A família das araucárias existe desde o tempo dos dinossauros, mas enfrentam risco crítico de extinção
Você talvez reconheça a araucária, ou pinheiro brasileiro, pelo seu formato majestoso ou pelos pinhões que aparecem no inverno. O que nem todo mundo sabe é que essa espécie, uma das mais emblemáticas da América do Sul, está entre as árvores mais antigas do planeta – e hoje enfrenta sério risco de extinção.
O termo Araucaria representa um gênero de árvores coníferas pertencente à antiga família Araucariaceae, que também inclui outros dois gêneros restritos ao Hemisfério Sul: Agathis e Wollemia.
Ao todo, são 40 espécies distintas, mas a América do Sul abriga apenas duas delas: a Araucaria angustifolia, nativa do Sul e Sudeste do Brasil e do Nordeste da Argentina, e a Araucaria araucana, encontrada nas montanhas do Chile e do Sul argentino.
De acordo com a publicação Paleobotany: the biology and evolution of fossil plants, há registros de fósseis de araucárias que datam da era Paleozoica, encerrada há cerca de 251 milhões de anos, dando início a Era Mesozoica.
Mas foi no período Jurássico, quando os dinossauros habitavam a Terra, que as Araucariaceae se expandiram amplamente, com uma grande diversidade de espécies e regiões do planeta. Já no período seguinte, o Cretáceo, que essa família passou a diminuir e ter sua distribuição geográfica mais restrita.
Pinheiro brasileiro: características e habitat da araucária
Também conhecida como pinheiro do Paraná, a Araucaria angustifolia é uma espécie nativa do Brasil e pertence à Mata Atlântica. Majestosa e imponente, pode alcançar até 50 metros de altura.

Nos tempos pré-coloniais, as florestas de araucária cobriam quase 200 mil quilômetros quadrados do território brasileiro. A maior parte se concentrava na região Sul, que abrigava cerca de 96% de toda essa vegetação. Não por acaso, a araucária se tornou um importante símbolo do estado do Paraná.

Além do Sul, bosques menores de araucária se estendiam por São Paulo, Minas Gerais e pela região serrana do Rio de Janeiro, somando apenas 4% da população total da espécie.
Já na década de 1950, também foi registrada a presença dessas coníferas na Serra do Caparaó, no Espírito Santo, região com mais 1700 metros de altitude.
A araucária é uma árvore típica de regiões frias e montanhosas, onde o clima úmido favorece seu desenvolvimento e expansão. No entanto, há cerca de 2 mil anos, a distribuição desses pinheiros pode ter sido promovida, em grande parte, pelos povos originários que habitavam essas terras.
Como os povos indígenas ajudaram a espalhar as araucárias
Uma pesquisa publicada em 2018, na revista Springer, investigou o papel dos povos indígenas ancestrais na formação das florestas de araucária no Sul do Brasil.
Por meio de estudos filogeográficos, os pesquisadores analisaram 20 populações de Araucaria angustifolia encontradas em fragmentos florestais sem vestígios de plantações recentes. O foco eram áreas próximas aos chamados “refúgios glaciais”. Essas regiões permitiram a sobrevivência da flora e da fauna durante as eras glaciais e foram colonizadas posteriormente.
A partir de amostras de folhas coletadas nesses locais, foi possível extrair e analisar o DNA das coníferas. Em paralelo, os pesquisadores buscaram indícios de presença humana, avaliando a relação entre o pólen da araucária e ocupações humanas ancestrais. Para isso, os pesquisadores se basearam em registros arqueológicos e dados palinológicos (estudo do pólen) pré-existentes.
O desenvolvimento das araucárias
A araucária brasileira é uma espécie dióica, ou seja, possui árvores “macho” e “fêmea”. Para que se reproduzam, o pólen produzido nas árvores masculinas, por meio de seus estróbilos (estrutura reprodutiva), precisa ser dispersado pelo vento até alcançar as árvores femininas, que também formam seu estróbilos e aguardam a polinização.

Os estróbilos femininos são a própria pinha que, quando fecundada, dá origem aos pinhões – sementes nutritivas que alimentam diversas espécies de animais.

As árvores de araucária crescem lentamente e costumam ter uma vida longa, em média de 200 anos. Ainda assim, superando a expectativa, havia um exemplar com cerca de 750 anos, na cidade de Cruz Machado, no Paraná. Infelizmente, a árvore tombou em outubro de 2023, quando ventos extremos atingiram a região.
O pinhão tem grande importância para a fauna já que está disponível nas estações mais frias do ano. Época em que há menos disponibilidade de alimentos nos ambientes naturais.

Segundo a publicação, a distribuição das sementes, mesmo quando transportadas por animais, não atinge grandes distâncias. Fator que reforça a hipótese de que a expansão das florestas de araucária ocorreu com o auxílio humano.
A história antiga das florestas de araucária
Entre o Pleistoceno Superior (último período glacial do planeta) até cerca de 4 mil anos AP (antes do presente), os planaltos da atual região Sul do Brasil eram formados, em grande parte, por extensos campos sem árvores. Esse era o resultado das condições climáticas da época.
A sigla AP (antes do presente) é usada em áreas como arqueologia e geologia para indicar o tempo em relação ao ano de 1950, referência usada pelos cientistas.
Os pesquisadores explicam que, antes da última Era do Gelo, as araucárias se desenvolviam apenas em vales, dentro de cadeias de montanhas, onde um microclima mais ameno e úmido favorecia sua sobrevivência. A região do Planalto Sul-Brasileiro pode ter funcionado como um refúgio glacial.
Segundo o estudo, entre 4 e 3 mil anos AP, teve início uma transição gradual e a paisagem começou a se transformar em floresta.
A partir de 2 mil anos AP, houve um aumento significativo na dispersão de pólen da Araucaria angustifolia, conforme registros palinológicos. Esse evento pode ter transformado toda a região em apenas 100 anos.
Por outro lado, os pesquisadores apontam que essa hipótese apresenta inconsistências, já que as araucárias crescem lentamente e os animais dispersores de sementes não percorrem grandes distâncias. Esses fatores limitariam sua expansão territorial.
Povos Jê do Sul e o cultivo das araucárias
Sob outra perspectiva, a pesquisa revela a relação entre os ancestrais dos povos Jê do Sul (atualmente as etnias Laklaño-Xokleng e Kaingang) e o cultivo das araucárias.
Estudos anteriores já haviam apontado a importância da espécie para esses povos, utilizada em rituais, como demarcação territorial e também como fonte de alimento.
Além das análises genética, arqueológica e palinológica realizadas durante o estudo, um modelo ecológico auxiliou na interpretação dos dados genéticos. Segundo esse modelo, sem a interferência humana, levaria cerca de 20 mil anos para que as florestas de araucárias atingissem sua máxima expansão, indo na contramão dos registros de pólen encontrados.
O primeiro registro desses povos indígenas data de 2180 anos AP. Outros estudos indicam que todas as referências indígenas localizadas até 1500 anos AP estavam próximas ao que se acredita ser o refúgio glacial das araucárias. Isso sugere que o primeiro contato com a espécie ocorreu nesse período.
A expansão dos povos ancestrais acompanha de forma equivalente a expansão das árvores, bem como a distribuição de artefatos e construções típicas, encontrados em toda a região.
Para os pesquisadores, a Araucaria angustifolia se expandiu de forma relativamente recente e rápida, já que as populações de árvores não apresentaram divergências genéticas. Além disso, dados indicam que existia um único refúgio glacial dentro da área estudada e que, sem a atuação dos povos indígenas que habitavam o Sul do Brasil em tempos pré-coloniais, as florestas de araucárias dificilmente teriam alcançado sua distribuição máxima.
A conclusão científica é clara: os ancestrais dos povos Jê do Sul foram os principais responsáveis pela dispersão das araucárias, formando suas suntuosas florestas, por volta de 2 mil anos AP.
Indígenas como engenheiros de ecossistemas
Outro estudo, publicado pela Plos One em 2020, reforçou a influência das sociedades indígenas no desenvolvimento dos ecossistemas da Mata Atlântica. Os pesquisadores analisaram como os povos Jê do Sul e Guarani moldaram a composição florestal de Santa Catarina.
Espécies que modificam o ambiente, alterando a disponibilidade de recursos para outras formas de vida, são chamadas de engenheiros de ecossistemas. Os humanos se destacam nesse papel devido à duração e intensidade de suas intervenções, reforçada pelo tamanho de suas populações. Com a expansão dos povos indígenas não foi diferente.
Os ameríndios (nativos das Américas) influenciaram significativamente a modificação das florestas, na distribuição de espécies vegetais, principalmente nas florestas tropicais.
Segundo a publicação, os povos Jê, originalmente da região central do Brasil, migraram para o Sul há cerca de 3 mil anos AP. De início, ocuparam áreas de planalto próximas aos rios, com alguns grupos migrando depois para regiões litorâneas (os Guarani).
Para os pesquisadores, os humanos vêm moldando as florestas há pelo menos 10 mil anos, como resultado de processos culturais e históricos de ocupação, contribuindo inclusive para a distribuição das araucárias na região.
Araucárias há 70 mil anos: novas descobertas científicas
Uma pesquisa mais recente, liderada pela bióloga Mariana Vasconcellos, da Universidade de São Paulo (USP), indica que a primeira expansão do pinheiro-brasileiro no Planalto Sul pode ter ocorrido cerca de 70 mil anos atrás, muito antes da ocupação humana na América do Sul.
De acordo com a publicação, apesar dessa descoberta, as análises genéticas confirmam que os povos indígenas tiveram um papel fundamental na dispersão e germinação das sementes, favorecendo o crescimento das árvores e a manutenção das florestas no período pós-glacial.
Por outro lado, a expansão das araucárias na Serra da Mantiqueira, no Sudeste, teria ocorrido há apenas 3 mil anos e com características diferentes das florestas sulistas.
Enquanto as árvores do Sul apresentam maior endogamia, que é o cruzamento de indivíduos com alto grau de parentesco, mesmo em grandes distâncias geográficas, na Mantiqueira ocorreu o contrário: predominou o isolamento por distância, onde ainda há pouca evidência de impacto humano.
Esse fator reforça o protagonismo das populações das florestas de araucária do Sul e sugere uma maior influência do clima na região Sudeste.
De todo modo, as florestas milenares permaneceram preservadas até a chegada dos europeus. No início da colonização do Sul, sua grandiosidade impressionava os visitantes. O que não foi suficiente para mantê-las a salvo da exploração.
A historiadora Eunice Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), reuniu relatos de viajantes e naturalistas que conheceram essas florestas a partir do século XVII, oferecendo um registro histórico da riqueza e extensão das araucárias.
Florestas de araucárias
Desde o início da colonização europeia, viajantes e naturalistas puderam observar e registrar as florestas de araucária e as mudanças causadas pelos colonizadores.
Um dos primeiros relatos data do século XVII, quando o padre jesuíta Roque Gonzales descreveu planícies que “se estendem a perder de vista”, alternando-se com “vales risonhos”, incluindo a “esbelta árvore do mate” (Ilex paraguariensis), usada no chimarrão.
Ele descreveu, admirado, os tons, as formas e as sensações que aquela vista proporcionava: o verde-escuro das copas arredondadas e a imponência “em seu silêncio quase religioso à luz abafada, onde erguem os braços ao céu, como em súplica muda, mil candelabros gigantes, formados pelas esguias e possantes araucárias”.
Como aponta Nodari, era comum que europeus a serviço de companhias colonizadoras descrevessem a natureza brasileira. Os relatos, divulgados na Europa, serviam como guias para os futuros imigrantes.
No século XIX, Hermann Blumenau, fundador da cidade catarinense que leva seu nome, destacou a beleza das florestas do Sul e observou oportunidades extrativistas, apontando “sua riqueza em madeira” e “vegetais úteis, que podem ser coletados em maior ou menor escala”.
O botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, em 1820, compartilhou fascínio semelhante, já que as florestas que existiram no passado formavam “inegavelmente uma das mais belas paisagens que já percorri desde que cheguei à América”.

Desmatamento das araucárias e risco de extinção
Já em 1911, John Muir, um dos mais conhecidos ambientalistas da história, viajou pela América do Sul e conheceu as araucárias brasileiras. Em suas anotações, Muir relatou que as árvores existiam em “centenas e milhares” e elegeu a floresta como a mais interessante que havia visto em toda a sua vida. O ambientalista é também conhecido por ter sido um adorador de grandes árvores, tendo uma relação estreita na proteção das florestas de sequóias (Sequoiadendron giganteum), nos Estados Unidos.
Apesar do relato de Muir sobre a abundância de araucárias, o desmatamento já avançava, impulsionado pela exploração madeireira.
No século XX, a pressão sobre essas florestas aumentou, tornando a madeira das araucárias um dos itens de maior exportação do País. O desmatamento desenfreado colocou a espécie sob risco de extinção.
Em 2011 a araucária brasileira passou a integrar a lista de espécies em perigo crítico, ameaçadas de extinção, da International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN).
Araucárias ameaçadas pelas mudanças climáticas
Pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2023, alertaram que o pinheiro-brasileiro enfrenta riscos ainda maiores de extinção com o avanço das mudanças climáticas.
As consequências do aquecimento global afetam diretamente o desenvolvimento dessa e de outras espécies vegetais. O crescimento da Araucaria angustifolia é afetado por alterações na umidade do ar, variações de temperatura, condições adversas do solo e competição por recursos, entre indivíduos da sua própria espécie e de outras.
Vale ressaltar que essas árvores são essenciais ecológica, econômica e culturalmente falando. Seus pinhões alimentam a fauna no outono e inverno, e também são consumidos e comercializadas por humanos. Além disso, araucárias se encontram em áreas turísticas e fazem parte da cultura regional.
O corte de araucárias (ou qualquer árvore nativa) no Brasil é crime ambiental, previsto no decreto nº 6514 de 2008. Mas a exploração ilegal ainda ocorre com frequência.
Cerca de 90% da área original das florestas foi suprimida. Seus fragmentos formam as Florestas Mistas de Araucária ou Florestas Ombrófilas Mistas.
Para os pesquisadores, compreender as ameaças climáticas e os fatores que determinam a distribuição dessas árvores é indispensável para conservar a espécie e restaurar o meio ambiente.
Modelos ecológicos e o futuro das araucárias
Por meio de registros da distribuição geográfica da espécie, os pesquisadores desenvolveram modelos com projeções futuras, aplicando diferentes variáveis ambientais.
O estudo também levou em conta condições climáticas desde o Último Máximo Glacial (UMG), ocorrido há cerca de 20 mil anos, até o presente.
Impactos das mudanças climáticas e do uso da terra na distribuição da espécie
Os resultados indicam que existe uma área potencial de distribuição das araucárias com 490 mil quilômetros quadrados, abrangendo as regiões Sul e Sudeste do Brasil, além de áreas fronteiriças no Norte da Argentina e no Paraguai.
Por outro lado, o uso da terra reduziu significativamente esse potencial: menos de 38% da área considerada adequada para a espécie ainda abriga fragmentos das florestas nativas.
Nos dois cenários futuros analisados pelos pesquisadores, a distribuição potencial das araucárias deve diminuir consideravelmente. As mudanças climáticas devem reduzir até 56% dessa população, enquanto que alterações no uso da terra podem reduzir a quantidade de árvores em 45%.
As alterações no clima também devem encolher entre 25% e 30% os locais adequados para o desenvolvimento da espécie. Quanto às Áreas de Preservação (APs), apenas 5% da área com potencial para manter o desenvolvimento da espécie está dentro dessas unidades. Desse total, apenas 4% mantém vegetação nativa.
Com base nas projeções, até 2050, mais de 98% das áreas ideais para o desenvolvimento do pinheiro-brasileiro não estarão protegidas por APs.
Para os pesquisadores, os impactos antropogênicos (tanto quanto ao uso da terra quanto às mudanças climáticas) atuam em conjunto, aumentando o risco para a conservação da espécie.
Nesse contexto, o planejamento de ações com base nas projeções é fundamental. Estratégias de conservação, como a criação e ampliação de APs, restauração de áreas degradadas e acordos de Pagamento por Serviços Ambientais podem ajudar a garantir a persistência das araucárias.
Medidas desse tipo são essenciais para tentar recuperar, mesmo que parcialmente, um território que há apenas alguns séculos era tomado por suas majestosas e vívidas florestas.