Os trópicos perderam 10% a mais de florestas primárias em 2022 do que em 2021, de acordo com novos dados da Universidade de Maryland disponíveis na plataforma Global Forest Watch (GFW) do WRI
Por Mikaela Weisse, Elizabeth Goldman e Sarah Carter em WRI Brasil | No Brasil, o aumento foi de 15%, mantendo o país como o que mais perde florestas no mundo: 43% da perda de florestas tropicais primárias de 2022 aconteceram no país. (Leia análise específica sobre os dados do Brasil abaixo).
A perda de florestas tropicais primárias em 2022 totalizou 4,1 milhões de hectares, o equivalente a 11 campos de futebol de florestas por minuto. Toda essa perda produziu 2,7 gigatoneladas (Gt) de emissões de dióxido de carbono, número equivalente às emissões anuais de combustíveis fósseis da Índia.
Esse aumento na perda de florestas ocorre um ano depois de os líderes de 145 países se comprometerem, na Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, a interromper e reverter a perda de florestas até o final da década, reconhecendo a importante função das florestas no combate às mudanças climáticas e à perda de biodiversidade. Contudo, em vez de registrar um declínio consistente na perda de florestas primárias para atingir as metas, a tendência se moveu para a direção oposta.
De fato, a humanidade não está no caminho certo para cumprir os principais compromissos relacionados às florestas. Leia mais em nosso Rastreador de metas.
A nível nacional, a perda de florestas primárias não só aumentou nos dois países com mais florestas tropicais, Brasil e a República Democrática do Congo, como também aumentou rapidamente em outras nações, como Gana e Bolívia. Enquanto isso, a Indonésia e a Malásia conseguiram manter as taxas de perda de florestas primárias próximas aos níveis mais baixos já registrados.
A seguir, um olhar aprofundado sobre algumas tendências da perda de florestas em 2022:
Amazônia brasileira registra a maior taxa de perda não relacionada a incêndios desde 2005
No Brasil, a taxa de perda de florestas primárias aumentou 15% de 2021 a 2022, com a grande maioria ocorrendo na Amazônia. As perdas não relacionadas a incêndios, que na Amazônia brasileira são principalmente causadas pelo desmatamento, atingiram o nível mais alto desde 2005. Leia mais sobre como esses dados se comparam com os dados oficiais do Brasil sobre desmatamento.
Essa taxa alta de perda de florestas primárias ocorreu durante o último ano do governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Os dados históricos mostram que a perda diminuiu drasticamente no início dos anos 2000, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas os recentes aumentos coincidiram com a redução das proteções ambientais, com a desestruturação das agências de fiscalização, com a tentativa de concessão de anistia para o desmatamento ilegal e com a tentativa de enfraquecimento dos direitos indígenas feitas pelo governo Bolsonaro.
A reeleição do Presidente Lula, cuja posse foi em 1º de janeiro de 2023, pode reverter essa tendência. O novo governo prometeu acabar com o desmatamento na Amazônia e em outros biomas do Brasil até 2030, combinando ações de comando e controle com uma perspectiva mais de longo prazo em relação ao desenvolvimento econômico sustentável. Essa não será uma tarefa fácil, já que algumas autoridades alertam que pode não haver progresso visível pelo menos até 2024, à medida que as agências de fiscalização forem reerguidas e reequipadas e as atividades ilegais forem investigadas.
Perda de floresta primária no Brasil, 2002 a 2022
De longe, o Brasil continua sendo o país com a maior perda de florestas primárias tropicais: apenas em 2022, foi responsável por 43% do total global. Os 1,8 milhão de hectares dessa perda resultaram em 1,2 Gt de emissões de dióxido de carbono, ou 2,5 vezes as emissões anuais de combustíveis fósseis do Brasil. Além dos impactos de carbono, a perda de florestas na Amazônia afeta as chuvas regionais e pode, em última instância, levar a um “ponto de não retorno” em que a maior parte do ecossistema se tornará uma savana.
No Brasil, a perda de floresta primária acelerou no oeste da Amazônia. Em 2022, os estados do Amazonas e do Acre apresentaram alguns dos níveis mais altos dessa perda já registrados. O estado do Amazonas, lar de mais da metade das florestas intactas do Brasil, quase teve a taxa dobrada em apenas três anos. As perdas de florestas primárias nessa parte da Amazônia brasileira são principalmente causadas por desmatamentos em grande escala (provavelmente para pastagens de gado) juntamente com as rodovias existentes.
Perda de floresta primária no Amazonas, Brasil, 2002 a 2022
Vários territórios indígenas ameaçados na Amazônia brasileira também perderam florestas primárias em 2022. Os territórios Apyterewa, Karipuna e Sepoti registraram níveis recordes relacionados a invasões de terra. A perda de floresta primária devido à mineração também é visível no território indígena Yanomami, que foi alvo de uma operação governamental para expulsar garimpeiros ilegais no início de 2023. Apesar dessas perdas, os territórios indígenas no Brasil têm uma taxa de desmatamento muito menor do que terras semelhantes gerenciadas por outros agentes e representam os últimos sumidouros de carbono da Amazônia.
Perda de florestas primárias na República Democrática do Congo é persistentemente alta
As taxas de perda de florestas primárias continuaram altas na República Democrática do Congo (RDC). O país perdeu mais de meio milhão de hectares em 2022 e a taxa de perda continuou a aumentar ligeiramente nos últimos anos. A maior parte da perda de florestas primárias consiste em pequenas clareiras próximas a áreas agrícolas cíclicas (terra que é desmatada e queimada para o cultivo de curto prazo de safras e deixada em pousio para que as florestas e os nutrientes do solo se regenerem). A crescente população da República Democrática do Congo aumenta a demanda por alimentos, o que leva a períodos de pousio mais curtos e à expansão da agricultura em florestas primárias.
Em outros países da Bacia do Congo, os dados que mostram a perda de florestas primárias tendem a sofrer flutuação de um ano para outro, provavelmente devido a dificuldades na detecção de dados de satélite por causa da cobertura de nuvens. No entanto, o Gabão e a República do Congo, que são países com Alto índice de florestas, baixo desmatamento (High Forest Low Deforestation, HFLD), continuam a apresentar baixas taxas gerais de perda de florestas primárias.
Perda de florestas primárias no RDC e na Bacia do Congo, 2015-2022
A perda de florestas primárias anterior a 2015 na Bacia do Congo está subnotificada nos dados da Universidade de Maryland e, portanto, foi excluída desses gráficos. A integração dos dados do satélite Landsat 8 e as atualizações do algoritmo de detecção de perdas a partir de 2015 capturam melhor a perda em pequena escala, que é comum nos países da Bacia do Congo.
A redução da perda de florestas primárias na região continua sendo um desafio. Nos países da Bacia do Congo, os fatores predominantes são a agricultura de pequena escala e a produção de carvão vegetal, forma dominante de energia na região, que é gerada pelo corte e pela queima de madeira. Na RDC, a pobreza é generalizada e o acesso à eletricidade é limitado (cerca de 62% da população vive com aproximadamente US$ 2 por dia e 81% não tem acesso à eletricidade) e as populações locais dependem das florestas para atender às demandas de alimentos e energia.
Investimentos para tirar as pessoas da pobreza e reduzir a dependência de uma economia baseada em recursos são urgentemente necessários. Um acordo de US$ 500 milhões recentemente assinado na COP26 para proteger as florestas da RDC se mostra promissor, mas ainda não teve impacto sobre as taxas de desmatamento. Apesar do compromisso em manter os objetivos de conservação das áreas protegidas, o governo da RDC recentemente leiloou licenças para a exploração de petróleo e gás em florestas intocadas e turfeiras ricas em carbono e indicou que em breve suspenderia a moratória sobre novas concessões de exploração madeireira.
Altos recordes de perda de floresta primária em Gana Gana registrou o maior aumento percentual em perda de florestas primárias nos anos recentes. Em 2022, o país perdeu 18 mil hectares, e apesar de ser uma área relativamente pequena de floresta, Gana tem poucos fragmentos de florestas primárias ainda conservados, e experenciou a maior proporção de perda do que qualquer país tropical em 2022.
A maior parte da perda ocorreu em áreas protegidas, que cobrem as últimas porções de floresta primária do país. Parte da perda é adjacente a fazendas de cacau e tem um padrão de desmatamento em pequena escala, provavelmente associado à produção de cacau. Outras áreas de perda parecem estar ligadas a incêndios e mineração de ouro.
O aumento da perda de florestas primárias aponta para a necessidade de redobrar os compromissos e os esforços em andamento para combater essa perda no país, incluindo a Cocoa & Forests Initiative, formada pelos governos de Gana e Costa do Marfim e pelas principais empresas de cacau e chocolate do mundo, para acabar com o desmatamento e restaurar as áreas florestais. A União Europeia (UE), que importa 56% das amêndoas de cacau em todo o mundo, aprovou recentemente uma regulamentação que proibirá a venda de cacau, madeira e outras commodities ligadas ao desmatamento. A UE e outros doadores devem trabalhar com Gana para capacitar os pequenos agricultores a fornecerem produtos livres de desmatamento de uma forma que proteja os meios de subsistência deles e, ao mesmo tempo, evite o desmatamento associado a essas commodities e reduza a perda de florestas primárias no país.
Perda de florestas primárias acelera rapidamente na Bolívia
A Bolívia registrou um nível recorde de perda de floresta primária em 2022, com um aumento de 32% em relação aos níveis de 2021. Pelo terceiro ano consecutivo, o país ficou em terceiro lugar em área de perda de floresta primária, atrás apenas do Brasil e da República Democrática do Congo e superando a Indonésia, apesar de ter menos da metade da quantidade de florestas primárias.
Apesar da perda maciça de florestas primárias nos últimos anos, a Bolívia tem recebido muito menos atenção em relação ao desmatamento do que outros países com florestas tropicais. Além disso, é um dos poucos países que não assinou a Declaração dos Líderes de Glasgow em 2021.
A agricultura de commodities é o principal fator de perda de florestas na Bolívia, especialmente no departamento de Santa Cruz, que continua sendo uma área prioritária na perda de florestas primárias. A expansão da soja resultou em quase um milhão de hectares de desmatamento na Bolívia desde a virada do século, dos quais quase um quarto pode ser atribuído às colônias menonitas. Embora a Bolívia tenha muito menos produção de soja do que os países vizinhos, a maior parte de sua expansão de soja ocorreu às custas das florestas. A cana-de-açúcar, o milho, o sorgo e a criação de gado também contribuem para o desmatamento no país.
O governo da Bolívia apoia o aumento do agronegócio, com metas para reduzir as importações, implementar a produção de biocombustíveis e aumentar a produção de gado. Essas metas têm sido complementadas pela descriminalização do desmatamento ilegal e pelo aumento nas autorizações de desmatamento.
Os incêndios também tiveram um impacto significativo sobre as florestas da Bolívia nos últimos anos: em 2022, eles foram responsáveis por cerca de um terço da perda total de florestas primárias no país. As queimadas em países tropicais como a Bolívia geralmente são provocadas por seres humanos para fins agrícolas, como a reabertura de áreas para pastagem e a limpeza de terras para cultivo ou para reivindicar terras. Em 2022, vários incêndios também parecem ter começado em áreas de extração seletiva de madeira. Os incêndios na Bolívia se espalharam devido às condições de seca, que podem estar ligadas aos efeitos do desmatamento sobre as chuvas na Amazônia. Diversas áreas protegidas também foram afetadas pelos incêndios em 2022, incluindo o Parque Nacional Noel Kempff Mercado, uma área prioritária de biodiversidade e um dos maiores parques do país. Os incêndios exigiram muitos esforços dos bombeiros, que também foram prejudicados pela falta de recursos e pela inacessibilidade de alguns locais onde ocorriam os incêndios.
Perda de florestas primárias na Indonésia permanece em níveis historicamente baixos A Indonésia reduziu a perda de florestas primárias mais do que qualquer outro país nos últimos anos.
As políticas governamentais têm contribuído para essa redução alinhadas com a meta da Indonésia de emissões líquidas zero (que na prática significa emissões negativas de CO2) do setor florestal e de outros usos da terra até 2030. O aumento dos esforços de monitoramento e prevenção de incêndios, o fim das permissões em áreas de florestas primárias ou turfas (moratória), políticas de comando e controle, e a renovação dos compromissos de proteger e restaurar turfas e manguezais resultou em menor quantidade de incêndios e perdas florestais.
Condições climáticas relativamente úmidas e esforços de semeadura de nuvens por parte do governo e setor privado podem ter ajudado na redução dos incêndios na Indonésia. Esforços em campo por parte das comunidades também contribuíram.
Compromissos voluntários e obrigatórios de empresas privadas também parecem estar funcionando para reduzir a perda de florestas.
Perda de florestas primárias na Malásia segue baixa Na Malásia, a perda de florestas primárias permaneceu baixa em 2022 e se estabilizou nos últimos anos. As ações corporativas e governamentais também parecem estar contribuindo. Os compromissos No Deforestation, No Peat and No Exploitation (NDPE) agora cobrem a maior parte do setor de óleo de palma e, em 2018, o Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO) fortaleceu suas exigências de certificação. Além disso, o Conselho do Malaysia Sustainable Palm Oil (MSPO), formado em 2015, começou a certificar produções sustentáveis de óleo de palma em 2020. Ações positivas do governo se seguiram nos anos recentes, com um teto para área de plantações e novas leis florestais para aumentar as penalidades do desmatamento ilegal.
O que aconteceu com as florestas fora dos trópicos?
A totalidade da perda de cobertura arbórea global, que inclui a perda de florestas primárias, secundárias e plantadas, diminuiu 10% em 2022. A redução é resultado direto de uma diminuição nas perdas relacionadas a incêndios; as perdas não relacionadas a incêndios aumentaram ligeiramente em 2022, em menos de 1%.
Diferentemente de grande parte dos trópicos, os incêndios em florestas boreais e temperadas são uma parte natural e importante da ecologia. No entanto, a taxa de perda relacionada a incêndios em todo o mundo aumentou em geral desde 2000, provavelmente impulsionada por mudanças climáticas e atividades humanas, e 2021 registrou um grande aumento na região boreal. Já o ano de 2022 foi relativamente mais calmo em todo o mundo, com uma redução de 28% na perda relacionada a incêndios em relação a 2021, embora algumas áreas ainda tenham sofrido perdas significativas relacionadas a incêndios.
A Rússia foi o maior contribuinte para o declínio na perda de cobertura arbórea, com uma redução de 34% entre 2021 e 2022. O país teve sua maior taxa em 2021 devido a uma temporada recorde de incêndios, enquanto a temporada de 2022 ficou abaixo da média. A silvicultura é o outro principal fator de redução da perda de cobertura arbórea na Rússia, com vários casos de expansão em florestas intactas em 2022. As florestas boreais, e a Rússia em particular, têm um impacto superdimensionado nas estatísticas globais. Mesmo com a diminuição da perda de cobertura arbórea de 2021 a 2022, ela ainda contribuiu com quase 19% do total global.
Apesar de uma menor área de perda relacionada a incêndios em todo o mundo em 2022, os incêndios ainda causaram perdas na Europa Ocidental, que presenciou grandes queimadas, resultando em uma perda de cobertura arbórea recorde na Espanha.
Os compromissos por si só não impedirão a perda florestal Embora nos últimos anos tenha havido uma nova ambição internacional e o reconhecimento da necessidade urgente de acabar com o desmatamento, a falta de progresso na redução da perda de florestas nos trópicos ressalta a necessidade de ir além dos compromissos políticos e passar à ação. Ao passo que alguns países apresentem resultados promissores na redução da perda de florestas, como a Indonésia e a Malásia, outros têm visto atividades e políticas contínuas que estão causando uma aceleração do desmatamento em áreas críticas.
A proteção das florestas continua sendo uma das formas mais eficazes de mitigar a mudança climática global e proteger as pessoas e a biodiversidade que depende delas, mas o tempo está se esgotando.
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