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Parceria entre cientistas e jornalistas traduz dados científicos em informações visuais para alertar sobre a importância da preservação dos biomas brasileiros

  • O Brasil, sozinho, corresponde a 17% de todo o território terrestre dos trópicos, com uma biodiversidade mais abundante do que em continentes inteiros: mais de 20% dos peixes de água doce do planeta e 17% de todas as aves são encontrados no país.
  • Um problema é a falta de investimento em pesquisas para levantamentos da biodiversidade, que costuma vir em velocidade inferior às alteraçÕes nos ecossistemas – animais e plantas correm o risco de desaparecer antes que cientistas possam conhecê-los.

Nos diversos biomas do Brasil, cada ambiente convida a uma experiência peculiar. Uma paisagem natural intocada não é apenas um reservatório precioso de biodiversidade, ela também pode ser uma festa para os sentidos.

Na superlativa Floresta Amazônica, os sons irradiam de todos os níveis, e a vida é abundante, desde o tapete de fungos e matéria orgânica no solo até o topo das árvores mais altas. Na Mata Atlântica, bromélias, orquídeas e samambaias gotejam da floresta úmida repleta de cachoeiras, conhecida pelo alto endemismo. Ocupando um vasto território entre as duas florestas, o Cerrado é a savana mais rica do planeta, onde o azul único do céu adorna caminhos naturais de palmeiras de buriti – imortalizadas nos livros de Guimarães Rosa. E a Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, que surpreende a ciência a cada dia pela capacidade de esconder formas de vida, mesmo em locais onde a seca pode durar quase o ano todo, como na região do Raso da Catarina (BA).

Os biomas brasileiros são mostras exuberantes da biodiversidade do planeta. Quando combinados com outros ecossistemas tropicais ao redor do globo, eles abrigam a maioria esmagadora da biodiversidade da Terra.

Na plataforma Hiperdiversidade, um time internacional de pesquisadores associados à Rede Amazônia Sustentável (RAS), em conjunto com jornalistas da Ambiental Media, analisa a porção mais biodiversa do mundo e aponta a necessidade de estratégias coordenadas entre os diversos atores sociais e esferas governamentais na busca por políticas e projetos que evitem o colapso do patrimônio natural.

Ao navegar pelo site, é possível ter a dimensão da riqueza biológica e do papel do Brasil nesse cenário. “O projeto surgiu do anseio de oferecer uma experiência didática e visual da proporção e da relevância da riqueza da biodiversidade brasileira. A ideia é compartilhar com o público uma visão clara do que está em risco frente às ameaças de destruição. Os trópicos são o coração da vida no planeta e o Brasil é o epicentro dessa zona de pulsão”, explica o jornalista Thiago Medaglia, coordenador editorial do projeto.

Mas qual é o segredo que leva à profusão de formas de vida  nos trópicos?

A biodiversidade aumenta à medida que se move dos pólos em direção ao equador – um efeito conhecido como gradiente de diversidade latitudinal. O calor e a umidade estimulam o desenvolvimento de inúmeras formas de vida: a zona tropical ocupa 40% da superfície do planeta e se estende por florestas (a Amazônia é a maior de todas), savanas (como o Cerrado brasileiro), corpos de água doce (que recebem metade da chuva do mundo) e recifes de coral de águas rasas, explodindo em formas de vida coloridas.

Notavelmente, esses ambientes são o lar, pelo menos sazonalmente, de mais de 90% de todas as aves terrestres, 85% das espécies de insetos e mais de 75% dos anfíbios, mamíferos terrestres, peixes de água doce, plantas com flores (conhecidas como angiospermas) e peixes marinhos. As latitudes tropicais também abrigam quase todos os corais zooxantelados – corais que possuem um tipo de alga dentro de seus tecidos. Além disso, um número desproporcional de espécies é exclusivo dos trópicos; o endemismo em aves terrestres é seis vezes maior do que nas regiões temperadas, por exemplo.

Entre 15 mil e 19 mil espécies são reveladas pela ciência todos os anos, a maioria nos trópicos. “Embora, por exemplo, 500 aranhas sejam descritas a cada ano, essa é apenas uma pequena fração das estimadas 150 mil espécies tropicais”, diz Jos Barlow, da Universidade de Lavras, no Brasil, e da Universidade de Lancaster, na Inglaterra, com mais de duas décadas de pesquisas na Amazônia brasileira e coordenador do estudo “O futuro dos ecossistemas tropicais hiperdiversos” (The future of hyperdiverse tropical ecosystems), publicado em 2018 na renomada revista científica Nature.

O Brasil, sozinho, corresponde a 17% de todo o território terrestre dos trópicos, uma área equivalente à da Oceania. E abriga uma riqueza colossal: a diversidade registrada aqui é mais abundante do que em continentes inteiros. Mais de 20% dos peixes de água doce do planeta (3,6 mil espécies) e 17% de todas as aves (1,9 mil espécies) são encontrados no país.

Somados, os biomas brasileiros – Mata Atlântica, Floresta Amazônica, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Campos do Sul (ou Pampa) e Costeiro-Marinho – resguardam ainda 12% da água doce superficial do planeta. Além disso, nossos vastos biomas tropicais são repositórios naturais de carbono, dando ao país um papel fundamental na estabilidade do clima global.

A riqueza da Amazônia

A biomassa florestal da Amazônia, estima-se, retém hoje 100 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a mais de dez anos da emissão global oriunda da queima de combustíveis fósseis.

Selvagem em suas profundezas, a Floresta Amazônica é um patrimônio natural tão vasto que, séculos depois das primeiras expedições naturalistas, ainda guarda uma infinidade de segredos para a ciência. O registro de suas formas de vida apenas começou.

“Quando os cientistas descobrem uma espécie nova, abrem portas para um mundo de outros dados relacionados”, diz Barlow. Por exemplo, houve 20 novas espécies de primatas da Amazônia descritas nas duas últimas décadas, incluindo o Parecis titi, (Plecturocebus parecis) em 2016 na Chapada dos Parecis, um planalto no sul de Rondônia.

“Até mesmo lugares próximos a comunidades humanas escondem formas de vida ainda desconhecidas, daí a importância dos estudos de campo”, conta Filipe França, pesquisador sênior da Universidade de Lancaster, no Reino Unido.

No ano passado, pesquisadores identificaram uma nova espécie de sagui em uma área há décadas alterada pela intensa presença humana no sudeste do Pará, às margens do Rio Tapajós, dentro do chamado “arco do desmatamento”. Batizado de Mico munduruku, em referência ao povo indígena Munduruku, ele se distingue dos demais pequenos primatas da Amazônia por ostentar uma cauda branca. Projetos de novas usinas hidrelétricas limitam ainda mais o restrito habitat da espécie observado até agora.

Novas descrições em grupos de espécies menos conhecidos são muito mais frequentes. “É essencial lembrar que muitas vezes as ‘novas’ espécies já são conhecidas pelas populações locais – são simplesmente novas para os cientistas”, enfatiza Erika Berenguer, pesquisadora sênior associada às universidades britânicas de Lancaster e Oxford.

Em 2018, foi registrada na Amazônia uma nova família de peixes, a Tarumaniidae, cujos espécimes têm o hábito de ocultar-se em lodaçais fundos cheios de folhagem. Foi a primeira descrição de uma família de peixes sul-americanos em 40 anos. E o que é mais surpreendente: no bioma que abriga o mais extenso e complexo sistema de rios da Terra, os exemplares da única espécie da família, tarumania (Tarumania walkerae), foram coletados nas margens do Igarapé Tarumã-Mirim, na margem esquerda do Rio Negro, a poucos quilômetros de Manaus, uma das maiores densidades populacionais da Amazônia.

Estendendo-se muito além dos limites físicos da floresta em si, os processos ecológicos impulsionados pela maior floresta tropical do planeta são responsáveis por manter o equilíbrio dos diferentes sistemas naturais em escala local, regional e global. Um bom exemplo são os chamados “rios voadores”, as enormes quantidades de vapor d’água liberadas pela vegetação rumo à atmosfera.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), uma árvore com 10 metros de diâmetro de copa é capaz de liberar diariamente na atmosfera 300 litros da água capturada no solo. Por ano, até 8 trilhões de toneladas de água circulam sobre a Amazônia no sistema de evapotranspiração. Essa umidade tremenda volta ao solo em forma de chuva, sobre a própria floresta ou, levada pelas correntes de ar, segue até as geleiras e nascentes da Cordilheira dos Andes.

Em outra direção, os rios voadores garantem a manutenção das chuvas e alimentam as bacias fluviais do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de países vizinhos. “Estima-se que 70% das chuvas na bacia do Rio da Prata, no sul do continente, que abrange uma área de 3,2 milhões de quilômetros quadrados e é compartilhada por vários países, provenham da evaporação da Amazônia”, diz Erika Berenguer.

As chuvas garantem a produção do agronegócio brasileiro, revelando diretamente o custo positivo da natureza em equilíbrio. Na agricultura, os exemplos do valor econômico da biodiversidade são abundantes. Os insetos, através da polinização e do controle biológico, contribuem para a produção de vegetais e frutas que nos alimentam. Segundo um cálculo da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) publicado em 2018, “o valor do serviço ecossistêmico de polinização para a produção de alimentos gira em torno de 43 bilhões de reais por ano” no país.

A diversidade ao nosso redor

“As aves também desempenham muitas funções importantes, seja como predadoras, polinizadoras, saprófagas ou dispersoras de sementes. A capacidade de voar permite que elas ofereçam tais serviços gratuitamente, e eles são incalculáveis para ajudar na restauração de ecossistemas degradados”, explica Alexander Lees, ornitólogo da Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido.

No entanto, se um ecossistema perde suas características primordiais, as condições do habitat pioram drasticamente para as espécies, às vezes encurralando animais em verdadeiros nichos de sobrevivência – caso do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), restrito à uma área florestal fragmentada no estado do Rio de Janeiro.

Para piorar, “existe uma equação difícil de ser resolvida no país: a capacidade de investimento em pesquisas básicas para inventários e levantamentos da biodiversidade é inferior à velocidade das alterações dos ecossistemas”, comenta Gustavo Martinelli, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Em outras palavras, animais e plantas correm o risco de desaparecer antes que nossos cientistas possam conhecê-los.

“A perda de espécies é preocupante”, diz Filipe França. “Quando elas desaparecem, se vão também os benefícios que elas representam para a natureza e para as pessoas.”

A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) já avaliou o status de conservação de mais de 134 mil espécies de animais, e tem o objetivo de chegar a 160 mil. Os pesquisadores da IUCN consideram que mais de 28 mil espécies correm risco de extinção – elas fazem parte da temida Lista Vermelha. Para cada um dos cinco grupos de vertebrados que já foram avaliados de forma abrangente pela IUCN e para os quais existem dados de ocorrência espacial, espécies classificadas como vulneráveis, ameaçadas ou criticamente ameaçadas são mais dependentes dos ambientes tropicais do que aquelas classificadas como pouco preocupantes.

“A combinação das influências de fatores locais, como o desmatamento, e de agentes globais, como as mudanças climáticas, vão determinar se as espécies ameaçadas irão sobreviver ou não”, aponta Alexander Lees, que já integrou o painel de colaboradores da Lista Vermelha. Como demonstrado no estudo da Nature, “mais da metade de todas as espécies dos trópicos são suscetíveis à dupla influência desses fatores”, diz ele.

“Extinções sempre existiram e continuarão a existir. A questão preocupante é que hoje, as taxas de desaparecimento estão muito acima das do passado”, aponta Erika Berenguer. “Um mundo com menos espécies não é só mais pobre, é também menos belo. A cada espécie perdida, se vai também uma parte do encantamento que o mundo natural pode nos provocar.”


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