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Dono do maior rebanho comercial bovino do mundo, o país recorre a tecnologias para mitigar as emissões de gases de efeito estufa associadas ao gado

Por Yuri Vasconcelos e Domingos Zaparolli em Revista Pesquisa Fapesp Situada em Rondônia, próximo à divisa com Mato Grosso, a fazenda Corumbiara abriga em seus 16,8 mil hectares (ha) 16 mil cabeças de gado nelore, a principal raça de corte do país. Até seis anos atrás, a propriedade sofria com a baixa produtividade e adotava poucas práticas de sustentabilidade ambiental. Tinha o pasto degradado, com erosão crescente, e o rebanho bebia água em mananciais situados em suas Áreas de Preservação Permanente (APP), reservas legais de vegetação natural que não devem ser acessadas pelos animais.

A mudança veio com a adoção de um sistema produtivo que promove a integração da lavoura com a pecuária (ILP), sistematizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) nos anos 1990. O ILP preconiza a rotação entre atividades agrícolas e pecuárias em uma mesma área com o objetivo de aumentar a eficiência de uso dos recursos naturais e reduzir o impacto ambiental das atividades. A lavoura e os pastos bem manejados podem sequestrar carbono da atmosfera, compensando as emissões do gado – o rebanho bovino é um grande gerador de metano (CH4), um dos gases de efeito estufa (GEE) responsáveis pelo aquecimento global.

O resultado não demorou a aparecer. Hoje, cada tonelada de carne produzida pelos animais de Corumbiara gera 11,5 toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e). Embora ainda considerado alto, o volume é cerca de 40% inferior à média mundial, estimada em 19,9 tCO2e – dióxido de carbono equivalente é uma medida usada para representar em forma de CO2 os gases de efeito estufa. Os dados são de um estudo pioneiro no país da organização não governamental Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), que fez a mensuração do balanço de carbono entre fornecedores do frigorífico Minerva Foods na América do Sul.

A Corumbiara tem hoje 1.850 ha dedicados ao sistema ILP, o que equivale a 22% dos 8.400 ha de área útil da propriedade destinada à agropecuária – o restante da fazenda, por lei, não pode ser explorado. Outros 1.250 ha da área útil correspondem às APP cercadas e em recuperação com plantio de vegetação nativa. O consórcio entre lavoura e pecuária funciona assim: em setembro é plantada soja, que depois de colhida é comercializada. Em fevereiro, é a vez do milho, combinado com um capim de alta digestibilidade, Brachiaria ruziziensis. O milho é colhido em maio e gradativamente usado como ração, complementando a dieta baseada no capim. A combinação sustenta os animais no período seco, de junho a agosto, quando a área de ILP é liberada para o gado.

Além de absorver carbono, o capim permite que a produção na área seja intensificada, com três cabeças de gado ocupando cada ha, enquanto a média em outros espaços da fazenda é de 1,5 cabeça por ha. A boa alimentação na seca acelera a engorda dos animais na área de ILP, que chegam ao peso ideal para abate em 22 meses, cerca de um ano a menos do que o padrão. Quanto menor o tempo de vida do boi, mais baixa a emissão de GEE por quilo (kg) de carne produzida.

O plantio do capim traz outros benefícios. Suas raízes e as sobras da pastagem incorporam matéria orgânica ao solo e, com isso, estocam carbono. Ao mesmo tempo, ajudam a descompactação do pisoteio do gado, promovendo melhor reciclagem dos nutrientes da terra. “O ILP é um sistema que gera produtividade e sustentabilidade”, destaca o engenheiro-agrônomo Fábio Souza, gestor da Corumbiara. “Nos próximos dois anos, vamos ampliar para 4 mil ha a área de ILP. Queremos reduzir ainda mais nosso impacto ambiental.”

O peso do metano
O sistema produtivo que associa a criação de gado com o cultivo agrícola ou com o plantio de árvores (IPF) – e, numa versão mais ampla, com lavoura e floresta (ILPF) – é uma das soluções que já vêm sendo usadas no país para tornar a pecuária mais amigável ao ambiente. O Brasil detém o maior rebanho comercial bovino do mundo, de 218 milhões de animais, à frente da China e dos Estados Unidos. Em 2020, liderou o ranking de exportação de carne, com 2,2 milhões de toneladas (t), 14% do mercado global.

Importante fonte de divisas, a pecuária está na mira do movimento ambientalista em razão dos elevados volumes de GEE, principalmente CH4, que lança no ar. Fruto do processo digestivo dos ruminantes, conhecido como fermentação entérica, o metano é gerado no rúmen, um dos quatro compartimentos do estômago dos bovinos, e liberado majoritariamente por meio do arroto ou eructação (ver infográfico acima). Seu potencial para elevar a temperatura global num curto espaço de tempo, como 20 anos, é 80 vezes superior ao do CO2 – no horizonte de 100 anos, é 28 vezes maior. O desmatamento da floresta amazônica, para extração e venda de madeira de modo a abrir espaço para pastagens e lavouras, também colabora indiretamente para as emissões de carbono pelo setor agropecuário. Outro gás gerado pela criação de gado é o óxido nitroso (N2O), resultado da deposição de dejetos animais nas pastagens. A aplicação de fertilizantes nitrogenados em lavouras para corrigir a acidez do solo também libera o gás.

As emissões antrópicas (causadas pela ação humana) de GEE no país somaram 1.467 teragramas (Tg) de CO2e em 2016 – uma Tg equivale a 1 milhão de toneladas. O dado consta do relatório “Quarta Comunicação Nacional do Brasil à UNFCCC [Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima]”, divulgado pelo governo brasileiro em 2020. A agropecuária é o setor que mais emite GEE, com 33% do total, sendo que o subsetor fermentação entérica, que contabiliza o metano liberado por ruminantes (bovinos, búfalos, caprinos e ovinos), representou 19% do total. A bovinocultura, sozinha, foi responsável por 97% das emissões da pecuária. Contas feitas, o arroto do gado foi a causa de 18,5% dos GEE gerados no país (ver infográfico abaixo).

No ano passado, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26, realizada em Glasgow, na Escócia, o Brasil aderiu, com cerca de 100 países, ao Compromisso Global sobre o Metano. Essas nações concordaram em reduzir em 30% as emissões do gás até 2030, tendo como base o ano de 2020. Para cumprir o tratado, o país terá obrigatoriamente que tornar sua pecuária mais limpa.

“É um desafio considerável, mas há condições de cumprir a meta firmada na COP26. Temos hoje 165 milhões de ha de pasto e grande espaço para manejar essas áreas a fim de torná-las mais sustentáveis”, avalia o engenheiro-agrônomo Flávio Augusto Portela Santos, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), especialista em produção e nutrição de bovinos.

Segundo o pesquisador, o Brasil dispõe de várias tecnologias para tornar a pecuária uma atividade mais eficiente e com menor emissão de carbono. Além do sistema ILP e suas variantes, já implantados em estimados 16 milhões de ha de pasto, os pecuaristas podem recorrer a técnicas para fazer o correto manejo da pastagem e a suplementação alimentar com aditivos a fim de reduzir a geração de metano (ver reportagem). O melhoramento genético do pasto, para produzir capim mais facilmente digerível, e dos bovinos, para que atinjam mais cedo o peso para o abate (ver Especial 50 anos FAPESP), também são soluções possíveis.

“As pesquisas avançaram muito nos últimos anos. Agora, é preciso que esse conhecimento chegue ao campo e as tecnologias sejam aplicadas em maior escala no processo produtivo”, ressalta Santos, que liderou um projeto apoiado pela FAPESP sobre suplementação de bovinos em pastagem tropical.

Uma das linhas atuais de investigação do agrônomo é o processamento de milho e sorgo para melhorar a eficiência alimentar e reduzir o metano gerado por quilo de carne e litro de leite produzidos. Outro estudo, em parceria com a multinacional do setor agrícola Syngenta, tem como foco um milho geneticamente modificado, dotado de uma enzima, a amilase, que ajuda o animal a digerir melhor o grão. “Com uma digestão mais eficaz, conseguimos reduzir a geração de metano”, explica.

Estratégias para mitigar
Especialista em mitigação de emissão de GEE em sistemas de produção de ruminantes, o engenheiro-agrônomo Guilhermo Congio também defende ser possível tornar a pecuária brasileira mais amigável ao clima do planeta. “Diversas pesquisas feitas no país nos últimos anos indicam que a adoção de tecnologias pelo setor pode compensar suas emissões, ao sequestrar mais gases de efeito estufa do ambiente do que emite”, destaca.

Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Ciência Animal e Pastagens da Esalq-USP, Congio foi um dos coordenadores de um projeto internacional de pesquisa, o Latin America Methane Project (Lamp), concluído no ano passado, que fez uma meta-análise de 34 estratégias potenciais para mitigação de metano entérico. Essas soluções foram divididas em três grupos: melhoramento genético animal, nutrição e manipulação do rúmen.

“Das 34 estratégias avaliadas, 16 reduziram a taxa de ao menos uma métrica relativa à emissão do gás sem comprometer a produção animal. Dessas, três diminuíram as emissões absolutas de metano pelo gado, medidas em gramas por dia, e 13 reduziram a emissão do gás de forma relativa, em gramas de metano por kg de carne ou litro de leite produzido ou por kg de alimento ingerido pelo animal”, explica Congio. O projeto teve a participação de cerca de 80 pesquisadores de 26 instituições de oito países da América Latina e Caribe. Os resultados foram divulgados no Journal of Cleaner Production, em agosto de 2021.

O pesquisador explica que, grosso modo, as soluções para tornar a pecuária mais sustentável podem focar tanto na redução das emissões de metano entérico pelo gado e de óxido nitroso pelo solo e dejetos dos animais, quanto no sequestro de carbono do ambiente, compensando o lançamento de GEE pelo setor. O uso de aditivos na alimentação animal é um exemplo do primeiro grupo, enquanto o plantio de florestas junto ao pasto, do segundo. “Embora a pecuária responda por uma fração considerável das emissões brasileiras, as pastagens manejadas de maneira correta e sistemas integrados de produção com inclusão de árvores têm grande capacidade de sequestrar CO2 da atmosfera”, diz Congio. Para compensar a emissão de um 1 kg de metano liberado pelos animais, é preciso remover 28 kg de CO2 do ambiente.

O cientista do clima Alexandre Costa, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), questiona os esforços que o país tem feito para reduzir a pegada de carbono da indústria da carne e defende que o setor precisa rever sua extensão. “O modelo brasileiro não é sustentável”, afirma. Costa foi um dos autores do primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) e lembra que a agropecuária tem crescido em extensão de terra em biomas como o Cerrado e a Amazônia, causando destruição. “Como sabemos, desmatamento implica emissões de CO2.”

Um estudo brasileiro, cujos resultados foram publicados na revista científica Communications Earth & Environment, em 2021, mostrou que a Amazônia produz 8% do metano do planeta, sendo que 11% desse volume é gerado pela pecuária (ver Pesquisa FAPESP nº 312).

O empenho para descarbonizar a pecuária brasileira não é de hoje. Há mais de duas décadas universidades e centros de pesquisa se dedicam a encontrar soluções para o problema e em 2010 o governo lançou o Plano ABC – Agricultura de Baixa Emissão de Carbono. Elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), foi criado para levar tecnologias sustentáveis e produtividade ao campo. O sistema ILPF e suas variantes, assim como a recuperação de pastagens degradadas e o tratamento de dejetos animais, integravam o programa e viraram políticas públicas.

Como explica a zootecnista Fernanda Garcia Sampaio, da Coordenação-geral de Mudança do Clima e Agropecuária Conservacionista do Mapa, a ação do governo se divide no apoio ao desenvolvimento das tecnologias, na promoção de assistência técnica capaz de levar as inovações até os produtores e na oferta de financiamento. Em 10 anos, o Plano ABC concretizou 38 mil contratos de crédito voltados à adoção de práticas mais sustentáveis no campo, totalizando R$ 32 bilhões.

Para o período 2020-2030, o plano, rebatizado de ABC+, incorporou novas práticas, entre elas a terminação intensiva, que reduz o tempo de engorda do animal para o abate. O objetivo é ampliar em 72 milhões de ha a área agropecuária com as tecnologias do plano – hoje são perto de 50 milhões de ha – e alcançar uma capacidade de mitigação estimada em 1,1 bilhão de tCO2e até 2030.

O ABC+ projeta uma expansão do sistema ILPF em mais 10 milhões de ha no período. Caso seja bem-sucedido, o consórcio entre lavouras, florestas e pecuária responderá por cerca de 23% dos 112 milhões de ha de área de pastagens plantadas no Brasil. Cada ha onde é implementado o ILPF tem potencial de remover, em média, 3,79 tCO2e da atmosfera por ano.

Uma pesquisa coordenada pelo engenheiro-agrônomo José Ricardo Pezzopane, da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), comprovou os benefícios para o clima global do plantio de eucaliptos em um sistema produtivo ILPF. As mudas foram plantadas em 12 ha em linhas simples e espaçamento de 15 metros (m) entre as linhas e 2 m entre as árvores, gerando uma densidade de 333 eucaliptos por ha. “Os eucaliptos acumularam 65 toneladas de carbono por ha ao longo de oito anos, até o corte, gerando 225 metros cúbicos (m3) de madeira – uma fonte extra de renda ao pecuarista. Um artigo detalhando o estudo foi divulgado no ano passado no periódico Agriculture, Ecosystems & Environment.

Segundo Pezzopane, a escolha das espécies de árvores plantadas em um sistema de ILPF depende de vários fatores relacionados à busca de benefícios ambientais, econômicos e sociais. “Temos muitas possibilidades de escolha entre espécies nativas e exóticas, assim como de densidade de plantio [número de árvores por hectare]”, destaca. Alguns tipos de árvore, como frutíferas ou castanheiras, permanecem, em tese, mais tempo no ambiente e podem absorver mais carbono do que as espécies destinadas ao corte.

A estratégia de produção ILPF também está sendo adotada fora do país. Austrália e Nova Zelândia são exemplos. Nesses dois países da Oceania o sistema é parte importante nas políticas que estão sendo implantadas para zerar as emissões líquidas de carbono na pecuária até 2050.

Outros grandes produtores globais de carne investem para tornar suas pecuárias mais limpas. Em novembro de 2021, a administração Joe Biden, dos Estados Unidos, lançou um ambicioso plano de ação que tem como uma de suas metas descarbonizar a pecuária do país. Os Estados Unidos também lideram a Iniciativa Global para o Metano, uma colaboração internacional, da qual o Brasil faz parte, com a finalidade de mitigar a emissão do gás em vários setores da economia, inclusive o agropecuário.

Projeto
1. Suplementação de bovinos em pastagem tropical (nº 12/09535-1); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Flávio Augusto Portela Santos (USP); Investimento R$ 904.920,34.
2. Desbaste de eucalipto em sistemas de ILPF: efeito no microclima e produtividade (nº 16/02959-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável José Ricardo Macedo Pezzopane (Embrapa); Investimento R$ 148.986,52.

Artigos científicos
CONGIO, G. F. S. et al. Enteric methane mitigation strategies for ruminant livestock systems in the Latin America and Caribbean region: a meta-analysisJournal of Cleaner Production. 20 ago. 2021.
BASSO, L. S. et al. Amazon methane budget derived from multi-year airborne observations highlights regional variations in emissionsCommunications Earth & Environment. 29 nov. 2021.
PEZZOPANE, J. R. M et al. Managing eucalyptus trees in agroforestry systems: productivity parameters and PAR transmittanceAgriculture, Ecosystems & Environment. 1 jun. 2021.

Este texto foi originalmente publicado por Revista Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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