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Praticamente extinta na Mata Atlântica, espécie vive isolada em fragmentos de vegetação

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Por Gilberto Stam em Pesquisa Fapesp  – Depois dos incêndios constantes que têm atingido o Cerrado, o Pantanal e a Amazônia, quem visitar essas regiões terá menos chance de encontrar a maior espécie viva de tatu, o tatu-canastra (Priodontes maximus), que pesa até 60 quilogramas (kg) e chega a medir 1,5 metro (m) do focinho à ponta da cauda. Mesmo escondido a 5 m de profundidade na toca que escava, o tatu não fica protegido do fogo e pode morrer de calor ou sufocado pela fumaça.

Como resultado de caça, desmatamento, fogo e atropelamento em rodovias, a população do tatu-canastra diminuiu em 30% nos últimos 24 anos, de acordo com estimativa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O estado de conservação da espécie, que ocorre na maior parte do Brasil, com exceção do Sul e partes do Nordeste, é classificado como vulnerável no Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção, relatório publicado pelo ICMBio em 2018.

Pesquisas recentes do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas), uma organização não governamental (ONG), verificaram que o tatu-canastra está praticamente extinto na Mata Atlântica, onde 88% do ambiente original foi destruído, e resiste isolado em trechos remanescentes de Cerrado, onde a destruição foi de cerca de 50%. “Provavelmente, as populações do tatu-canastra do Cerrado são pequenas e inviáveis, e desaparecerão se não forem protegidas”, alerta o biólogo Arnaud Desbiez, presidente do Icas.

Durante quase três anos, o pesquisador e sua equipe procuraram rastros do tatu, como tocas e sinais de escavação, em 344 microbacias sorteadas em todo o estado de Mato Grosso do Sul. Em quase metade dos locais havia pistas do animal. No entanto, apenas 20% dos fragmentos tinham mais de 25 quilômetros quadrados (km2), o equivalente a 3,5 mil campos de futebol, área de vida que o tatu-canastra precisa para caçar cupins e formigas e se reproduzir, de acordo com estudo publicado em março na revista Perspectives in Ecology and Conservation.

“Como o desmatamento em Mato Grosso do Sul ocorreu nos últimos 35 anos e o tatu-canastra vive cerca de 20 anos, os animais que detectamos talvez sejam os últimos sobreviventes da espécie no estado”, supõe Desbiez. O tatu-canastra só produz um filhote a cada três anos, começando entre 7 e 9 anos de idade, por isso sua população cresce lentamente. Em áreas pequenas, é provável que vivam poucos animais, sem parceiros reprodutivos.

O maior fragmento encontrado, com 170 km2, tem potencial para abrigar cerca de sete tatus, de acordo com estudos feitos pelo mesmo grupo, que trabalha há mais de 10 anos no Pantanal ‒ ainda assim, pouco para garantir a continuidade da população no longo prazo. Além de ser raro, o animal dorme mais de 19 horas por dia, perambula de madrugada e, ao menor sinal de perigo, se esconde em sua toca. Por isso, é pouco conhecido e pode desaparecer sem que ninguém perceba.

No norte do Espírito Santo, na Reserva Biológica de Sooretama, uma área de Mata Atlântica, a caça reduziu o número de tatus-canastra de algumas dezenas para apenas três indivíduos, segundo estudo com participação de Desbiez publicado em 2020 na Global Ecology and Conservation. Segundo o pesquisador, no Parque Estadual do Rio Doce, em Minas Gerais, a cerca de 300 km de Sooretama, talvez ainda reste uma população viável de tatu-canastra. “É o último refúgio para a espécie na Mata Atlântica, por isso em 2020 começamos lá um estudo de longo prazo.”

Pantanal
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Conflito animal

“Este artigo e os demais publicados recentemente pelo mesmo grupo são de suma importância”, assinala o biólogo Frederico Gemesio Lemos, da Universidade Federal de Catalão (Ufcat), em Goiás, que não participou do estudo e qualifica o tatu-canastra como “uma espécie pouquíssimo conhecida da nossa fauna”. Para ele, o estudo faz mais do que mostrar que esse tatu ocorre em diferentes fragmentos: ele indica que a qualidade da área tem impacto na possibilidade de ocorrência da espécie. “Estudos de longo prazo de espécies-chave como o tatu-canastra, a raposa-do-campo ou grandes predadores como a onça-parda são necessários para entendermos a dinâmica da biodiversidade em áreas modificadas, com as quais boa parte das espécies terá que lidar”, afirma.

Os resultados corroboram e complementam um estudo feito pelo grupo de Lemos em Goiás e Minas Gerais, publicado na edição de janeiro de 2020 da revista Oryx. Entre 54 registros do animal, 83% deles estavam no hábitat natural e 17% em pastos e estradas. “É necessário que a sociedade dê um olhar diferenciado para áreas privadas e pense formas de gerir a biodiversidade de maneira mais integrativa entre as áreas de produção agrícola e as nativas, visto que a maior parte da biodiversidade está fora das unidades de conservação”, complementa o pesquisador da Ufcat.

Em proximidade com atividades humanas, conflitos inesperados podem surgir. Na falta de alimento, o tatu-canastra derruba caixas de apicultura e devora larvas de abelhas. Desbiez e sua equipe produziram um guia de convivência, visitaram apicultores e explicaram como evitar o problema com medidas simples, descritas no site do projeto Canastras e colmeias, como aumentar a altura das caixas.

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Além da preservação da natureza, os pesquisadores sugerem intervenções como cercas ou passagens subterrâneas para evitar atropelamentos. A receita serve para a maioria dos grandes mamíferos, que se reproduzem lentamente e precisam de grandes áreas para viver.

O tatu-canastra cava com uma garra de até 15 centímetros do terceiro dedo, a maior do reino animal. Ao contrário do tamanduá-bandeira, que compartilha a mesma dieta, ele não ataca. Nem se enrola como o tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), mas é rápido na fuga e conhece bem as tocas de sua região, além de ter a proteção de uma couraça rígida.

As tocas que ele cava e abandona dois ou três dias depois ‒ segundo observações de Desbiez ‒ beneficiam mais de 70 espécies de vertebrados, incluindo onças, aves e tamanduás. Por isso, ele foi apelidado pelos pesquisadores de engenheiro ambiental, segundo artigo publicado em 2020 na revista Journal of Zoology. “Encontramos tocas de 10 anos sendo usadas por diversos animais”, conta Desbiez. Os buracos também ajudam a aerar o solo, facilitam a infiltração da água e a germinação de sementes.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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