Pesquisadores observaram o efeito em modelos experimentais do diabetes
Por Ricardo Zorzetto – Revista Pesquisa FAPESP | O endocrinologista brasileiro Décio Eizirik cultiva um interesse especial pelo pâncreas. Não só por seu papel na digestão de alimentos, lançando nos intestinos enzimas digestivas, mas principalmente por sua capacidade de fazer, por meio de hormônios, o ajuste fino e dinâmico dos níveis sanguíneos de glicose, a principal fonte de energia do organismo. Em 40 anos de pesquisa, ele descreveu alguns mecanismos que levam as células do pâncreas a deixarem de produzir insulina, o hormônio que ajuda a glicose a entrar nos tecidos, onde é usada como combustível celular. Mais recentemente, Eizirik e sua equipe na Universidade Livre de Bruxelas (ULB), na Bélgica, começaram a desvendar como o exercício físico pode proteger o pâncreas e ajudar a evitar – ou ao menos a retardar – o desenvolvimento do diabetes.
Durante a atividade física, os músculos liberam compostos que caem no sangue e alcançam outros órgãos. Nos últimos oito anos, Eizirik e colaboradores identificaram ao menos três deles que contribuem para reduzir a inflamação associada ao diabetes e diminuir a morte das células beta, que sintetizam insulina. O efeito protetor do composto avaliado mais recentemente, talvez o mais potente deles, foi descrito em abril na revista Diabetologia.
No trabalho, o fisiologista José Maria Costa Júnior, que faz pós-doutorado na ULB, testou o efeito de uma molécula chamada proteína semelhante à meteorina (Metrnl) sobre as células beta cultivadas sob condições que mimetizam o diabetes. Também avaliou, nas mesmas circunstâncias, o efeito da Metrnl sobre miniórgãos similares às ilhotas pancreáticas, o conjunto de células produtoras de hormônio.
Tempos atrás Eizirik havia constatado que, no diabetes, moléculas inflamatórias alteram o funcionamento das células beta e direcionam células do sistema de defesa para destruí-las, efeito mais pronunciado no diabetes tipo 1. O tratamento prévio com Metrnl reduziu em até 41% a mortalidade de células beta – isoladas ou nos miniórgãos – quando submetidas a um ambiente inflamatório que simula o do diabetes. A Metrnl também preservou a capacidade das células beta de produzir e secretar insulina.
Um efeito mais potente foi observado quando, em vez de usar uma solução de Metrnl, Costa Júnior empregou o soro de pessoas que haviam passado por 10 semanas de treinamento físico intenso. O programa de exercícios aumentou em 40% a concentração de Metrnl no sangue. Usado para tratar as células e os miniórgãos, o plasma desses voluntários diminuiu em 46% a morte celular.
A proteção proporcionada por essa proteína desapareceu quando o pesquisador acrescentou às células e aos miniórgãos um anticorpo que neutraliza a ação da Metrnl. “Esse resultado mostra que essa proteína é necessária para produzir o efeito protetor do exercício físico sobre as células do pâncreas”, explica Costa Júnior.
O grupo da ULB sabe que outras moléculas contribuem para essa ação benéfica do exercício. “Certamente, esse efeito não decorre da ação de apenas um fator”, afirma Eizirik. “Por isso, é provável que as pessoas com diabetes se beneficiem mais se aprenderem a fazer exercício de forma sistemática e rotineira.”
A ideia de buscar moléculas protetoras no sangue de quem faz atividade física surgiu há quase 15 anos, quando Eizirik recebeu para um doutorado sanduíche a bióloga Flávia Maria Moura de Paula. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a orientação do fisiologista Antonio Carlos Boschero, ela havia realizado experimentos com o soro de roedores submetidos a um programa de exercícios e observado que ele evitava a morte de células do pâncreas em um modelo de diabetes. Eles então repetiram os testes com o soro de oito voluntários saudáveis que passaram por treinamento em Campinas e confirmaram o efeito protetor, descrito em 2018 no The Faseb Journal. Analisando os componentes do soro, De Paula constatou que o efeito se devia, em parte, à interleucina 6, uma proteína que, no caso, teve ação anti-inflamatória.
Em um experimento posterior, a biomédica Alexandra de Brachène testou o efeito do soro de um grupo maior de pessoas – no total 82, incluindo indivíduos saudáveis, com sobrepeso e com diabetes tipo 1 ou 2 – que haviam sido separadas em três grupos, cada um submetido a um programa diferente de treinamento (ciclismo, corrida e treino funcional) por dois meses. Outra vez, o soro reduziu em até 35% a mortalidade das células beta, independentemente do tipo de exercício e da existência de diabetes, relataram os pesquisadores em 2023 na Diabetologia. O efeito protetor se manteve mesmo com o soro extraído dois meses após o fim dos treinos. De Brachène obteve resultados semelhantes ao usar, em vez do soro total, uma solução de clusterina, proteína anti-inflamatória liberada no exercício.
“Os resultados obtidos até agora nos levam a pensar que a Metrnl seja responsável por até metade do efeito protetor do soro de indivíduos treinados, uma vez que a maior parte desse efeito desapareceu quando essa proteína foi bloqueada”, conta Eizirik.
“Esses experimentos sugerem que o exercício físico ajuda a proteger contra o diabetes por dois mecanismos”, comenta o endocrinologista Sergio Atala Dib, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que não participou dos estudos. “O primeiro, já conhecido, é por aumentar a sensibilidade à insulina, a eficiência com que as células do corpo respondem a esse hormônio. O segundo, que começa a ficar evidente, é por reduzir a inflamação e o ataque das células de defesa ao pâncreas, causa do diabetes tipo 1”, conta o pesquisador, que, em estudo publicado em 2012 na revista Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine, mostrou que o efeito modulador do sistema imunológico produzido pela vitamina D3 ajudava a preservar a função das células beta do pâncreas nos estágios iniciais do diabetes tipo 1.
A equipe de Bruxelas imagina que a prática regular de exercício possa beneficiar principalmente essas pessoas, que ainda mantêm certa capacidade de produzir insulina. Para verificar se o exercício retarda de fato a progressão da doença, porém, é necessário realizar um ensaio clínico em que dezenas de pessoas são acompanhadas por ao menos 12 meses. “Colegas da Inglaterra e da Finlândia estão interessados em fazer”, conta Eizirik.
Este texto foi originalmente publicado pela Revista Pesquisa FAPESP, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.