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Especialistas alertam que uso dessas estruturas não implica um habitat mais saudável para animais. Resultados do estudo podem colaborar para a melhor convivência entre humanos e felinos

Por Marcos do Amaral Jorge em Jornal da Unesp | Um levantamento embasado em dados de GPS, coletados de mais de cem onças-pintadas espalhadas pelas Américas, mostra que esses animais têm transitado por áreas ocupadas pelos seres humanos, especialmente lavouras agrícolas e estradas. Embora essa presença possa variar de acordo com o horário do dia e o sexo do animal, os resultados podem colaborar para o desenvolvimento de estratégias de manejo adequadas dessas estruturas e o estabelecimento de planos de conservação que contemplem a convivência saudável entre humanos e onças-pintadas em áreas alteradas pelo homem.

O objetivo da pesquisa, que envolveu pesquisadores do Brasil e da Noruega, e que foi publicada no Journal for Nature Conservation, foi entender os fatores que influenciam as escolhas de habitat pelas onças-pintadas, levando em consideração as distinções de sexo e de período do dia (diurno ou noturno). Para isso, a equipe de pesquisadores selecionou dez variáveis com as quais os animais monitorados poderiam se relacionar de alguma forma. Esses fatores são elementos que compõem a paisagem, como a presença de água, cobertura de árvores, cobertura de arbustos, lavouras, alta densidade de gado, alta densidade humana e a existência de estradas, entre outros.

Os dados apontam para uma alta preferência, por parte das onças de ambos os sexos, e durante os dois períodos do dia, por áreas dotadas de cobertura vegetal natural e pelas áreas com presença de água, por exemplo. Na verdade, estes resultados já eram esperados pelos pesquisadores. Menos óbvia, porém, foi a constatação de que algumas áreas que exibem sinais de fortes alterações pela ação humana também estejam atraindo a espécie. É o caso das estradas, que foram usadas pelos felinos de ambos os sexos e ao longo tanto do dia quanto da noite. Da mesma forma, áreas de cultivo agrícola se mostraram atraentes, em especial para os machos, que por elas preferem transitar principalmente durante a noite e, em menor frequência, durante o dia. As fêmeas, por sua vez, evitam as lavouras. Por outro lado, os dados colhidos nos GPS apontam que as áreas com alta presença de gado, de humanos e de ovinos ou caprinos são altamente rejeitados pelos felinos.

Autora principal do artigo, a bióloga Vanessa Bejarano Alegre diz que a expansão de áreas e estruturas antrópicas, como lavouras ou estradas, tem prejudicado a convivência entre seres humanos e grandes carnívoros, com clara desvantagem para animais como as onças-pintadas. A pesquisadora explica que o uso das estradas por felinos não é algo novo na literatura. Trabalhos que observaram o deslocamento do lince no hemisfério norte, por exemplo, também apontaram o uso de estradas por esses animais, mas em períodos de pouco movimento.

“No caso das onças-pintadas, entretanto, elas usam as estradas tanto no período diurno quanto no noturno”, relata a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Biodiversidade da Unesp, no câmpus de Rio Claro. “Nossos gráficos mostram claramente as onças evitando a mata ou a área aberta, e optando pelo deslocamento pela estrada. Agora que sabemos em que período as onças estão realmente ocupando essas estruturas, podemos descobrir como manejá-las para alcançar uma melhor convivência entre pessoas e felinos.”

Milton Cezar Ribeiro, coordenador do Laboratório de Ecologia de Espacial e Conservação (LEEC) e um dos autores do artigo, pondera que existem diversos registros de espécies animais, em particular aquelas de médio e de grande porte, que usam espaços abertos para se locomover, categoria em que se encaixam tanto as estradas quanto as áreas de cultivos. Contudo, continua o pesquisador, é preciso ter clareza quanto ao que constitui efetivamente um ambiente adequado para o deslocamento dos animais, e quais as condições necessárias para assegurar a sobrevivência destas espécies.

“Não podemos supor que, apenas pelo fato de que as onças-pintadas usam essas estruturas, elas realmente exerçam alguma influência positiva para a conservação da espécie, o que poderia embasar a construção de estradas, linhas de transmissão ou ferrovias nesses ambientes”, explica. Segundo o professor do Departamento de Ecologia, essas infraestruturas levam pressão de contato sobre as espécies e ampliam o conflito humano-fauna. Ribeiro acrescenta que a construção de estradas pode colaborar para promover a separação de populações de animais em geral, principalmente no caso das espécies que evitam essas vias. No longo prazo, diz, essa separação pode resultar em perda de diversidade genética para a população.

A preferência observada em onças-pintadas macho por áreas agrícolas, em especial durante o período noturno, foi outro resultado da pesquisa que revelou a presença do felino em áreas modificadas pela ação humana. Para Vanessa, esse dado pode indicar que um “esvaziamento” das florestas esteja em andamento, com as presas buscando refúgio em áreas de lavoura. A pesquisadora relata que um fenômeno semelhante já foi observado em estudos com onças-pardas dos Estados Unidos. Lá, os veados, que são predados por esses felinos, se deslocaram para áreas abertas e iluminadas. No caso brasileiro, essa tese é reforçada pelo fato de que algumas espécies que são presas de onças-pintadas, como as queixadas, estão invadindo áreas agrícolas em busca de alimento, e tornando-se, inclusive, um problema para muitos produtores rurais, que têm registrado perdas em virtude da presença desses animais.

Imagem: Reprodução/Jornal Unesp

“Também estudamos a interação entre presa e predador, e observamos que as interações das onças com as queixadas têm acontecido nas bordas entre as áreas florestais e de agricultura”, explica a pesquisadora. Vanessa destaca os dados de localização obtidos a partir de um casal de onças-pintadas na região do Pantanal. No pedaço do mapa destacado no gráfico é possível ver a presença do macho e da fêmea da onça-pintada ao longo da estrada e na borda da área de lavoura [ver infográfico acima].

O entendimento dos fatores que influenciam a escolha do habitat das onças é crucial para a estruturação do que os pesquisadores vêm chamando de paisagem da coexistência. Partindo do fato de que a presença humana e as áreas antrópicas repelem a presença de grandes carnívoros e seu acesso a recursos naturais, a proposta da paisagem da coexistência é entender os elementos que influenciam as escolhas dos felinos para manejar adequadamente os espaços alterados pelo homem, de forma a reduzir seu impacto.

“Os grandes carnívoros, como a onça-pintada, não vão utilizar a mesma área em que está o ser humano. Mas, talvez, ele utilize a área quando o ser humano não está. Nós constatamos, por exemplo, que as onças-pintadas estão usando áreas agrícolas durante a noite, provavelmente porque não sentem a ameaça pelo homem nesse período”, diz. Para a pesquisadora, entender quais são essas áreas de coexistência e em qual período elas estão sendo usadas pelos grandes carnívoros pode proporcionar informações importantes para a elaboração de planos de conservação, por exemplo.

Outra aplicação dos resultados envolve compartilhar essas informações com os próprios produtores rurais, de forma que colaborem para a conservação manejando adequadamente suas culturas de acordo com os hábitos dos felinos. Vanessa destaca que trabalhos que analisaram a coexistência de gado/homem no Pantanal, por exemplo, apontaram que, quando existem um balanço entre áreas naturais que tenham a presença de presas naturais e áreas em que existe o manejo adequado do gado, ou seja, quando ele é recolhido ao curral no período noturno, por exemplo, verifica-se uma diminuição dos casos de predação,  ou de mortes de onças por retaliação.

Para a pesquisadora, à medida que evolui a capacidade humana em atividades como a prática agrícola, a construção de estradas ou a tecnologia de automóveis, muda também a percepção dos animais a respeito dessas estruturas. “A ecologia não é algo que vai continuar igual ao longo de dez anos. É preciso continuar estudando essas relações com profundidade porque as mudanças de agora podem afetar o comportamento de um felino daqui a dez ou vinte anos. Por hora, nós temos essas conclusões a partir de dados globais, e podemos trabalhar a partir deles.”


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Unesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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