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Pesquisadores da UFRJ desenvolvem trabalhos na região e se preocupam com a conservação da área ameaçada pela exploração econômica sem planejamento

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Por Sidney Rodrigues Coutinho, da Conexão UFRJ | A Petrobras pretende iniciar, ainda em 2022, a perfuração do primeiro poço exploratório na margem equatorial brasileira. Pode ser uma das maiores descobertas de reservas de petróleo e gás no Brasil após o pré-sal, mas também se trata de uma área sensível, com recifes e bancos de rodolitos sob a pluma do rio Amazonas. A ciência conhece apenas uma fração do potencial dessa biodiversidade, revelada ao mundo há apenas uma década. Preocupados com os impactos que a atividade exploratória e eventuais acidentes com óleo possam provocar, ambientalistas, ONGs e cientistas querem que a área, numa faixa que vai da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa até o Maranhão, estimada em 56 mil quilômetros quadrados, tenha um alto nível de restrições e cuidados ambientais. O desfecho, no entanto, ainda está por vir, e depende dos subsídios da ciência e de uma complexa construção entre os diferentes atores envolvidos.

Para o professor do Instituto de Biologia Rodrigo Leão de Moura, que também coordena o Laboratório de Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do Núcleo Rogério Valle de Produção Sustentável (Sage/Coppe), na UFRJ, uma vez que a exploração na margem equatorial estiver decidida e autorizada, é preciso focar esforços para que seja conduzida com o maior cuidado possível. “A UFRJ tem papel relevante nesse debate, que é estratégico. Trata-se de uma área sensível, onde houve vários problemas de licenciamento, inclusive por haver potenciais impactos transfronteiriços. Um problema mais grave ali afetaria países vizinhos”, afirmou. Foi a insistência de Moura em coletar amostras do fundo lamacento da foz do Amazonas, em uma expedição a bordo do navio de pesquisa americano Atlantis, em 2012, que levou à descoberta, considerada uma das mais importantes da biologia marinha da última década.

A viagem do navio americano de 83 metros, que havia também indicado a localização dos destroços do Titanic, tinha o objetivo de estudar as propriedades físico-químicas da pluma do Amazonas e foi liderada pela oceanóloga americana Patricia Yager. Professora da Universidade da Geórgia, ela buscava entender como era o processo de captura e absorção de gás carbônico da atmosfera por um plâncton específico (as diatomáceas) nas águas lamacentas do Amazonas que invadem o oceano Atlântico. Devido às condições de iluminação, salinidade, pH e sedimentação, a ideia de que ali poderia haver um recife coralíneo era pouco provável. Rodrigo Moura coordenou a equipe brasileira da expedição após a desistência de outro cientista. Com Nara Lina de Oliveira, mestranda que o acompanhava, ele fez o monitoramento do relevo e da textura do fundo para apontar com precisão o melhor local para a draga trazer esponjas coloridas, corais e peixes. A descoberta, entretanto, só foi anunciada ao mundo em 2016, quando 39 pesquisadores, de 14 instituições, assinaram um artigo na revista Science Advances.

Vários outros estudos já foram publicados sobre os recifes amazônicos, aprofundando o conhecimento científico sobre a região. Moura, atualmente, trabalha com pesquisadores que avaliam desde a descoberta de novas espécies aos impactos que a atividade econômica pode trazer para a conservação da região. A área onde se encontram os recifes estão entre 50 e 300 metros de profundidade, com espojas gigantes que podem passar dos dois metros de comprimento. A região da foz do Amazonas, entretanto, é uma das menos estudadas de toda a costa brasileira e as porções mais profundas onde as perfurações petrolíferas estão previstas são praticamente desconhecidas.

A indústria petrolífera está de olho na região, pela similaridade geológica com as bacias sedimentares das Guianas e do Suriname, onde outras empresas anunciaram recentes descobertas importantes de petróleo e gás. Há nove anos, um consórcio formado pela empresa francesa de energia Total (40%), pela britânica BP Energy (30%) e pela Petrobras (30%), venceu um leilão da Agência Nacional do Petróleo (ANP) de seis áreas de exploração em águas ultraprofundas. As duas empresas estrangeiras desistiram da operação, em decorrência da demora para conseguir o licenciamento ambiental e a opção por investimentos em energias renováveis. A Petrobras, então, rebatizou o projeto, que agora se chama Amapá Águas Profundas.

O Greenpeace fez uma campanha que intitulou de “defesa dos corais da Amazônia” e teve sucesso em retardar ações extrativistas na região. O senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB) apresentou um Projeto de Lei (PL 1.404/2019) para que a região fosse considerada Área de Preservação Permanente (APP) nos termos da Lei 12.651, de 2012. A proposta não passou pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados e depois foi retirada pelo próprio autor. No início de setembro, as unidades do Ministério Público Federal (MPF) no Pará e no Amapá emitiram recomendação conjunta ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e à Petrobras para que suspendessem a atividade de perfuração marítima programada para a bacia da foz do Amazonas.

Exploração econômica sustentável

Em decorrência da biodiversidade, a região tem grande potencial econômico além do subsolo. E a equipe do professor Moura tem avaliado as atividades econômicas (pesca, desenvolvimento de petróleo e gás, mineração) que impactam a biodiversidade e o funcionamento do ecossistema na região. Seu estudo aponta que o planejamento das atividades econômicas na Zona Econômica Exclusiva do Brasil é fragmentado e realizado de forma isolada por diferentes órgãos e agências, resultando em impasses de gestão e licenciamento ambiental ineficiente. Também revela que o licenciamento de petróleo e gás na costa amazônica não trouxe avanços substanciais para a gestão dos recursos naturais nem para os interesses das empresas petrolíferas. “Mesmo estando sob transição para fontes renováveis, não podemos prescindir do petróleo como fonte energética. Mas é importante ponderar os benefícios e os custos sociais e ambientais envolvidos na abertura de novas áreas de extração de combustíveis fósseis”, pontuou o pesquisador.

Do ponto de vista do professor, a Petrobras tem tido uma postura diferente das antigas parceiras estrangeiras do consórcio (Total e BP). A empresa buscou, recentemente, por meio da iniciativa “Diálogos Margem Equatorial”, ouvir pesquisadores de todo o país para descobrir o que era importante fazer na região. “Se houver um sinistro, o dano pode afetar também outros países. Todavia, não podemos deixar de reconhecer que centenas de perfurações exploratórias já foram realizadas por lá e que, para se tornar uma área de produção, levará décadas. Portanto, ainda há uma boa margem para adoção de boas práticas socioambientais, para ouvir todos os atores e colocar em prática as recomendações da ciência. Por exemplo, é preciso terminar o mapeamento temático do fundo e da biodiversidade marinha, para subsidiar o zoneamento ecológico-econômico”, destacou.

Moura tem consciência de que, se não houver uma exploração planejada do litoral, as atividades econômicas vão continuar focadas na sobrepesca e na degradação dos habitats, ampliando a contaminação dos ecossistemas marinhos. É um processo análogo ao desmatamento, que ocorre de forma intensa nos territórios da Amazônia sem zoneamento ecológico-econômico, desprovidos de regulamentação específica e presença do Estado. “A principal preocupação do nosso laboratório é o uso sustentável dos recursos. Temos trabalhos que buscam verificar a interação das diversas atividades humanas com os ecossistemas que existem na região e estão interligados. O objetivo é ter um diagnóstico mais preciso e melhorar os indicadores de sustentabilidade. A melhor forma de conservar a natureza é garantir que as comunidades locais continuem a usar os recursos costeiros de forma sustentável. Se a população não tem segurança alimentar, coloca o mangue e a floresta abaixo”, afirmou.

Para o pesquisador, a denominação Grande Sistema de Recife Amazônico não condiz com a realidade, porque a região tem diversos ecossistemas e não apenas recifes. “Gosto de apresentar a margem equatorial como um grande mosaico de ambientes diferentes: bancos lamosos, fundos de areia, fundos de rodolitos e estruturas recifais, entre outras feições. É uma simplificação chamar de grande recife, pois lá também temos a maior faixa contínua de manguezais do mundo. Mas todos os ecossistemas funcionam em conexão”, avaliou.

Ainda segundo o professor, cada vez que uma expedição vai até lá, mais uma peça (de um quebra-cabeça) é montada. “Um repositório de informações da margem equatorial foi construído. Hoje, por exemplo, temos mapas de pesca para as principais espécies da região: pargo, camarão, lagosta ou piramutaba, construídos em parceria com pesquisadores da UFPA e outras universidades”, revelou.

A oceanografia é uma área que demanda muitos investimentos e é notório que estão decaindo os recursos em pesquisa no Brasil. “Mas temos boas perspectivas para a década da ciência para o oceano, que está se iniciando. Aqui na UFRJ, está sendo estruturado, sob a coordenação do professor Segen Estefen, o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (INPO), que é uma grande iniciativa para organizar a pesquisa oceanográfica e envolver praticamente todos os centros de pesquisa marinha do país e parceiros internacionais”, finalizou.

Este texto foi originalmente publicado por Conexão UFRJ de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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