mais viu a sua área desaparecer, segundo levantamento do MapBiomas. Em termos de hectares, a Amazônia foi o bioma mais afetado e o Brasil, como um todo, perdeu no mesmo período o equivalente a 10% do território nacional em áreas de vegetação nativa.

A perda de habitat natural é a ameaça mais significativa para o maior canídeo da América do Sul. Estima-se uma população de 24 mil indivíduos no Brasil, com apenas 4% vivendo em ambientes conservados. Segundo Almério, os resultados de seu estudo alertam para o fato de que ​“as alterações do habitat podem provocar muitas mudanças no comportamento das espécies silvestres, como ocorre com o lobo-guará”.

A conversão das áreas naturais de ocorrência do lobo-guará em áreas urbanas ou agropecuárias potencializa ameaças à espécie. A diminuição da qualidade dos ambientes, com menos presas e menos frutos disponíveis, além da imposição de defensivos agrícolas, somam-se aos atropelamentos em rodovias, às doenças resultantes da proximidade com animais domésticos e aos conflitos com humanos, sobretudo porque lobos-guará são predadores de aves de criação, como galinhas.

Além disso, a fragmentação da vegetação nativa impede o acesso a áreas adjacentes, atrapalhando a conectividade e fazendo com que certas populações fiquem isoladas. Sujeitas à reprodução consanguínea, essas populações correm o risco de perder a diversidade genética e até de sumir. Nesse contexto, Áreas de Preservação Permanentes (APPs), Unidades de Conservação (UCs), assim como o percentual destinado à Reserva Legal nas propriedades particulares ganham grande importância para a sobrevivência da espécie.

Como resultado dos diversos impactos, o lobo-guará não consegue se reproduzir na mesma velocidade em que a espécie sofre a perda de indivíduos. Além disso, metade da população é muito jovem ou muito velha para a reprodução. Especialistas do projeto de conservação Lobos da Canastra estimam que em uma ninhada de cinco filhotes, um ou dois poderá sobreviver e chegar à idade reprodutiva. A espécie está em declínio e em determinados lugares está quase extinta, como acontece atualmente nos Pampas, onde os registros de ocorrência são muito espaçados.

Em busca de território seguro

Projetos de proteção do lobo-guará atuam com estratégias específicas para resolver os problemas de cada região. O Lobos da Canastra, no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, atua no espaço do Cerrado que agrega a maior concentração da espécie, cerca de 200 indivíduos. Ali, o problema central era a caça. Além das pesquisas realizadas com o animal, diversas medidas de educação ambiental foram implementadas para melhorar a percepção dos moradores locais a respeito da fauna, assim como ações pontuais para reduzir os conflitos, sobretudo com os criadores de galinhas. Entre 2007 e 2015, foram construídos 150 galinheiros nas fazendas adjacentes ao parque. Hoje quase nenhum lobo é mais abatido na região.

O Instituto Pró-Carnívoros, no estado de São Paulo, defende uma abordagem que chama de “saúde única”, que inclui a saúde dos animais domésticos, dos animais silvestres e do meio ambiente. De modo geral, melhorar a conectividade dos fragmentos de vegetação nativa e os habitats do lobo-guará são os principais objetivos dos projetos de conservação da espécie.


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