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Por Paulo A. Horta e Cláudio G. Tiago, para o Jornal da USP | A redução de oferta e encarecimento dos fertilizantes, como consequência da desindustrialização, fechamento das plantas de produção nacionais e da guerra entre Rússia e Ucrânia, têm comprometido a agricultura brasileira e mundial, podendo ser catastrófica para a alimentação global.

Entretanto, pressionado para reduzir a dependência do Brasil, setores do governo e empresas apresentaram como sugestão a mineração marinha em grande escala, tendo como alvo extensos recifes de rodolitos da plataforma continental brasileira para uso como matéria-prima na produção de fertilizantes. A eventual exploração destes ambientes é altamente preocupante, podendo ter consequências igualmente negativas e muito sérias a médio prazo, para o Brasil e para o planeta. A mineração desses habitats terá um grande impacto ecológico direto sobre toda a biodiversidade associada, bem como desdobramentos econômicos negativos para setores como o da pesca. Por outro lado, o uso de rodolitos para calagem da vasta extensão de solos ácidos do Brasil pode contribuir significativamente para as emissões de CO2 para a atmosfera.

O tema foi objeto de correspondência publicada na última edição da Revista Nature, liderada por pesquisadores da USP e da UFSC que, desde a década de 1980, estudam esse ambiente combinando trabalho de campo com o uso de mergulho autônomo com outras técnicas de laboratório, envolvendo análises que permitem determinar o destino do carbono. Dentro do grupo signatário da carta estão pesquisadores estrangeiros e com expertise nos processos biogeoquímicos relacionados ao balanço de dióxido de carbono, aos fluxos de carbono e armazenamento de carbonato associados aos bancos de rodolitos, como alternativas à mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Os Bancos de Rodolitos brasileiros têm sido evocados como patrimônios da humanidade, por prestarem benefícios ecossistêmicos fundamentais para a estabilidade biogeoquímica do Atlântico. Estes destacam-se como ecossistema marinho diferenciado que ocorre sobre a extensa plataforma continental brasileira, se distribuindo por cerca de 230 mil km2 do nosso litoral. Seus bioconstrutores são algas vermelhas calcificadas, conhecidas como algas calcárias, ou seja, capazes de depositar carbonatos na sua parede celular, tornando-se rígidas. O crescimento desses organismos, de apenas milímetros por ano, forma lentamente estruturas de topografia complexa e diversa, que parecem individualmente pequenos corais rosados. Boa parte da vida destes bancos extensos depende de uma delgada e vulnerável camada pigmentada, com micrômetros de espessura, que faz a fotossíntese e viabiliza o processo de calcificação. Estas pequenas preciosidades, “pedras” rosadas que formam verdadeiros oásis em meio às planícies arenosas submersas, são chamadas de rodolitos.

Os rodolitos servem como substrato para outras algas e animais, representam banco de sementes e propágulos que são fundamentais para a resiliência de ecossistemas diversos em nosso litoral. Eles têm grande importância ecológica, prestando diversos serviços ecossistêmicos, como alimento, refúgio e local de reprodução e abrigo para muitas espécies. Por isso, também são muito importantes em termos econômicos e deles depende parte significativa dos alimentos marinhos que consumimos, incluindo diversas espécies de peixes, ou crustáceos, como a lagosta. Trabalhos recentes reforçam que a abundância de espécies de interesse da pesca é comparável à observada em ambientes recifais nacionalmente reconhecidos como os recifes de Abrolhos.

O processo de calcificação incorpora o carbonato disponível na água do mar e, portanto, esses ecossistemas representam depósitos de longo prazo (milhares de anos) de carbono. A partir da fragmentação dos nódulos pela ação de ondas, correntes marinhas e ação biológica, se formam as camadas de sedimentos subjacentes, com dezenas de metros de profundidade, com a mesma composição e a consistência de cascalho ou areia.

Os Bancos de Rodolitos ocupam uma região gigantesca, estando seus abrigos dispersos em uma área equivalente à do Reino Unido, cobrindo grande parte da plataforma continental a partir de Santa Catarina. Entretanto, por serem marinhos, raramente ficando expostos ao ar, são muito pouco conhecidos pela população em geral e sua importância é completamente subestimada.

A agricultura brasileira está entre as maiores do mundo e tem uma demanda de fertilizantes gigantesca. A proposta, que prevê a mineração de até 12 milhões de toneladas anuais, foi discutida em reunião recente da Embrapa. Nessas conversas, os rodolitos são apresentados apenas como um recurso mineral, esquecendo-se que, além da grande diversidade de espécies em si, constituem o substrato de um ecossistema, sobre o qual se fixa toda uma diversidade de organismos associados. Com sua retirada, resta um fundo oceânico de cascalho ou areia, sobre o qual nenhum organismo consegue se fixar, resultando em um ambiente deserto. Por outro lado, com um crescimento muito lento, os rodolitos são um recurso não renovável, ainda que se considere a escala de dezenas ou centenas de anos.

Além deste, outros efeitos da mineração se estendem a distâncias maiores que o local explorado. O levantamento contínuo de uma pluma de sedimentos causa turbidez da água do mar e deposição a grandes distâncias, alterando processos como fotossíntese, trocas gasosas ou alimentação dos organismos. Estudo publicado em artigo recente da revista Science evidenciou que os ruídos da mineração subaquática podem influenciar negativamente desde cetáceos a invertebrados, a distâncias superiores a 1.000 km. A perda de biodiversidade afeta também outros ecossistemas marinhos, pois os Bancos de Rodolitos são um repositório de espécies para os ambientes que os cercam.

Com esses impactos, os serviços ecossistêmicos de caráter econômico também serão impactados, inclusive a atividade pesqueira.

Entretanto, talvez o aspecto mais relevante e de consequências graves para o sistema climático planetário é a liberação de quantidades imprevisíveis de dióxido de carbono aprisionados nos carbonatos dos rodolitos para a atmosfera, a partir de sua adição aos nossos solos ácidos, intensificando o aquecimento global e os fenômenos a ele relacionados.

A mineração desses organismos é proibida em alguns países europeus, por serem estes organismos considerados recursos não renováveis e como consequência dos impactos gigantescos que esse tipo de exploração já causou nas décadas passadas. Caminhando no sentido inverso, no Brasil, com o incentivo do governo federal, a exploração tem sido apontada como altamente positiva em várias instâncias, inclusive em matéria veiculada no Jornal Nacional. Caso se concretize na escala proposta, estaremos cometendo um grave erro, comprometendo a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos e a produção econômica dos ecossistemas marinhos brasileiros, bem como acentuando o desequilíbrio do sistema climático planetário.

*Autores
Paulo A. Horta, Universidade Federal de Santa Catarina
Flávio Berchez, Instituto de Biociências da USP
Cláudio G. Tiago, Centro de Biologia Marinha da USP
Nadine Schubert, Center of Marine Sciences (CCMAR)
Alexander Turra, Instituto Oceanográfico da USP
Isaac Santos, University of Gothenburg
Marina N. Sissini, Universidade Federal de Santa Catarina
Alex Cabral, University of Gothenburg
André Macedo, Universidade Federal de Santa Catarina

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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