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Instrumento poderá ser útil em pesquisas e na prática clínica, mas foi preciso adaptá-lo e validá-lo para a cultura brasileira

Entusiasmado, cheio de energia, deprimido, ansioso, medroso ou corajoso? Como você definiria o comportamento do seu cão? Um estudo desenvolvido por pesquisadores brasileiros e do Reino Unido torna mais fácil a tarefa de classificar o temperamento do melhor amigo de homens e mulheres. O trabalho mostra a necessidade de se levar em conta os aspectos culturais dos locais onde os questionários de avaliação do temperamento desses animais serão aplicados.

Os dados acabam de ser publicados no artigo Assessment of emotional predisposition in dogs using PANAS (Positive and Negative Activation Scale) and associated relationships in a sample of dogs from Brazil, no dia 5 de dezembro, na revista Scientific Reports. De acordo com professora Carine Savalli Redigolo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e primeira autora do artigo, a grande contribuição da pesquisa foi a validação de um questionário de avaliação do temperamento de cães, pois era algo que ainda não existia em língua portuguesa.

O estudo envolveu pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da USP, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais, da PsicoVet (clínica de comportamento animal), da Universidade Paulista e da Universidade de Lincoln (no Reino Unido).

Cultura local

Para avaliar os animais, os pesquisadores usaram um questionário com 21 perguntas, desenvolvido pelo professor Daniel Mills, da Universidade de Lincoln, para estudar a sensibilidade de cães (tendência a alta energia/vitalidade versus depressão e tendência a medo/ansiedade versus coragem/calma). Até então, muitas pessoas assumiam que bastava traduzir uma escala desenvolvida em outro país e usá-la, mas o estudo mostra que é necessário ir além.

Um exemplo dessa necessidade é a existência de uma questão, na versão em inglês, sobre o comportamento do cão no jardim. Essa pergunta não se mostrou importante na versão brasileira, provavelmente porque a vida de cães em casas com jardins é menos comum no Brasil do que no Reino Unido.

“Somente a adaptação cultural e a validação estatística podem garantir que o instrumento usado é, de fato, apropriado”, ressalta a professora Carine. Com graduação, mestrado e doutorado em Estatística pela USP, Carine redireciona, desde 2006, suas pesquisas para uma segunda área de estudo, a Psicologia Experimental, com ênfase em Etologia, tendo um segundo mestrado e um segundo doutorado pelo Instituto de Psicologia da USP. Atualmente, realiza muitas pesquisas na área de bioestatística, aliando suas duas áreas de formação.

Validação do questionário

Após a tradução para a língua portuguesa e a adaptação à cultura brasileira, os pesquisadores estabeleceram uma nova versão do instrumento, apropriada para ser utilizada no Brasil.

O questionário com 21 perguntas foi disponibilizado on-line no website do Centro de Pesquisa em Comportamento e Bem-estar Humano (CPBEC), centro sediado no Instituto de Psicologia (IP) da USP que conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Natura Cosméticos e envolve pesquisadores da USP, Unifesp e Mackenzie.

A pesquisa ficou disponível on-line de novembro de 2017 a abril de 2018. Os tutores foram convidados, por meio de várias fontes, como redes sociais e anúncios, a responderam as questões. Entre elas, estão: “Seu cão fica bastante excitado quando está prestes a sair para passear (ex. quando vê sua guia, ou quando escuta “passear, etc.)”; “Seu cão fica assustado com barulhos de televisão ou rádio”; e “Seu cão parece ter medo do aspirador de pó ou qualquer outro aparelho doméstico”.

Os tutores precisavam marcar as opções “Concordo totalmente”, “Concordo razoavelmente”, “Concordo parcialmente/ Discordo parcialmente”, “Discordo razoavelmente”, “Discordo totalmente” ou “Não se aplica”. “Temos uma amostra de mais de 1.700 pares tutor-cão”, conta a professora Carine.

Dentre os resultados, os cientistas observaram que, no Brasil, os cães de tutores mulheres, os castrados, e os que vivem sem a companhia de outro cachorro são mais medrosos. Eles também constataram que os cães mais velhos apresentam menos energia e um risco potencial maior de desenvolver depressão. No entanto, a tendência a ser mais entusiasmado e cheio de energia é mais relatada em animais que vivem no ambiente interno da casa (e não no quintal ou na garagem) – o que é uma regra no Reino Unido, mas menos comum no Brasil. “Talvez isso ocorra porque quando os cães ficam dentro de casa, o tutor tem mais contato visual com eles. Então do ponto de vista do tutor, esses animais são mais ativos e extrovertidos, pois interagem mais com esses cães”, explica a professora Carine.

Um outro resultado que chamou a atenção dos pesquisadores é que os cães sem raça definida são, ao mesmo tempo, mais medrosos, mas também mais cheios de energia e entusiasmados do que os cães de raça. A pesquisadora sugere que a explicação para isso talvez seja um possível passado nas ruas ou em abrigos onde, naturalmente, o ambiente é muito mais desafiador e pode gerar muito mais estresse para esses animais.

Ela pondera sobre a importância de se ter em mente que esses resultados foram baseados numa amostra de pessoas que responderam a um questionário disponibilizado via internet, e que isso já determina um certo perfil. “Esses resultados foram baseados nas amostras, então precisamos levar em conta que não estamos lidando com uma população inteira. Quando trabalhamos com amostras estamos observando tendências gerais que não necessariamente significam que sejam válidas para todos os cães. Para ter a confirmação dos resultados, seria interessante um estudo balanceado, com um certo número tanto de cães de raça como de sem raça definida, e compará-los”, recomenda.

A professora Carine enfatiza que o estudo apresenta implicações teóricas e práticas. “O Brasil tem uma população enorme de cães. Há mais cães do que crianças nos lares brasileiros, de acordo com estatísticas oficiais. Uma parcela considerável dessa população é de cães sem raça definida, muitos já viveram nas ruas. Esse perfil particular requer estudos específicos para compreendermos as tendências comportamentais dos cães no nosso país”, avalia.

Entendendo o comportamento animal

Para a bióloga Natália de Souza Albuquerque, pesquisadora pós-doc do Instituto de Psicologia da USP e segunda autora do artigo, o instrumento de avaliação poderá ainda ser útil em pesquisas científicas e na prática dos consultórios veterinários. “Entender de que forma os cães percebem e respondem aos estímulos de seu mundo físico e social não somente possibilita uma melhor compreensão do comportamento e da cognição animal, mas também permite que criemos formas mais positivas e eficientes de interagir com esses animais e, assim, garantir seu bem-estar e boa qualidade de vida.”

Para o professor Daniel Mills, da Universidade de Lincoln, e coautor do estudo, se quisermos entender o mundo emocional de animais como os cães, é importante termos instrumentos que possam ser usados em diferentes culturas.

“Estamos no momento de ver mais claramente quais os fatores que afetam o temperamento dos cães e o que há de semelhanças e diferenças entre diferentes países e culturas, que aspectos são únicos em cada caso. Infelizmente, a popularidade dos questionários não está vinculada à sua validade; muitas pessoas somente traduzem esses instrumentos de uma língua para outra e assumem que as versões estão medindo as mesmas coisas, com o mesmo grau de acurácia. Esta pesquisa define um novo padrão de avaliação, que garante dados com qualidade para estudarmos o temperamento dos cães”, destaca Mills.



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