Novos estudos revelam como a exposição controlada a raios ultravioleta pode modular o sistema imunológico e aliviar sintomas de esclerose múltipla, diabetes tipo 1 e outras condições
A luz solar, frequentemente associada a riscos como o câncer de pele, pode ser uma ferramenta poderosa no tratamento de doenças autoimunes. Pesquisas recentes indicam que a exposição controlada a raios ultravioleta (UV) é capaz de reduzir inflamações e reequilibrar o sistema imunológico, oferecendo alívio para pacientes com esclerose múltipla, psoríase e até diabetes tipo 1. A descoberta abre caminho para terapias acessíveis e não invasivas, embora especialistas alertem para a necessidade de mais estudos antes que o método seja amplamente recomendado.
Kathy Reagan Young, diagnosticada com esclerose múltipla em 2008, experimentou uma melhora significativa após incorporar sessões diárias de fototerapia UV à sua rotina. Antes dependente de repousos prolongados devido à fadiga debilitante, ela recuperou energia e reduziu drasticamente os episódios de dor e confusão mental. Seu caso não é isolado. Estudos conduzidos na Austrália e em outros países mostram que populações em regiões com maior incidência solar apresentam taxas menores de doenças autoimunes, sugerindo uma relação entre a exposição à luz UV e a modulação imunológica.
O paradoxo da radiação UV
Embora a radiação ultravioleta seja um conhecido fator de risco para o câncer de pele, ela também demonstra efeitos imunossupressores que podem ser benéficos em contextos controlados. A pesquisadora Margaret L. Kripke descobriu, ainda na década de 1970, que camundongos expostos à luz UV desenvolviam tumores que, quando transplantados para outros animais, eram rapidamente eliminados — a menos que o sistema imunológico do receptor estivesse suprimido. Essa observação levou à hipótese de que a radiação solar não apenas induz mutações, mas também “acalma” respostas imunológicas excessivas, um mecanismo que pode explicar por que doenças autoimunes são menos comuns em áreas tropicais.
Além da vitamina D
Por anos, acreditou-se que a vitamina D, sintetizada na pele sob efeito da luz solar, fosse a principal responsável por esses benefícios. No entanto, ensaios clínicos mostraram que a suplementação isolada da vitamina não reproduz os efeitos protetores observados em populações com alta exposição solar. A chave parece estar em outros compostos ativados pela radiação UV, como o lumisterol e o ácido urocânico, que modulam a inflamação de forma sistêmica.
Robyn Lucas, epidemiologista da Universidade Nacional Australiana, reforça que o fator determinante não é a vitamina D, mas a própria interação da luz com a pele. Crianças que passam mais tempo ao ar livre, por exemplo, têm risco significativamente menor de desenvolver esclerose múltipla. Da mesma forma, pacientes tratados com fototerapia apresentam redução prolongada de marcadores inflamatórios, mesmo após o fim das sessões.
Aplicações terapêuticas e desafios
A fototerapia com UV de banda estreita já é usada no tratamento da psoríase, com resultados comparáveis a medicamentos biológicos de alto custo. Nos EUA, algumas seguradoras de saúde começaram a cobrir o uso doméstico de caixas de luz para reduzir gastos com terapias convencionais. No entanto, para outras doenças, como esclerose múltipla e diabetes tipo 1, ainda são necessários ensaios clínicos em larga escala antes que a técnica seja adotada como padrão.
Enquanto a ciência busca desvendar os mecanismos exatos por trás desses efeitos, histórias como a de Kathy Reagan Young destacam o potencial transformador da luz solar na medicina. Para milhões de pacientes com doenças autoimunes, a resposta pode estar, literalmente, na claridade do dia.