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Pesquisadores alertam há anos que crateras como as de Buriticupu, no Maranhão, cresceriam se não houvesse drenagem e ocupação adequada do solo

Por Sarah Schmidt em Pesquisa Fapesp | Quando esteve em Buriticupu, no oeste maranhense, em 2015 e 2016, o geógrafo Marcelino Silva Farias Filho, da Universidade Federal do Maranhão, contou ao menos 15 crateras gigantes rasgando o chão da área urbana do município. Ele e seus estudantes também ouviram relatos de moradores cujas casas tinham sido engolidas pelas voçorocas, fenômeno erosivo em que a água da chuva concentrada escava grandes buracos em solos mais frágeis e atinge o lençol freático. Dependendo do volume de água e das condições geológicas, elas podem se expandir rapidamente.

Casas em encostas dos morros nos bairros Santos Dumont, Vila Isaías e Caeminha corriam risco de deslizamento. Muitos moradores que poderiam perder suas casas foram remanejados de outros lugares da cidade ameaçados por voçorocas. “Quando concluímos o trabalho, procuramos as autoridades públicas da cidade para avisar que a situação iria piorar, mas não deram atenção”, afirma Farias Filho. Piorou.

Em 24 de março de 2023, após chuvas intensas, o Ministério Público do Maranhão havia acionado juridicamente o município pelo descumprimento de um acordo judicial, de abril de 2022, que previa a implantação de uma série de medidas para evitar o avanço dos processos de erosão e garantir a segurança dos moradores das áreas de risco. No dia 26, a prefeitura do município declarou estado de calamidade pública por causa de 23 voçorocas que chegavam a 70 metros (m) de profundidade e 600 m de extensão e ameaçam 880 pessoas em 220 casas localizadas em encostas da cidade. Dois dias depois, o Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional reconheceu o estado de calamidade.

Outros 51 municípios maranhenses declararam estado de emergência por causa das chuvas, que normalmente seguem até maio.

Problema nacional
As fendas que se agigantam com as chuvas intensas não são fenômenos exclusivos dessa região. Também conhecidas como boçorocas ou buracões, as voçorocas se formam em áreas urbanas e rurais das cinco regiões do país. No estado de São Paulo, um relatório técnico do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), apresentado em 2015 em um congresso realizado em Natal, no Rio Grande do Norte, identificou 1.398 processos erosivos em áreas urbanas de 326 municípios, dos quais 949 foram classificados como voçorocas e 449 como ravinas, como são chamados os processos erosivos com profundidade acima de 1 metro (m), que podem evoluir para voçorocas.

Nas áreas rurais paulistas, foram cadastrados 39.864 processos erosivos em 593 municípios, dos quais 30.004 se enquadravam como voçorocas e 9.860 como ravinas. De acordo com esse estudo, a predominância de voçorocas em áreas urbanas seria um indício de formas inadequadas de ocupação e de drenagem do solo, e, nas áreas rurais, do uso agrícola, sem o uso de técnicas de conservação do solo e preservação da vegetação nativa.

As condições que levam à formação de voçorocas variam de acordo com as peculiaridades geológicas da região, o tipo de solo e a inclinação da área, além do volume e da velocidade das águas lançadas no terreno. Em geral, elas começam como sulcos menores, que podem evoluir para ravinas e, depois, voçorocas.

“Considerando o desmatamento e o uso inadequado do solo, se a água da chuva é lançada de forma concentrada em uma velocidade acima do que o solo suporta, começa o processo erosivo”, explica o tecnólogo em construção civil Claudio Luiz Ridente Gomes, um dos autores do relatório do IPT.Alexandre Affonso

Soma de fatores
Em Buriticupu, as voçorocas urbanas decorrem de uma combinação de fatores resultantes das condições naturais e da ocupação humana. São eles: geologia frágil, com solos suscetíveis à erosão, pobres em nutrientes e formados sobre rochas sedimentares menos resistentes; volume alto de chuvas, por volta de 2 mil litros por metro quadrado por ano; e urbanização com planejamento inadequado e sem canalização apropriada da água pluvial, de acordo com dois artigos de Farias Filho publicados em janeiro e março de 2019 nas revistas GeoUECE e Geografia em Atos. Segundo o pesquisador, há relatos de áreas atingidas há pelo menos 50 anos naquela região.

O solo do município é ácido (pH em torno de 4), uma característica comum em regiões tropicais, com baixos teores de alumínio, que ajudaria a agregar os sedimentos, e alta concentração de hidrogênio, que auxilia a dispersar os materiais do solo, favorecendo a erosão, de acordo com o artigo da Geografia em Atos. Nas encostas, o relevo torna-se mais irregular, com desníveis acentuados.

Nos últimos anos, a cidade cresceu de forma desordenada, em direção às bordas do platô onde o município se originou. “As ruas tornam-se canais que escoam a água pela sarjeta em direção às bordas do platô abrindo e expandindo as voçorocas”, comenta Farias Filho. Muitas dessas encostas se enquadram como Áreas de Preservação Permanente (APP), de acordo com o Código Florestal Brasileiro e, portanto, deveriam ser protegidas, ressalta o artigo da GeoUECE.

O pesquisador conta que a prefeitura o convidou em 2022 para se reunir com um grupo de trabalho e estudar ações para conter o avanço das voçorocas. “Apresentei os resultados de nossas pesquisas em maio de 2022, mas depois não soube se os trabalhos avançaram”, ele relata. Questionada sobre o encontro e seus desdobramentos, a prefeitura não se pronunciou. Por meio de nota enviada a Pesquisa FAPESP, o governo estadual informou que o Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão, “como medida prioritária, auxiliou a operação de isolamento da área e retirada de famílias da área de risco”.

Houve outros alertas: em dois estudos, de 2014 e 2018, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) apontou o risco de expansão de voçorocas de Buriticupu e estimava que aproximadamente 1,4 mil pessoas viviam em 10 locais identificados como de alto risco geológico.

Esta voçoroca de Rio Preto da Eva-AM aumentou em comprimento (de 116 m para 127,4m), largura (de 31,1 m para 33,2 m) e profundidade (de 17,9 m para 22,9 m) de julho de 2019 a julho de 2021Antônio Vieira/UFAM

Desviando a chuva
Para amenizar a expansão das voçorocas, segundo Farias Filho, é preciso canalizar o fluxo da água da chuva, isolar as áreas de risco, retirar seus moradores e fazer obras para direcionar a água das ruas para áreas mais baixas da periferia da cidade.

O geógrafo Jurandyr Ross, da Universidade de São Paulo (USP), que já acompanhou voçorocas em outras regiões do país, complementa: “Existem muitas técnicas de engenharia para conter a água das chuvas, mas custam caro”. Caixas de retenção, por exemplo, podem armazenar a água temporariamente, reduzir sua velocidade e depois direcioná-la para um rio ou córrego, por meio de canais de escoamento.

A canalização, por si só, pode ser insuficiente, já que nem sempre a água escoa para o local desejado. “Um dos grandes problemas dos sistemas pluviais é que muitos terminam no meio do caminho e não chegam até um curso d’água”, conta o geógrafo Antônio Vieira, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). “Em meados da década de 1990, em um conjunto habitacional da zona norte de Manaus, a água foi desviada de uma voçoroca e conduzida para o outro lado da mesma encosta. Resultado: surgiram duas voçorocas novas nesse lugar.”

Em um artigo publicado em dezembro de 2022 na Revista do Instituto de Geociências USP, Vieira caracteriza três voçorocas que se formaram na área urbana da cidade de Rio Preto da Eva, a cerca de 80 quilômetros (km) de Manaus. Como o solo era argiloso, mais resistente à erosão, ele atribuiu as crateras à expansão urbana e consequente falha na drenagem da água pluvial. De julho de 2019 a julho de 2021, a maior delas aumentou de 116 m para 127 m de comprimento e de 17,9 m para 22,9 m de profundidade. “Pelo menos duas casas correm o risco de ser engolidas”, alerta.

As três fendas causaram a perda de uma área de 6.117,20 metros quadrados (m2) e de 123.267,29 metros cúbicos (m3) de terra, acumulada nos canais próximos, de acordo com esse estudo. Os danos somam cerca de R$ 170 mil e os custos de contenção ficariam em quase R$ 2 milhões. “É mais barato monitorar os riscos e prevenir problemas. Quanto antes o dano for contido, melhor”, ressalta Vieira. Ele encontrou voçorocas também próximas a rodovias que unem Manaus ao interior do estado.

Na bacia do córrego Palmital, entre as cidades de Nazareno e Conceição da Barra, próximo a São João Del Rei, no sul de Minas Gerais, há quase 100 delas, e boa parte está conectada, de acordo com um estudo de março de 2020 na revista científica Catena. Portanto, a recuperação em uma única voçoroca pode não ser o suficiente para deter o processo erosivo.

“Por meio das águas subsuperficiais e superficiais, uma voçoroca pode interferir nas outras, como um efeito cascata”, explica a geóloga Valéria Rodrigues, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), coautora do trabalho. “Por isso, ao pensar em ações de contenção e de mitigação, é preciso ver o todo. Caso contrário, se cuidamos apenas de uma, a tendência é que o processo erosivo retorne.”

O engenheiro-agrônomo Aluísio Andrade, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), um dos autores do livro Erosão em áreas tropicais, a ser publicado neste ano, concorda: “O primeiro passo é estudar a região para fazer um diagnóstico do processo erosivo e, assim, traçar um planejamento personalizado”. Dependendo do caso, é possível combinar práticas mecânicas – como a realocação da terra, obras de contenção e drenagem – e cobertura vegetal.

Foi o que uma equipe da Embrapa fez em uma voçoroca no morro do Radar, próximo ao Aeroporto Internacional Tom Jobim (antigo Galeão), no Rio de Janeiro. Como descrito em um comunicado técnico da Embrapa de dezembro de 2005, a primeira medida foi controlar o fluxo de água com a construção de terraços no morro, que a desviavam e evitavam que caísse na voçoroca. Em seguida, a construção de patamares corrigiu a inclinação do térreo e permitiu a reocupação da terra com espécies de árvores de rápido crescimento, como a maricá (Mimosa bimucronata), que pode chegar a 10 m de altura, e sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia), de até 8 m, também bastante usada na recuperação de áreas degradadas.

“Dependendo do solo, das condições climáticas e de suas dimensões, o que funciona para uma voçoroca não funciona para outra”, ressalta Andrade. Rodrigues reforça: “Cada região tem suas particularidades. Não há fórmulas prontas para lidar com as voçorocas, mas é preciso sempre monitoramento, planejamento do uso do solo e drenagem correta da água.”

Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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