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Envolvimento desse grupo na gestão de resíduos varia conforme as políticas públicas de cada município. Em Porto Alegre há um investimento nas parcerias público-privadas, já a cidade de Cruz Alta busca o modelo de coleta seletiva solidária

Por Ana Paula Tavora – Jornal da UFRGS | “Cada carrinheiro é um pequeno ambientalista”, orgulha-se Antonio Carboneiro, de 78 anos, que criou seus 14 filhos com a remuneração obtida com a venda do que as pessoas decidiram jogar fora. Hoje aposentado, o catador é figura de referência na Vila dos Papeleiros, em Porto Alegre, onde tantos outros trabalhadores envolvidos com catação vivem.

Em busca de latinhas de alumínio, garrafas de plástico, papelão e isopor, chefes de família garantem sua refeição diária com a venda de materiais recicláveis ao mesmo tempo que retiram das ruas um agente poluidor, o resíduo. Só em 2023, o Brasil emitiu 91 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera a partir da geração de resíduos, segundo dados do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases, vinculado ao Observatório do Clima.

De acordo com a docente da Escola de Engenharia da UFRGS e integrante da Frente pela Gestão de Resíduos Sólidos Participativa Istefani de Paula, além de promover o aquecimento global, tudo o que é descartado pelos brasileiros e não retorna para a cadeia produtiva pode contaminar lençóis de água, chegar aos oceanos e causar danos à vida. 

“Ninguém tem conexão com o resíduo que gera, porque ele some da sua frente. Você joga o seu saquinho no lixo, e ele desaparece. As soluções de escala estão nos desconectando da relação que existe entre saúde pública, resíduo, comportamento e clima” – Istefani de Paula.

A atividade de catação, por sua vez, destina para as indústrias recicladoras parte do material rejeitado pelos consumidores, reduzindo a quantidade de resíduos encaminhados para os aterros sanitários. Segundo o Anuário da Reciclagem, em 2024 o Rio Grande do Sul enviou 122,2 mil toneladas de itens recicláveis para empresas como resultado do trabalho dos catadores. Apesar disso, diferentes legislações criadas nos últimos anos na capital gaúcha vêm causando insegurança em quem fez desse ofício sua garantia de sobrevivência. 

É o caso do filho de Antonio, Jacson Carboneiro, que desistiu de ser catador após 15 anos vendendo resíduos. A partir do Programa de Redução Gradativa do Número de Veículos de Tração Animal e de Veículos de Tração Humana, sancionado em 2008, que proibiu a circulação dos carrinhos de papeleiro, do Código Municipal de Limpeza Urbana, em vigência desde 2014, que tornou a coleta dos materiais competência exclusiva do Departamento Municipal de Limpeza Urbana, e do novo sistema de conteinerização, iniciado em março de 2025, que impede a ação de catadores, o trabalhador passou a temer abordagens policiais.

“Ficamos vulneráveis, mesmo fazendo um serviço para o governo sem cobrar nada”, desabafa. Foi tanto tempo contribuindo para a reciclagem que Jacson chegou a montar um museu com o que foi encontrando pelas calçadas e lixeiras, mas acabou se sentindo coagido gradativamente a sair das ruas.

Para a advogada Paula Garcez, do Movimento Nacional de Catadores e Catadores de Materiais Recicláveis, Porto Alegre ignora solenemente a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), cujos princípios estão firmados no valor social do que muitos consideram lixo.

“A PNRS tem como norte a condição do resíduo enquanto gerador de trabalho e renda, por isso ela é muito inovadora, já que faz um link entre uma população vulnerável, uma atividade que essa população sabe fazer e o reconhecimento dessa população como categoria profissional” – Paula Garcez.

Se na maior cidade do estado a inclusão de catadores e consumidores na gestão de resíduos não vai bem, outros municípios conseguiram estabelecer parcerias vantajosas para a sociedade e para o meio ambiente. 

Antônio e Jackson Carboneiro, na Vila dos Papeleiros, em Porto Alegre | Foto: Jackson Carboneiro/Arquivo Pessoal/Reprodução UFRGS

Coleta seletiva solidária e educação ambiental

No centro-norte do Rio Grande do Sul, a Cooperativa de Trabalho União das Catadoras e Catadores de Cruz Alta (Unicca) é formalmente responsável pelo recolhimento dos resíduos recicláveis produzidos pelos moradores, além de cuidar da separação e destinação do material. O contrato firmado com a prefeitura de Cruz Alta em 2022 tem a coleta seletiva solidária como cerne, contemplando os artigos da PNRS.

Conforme Alexsandro Cardoso, membro da equipe diretiva da Unicca, esse tipo de coleta é realizado porta a porta pelos catadores, e não por uma empresa pública ou contratada. Estimativas divulgadas pela Cooperativa indicam que somente no ano passado o grupo de trabalhadores comercializou 857.780 kg de resíduos recicláveis. 

Em Porto Alegre, onde o prefeito reeleito, Sebastião Melo, é do mesmo partido que a prefeita de Cruz Alta, Paula Rubin, gestores das Unidades de Triagem (UT) reivindicam um acordo semelhante com o poder público municipal. A coordenadora operacional do Centro de Triagem da Vila Pinto, Sirlei Batista, afirma que o valor pago pela prefeitura às UTs não é suficiente para custear a manutenção dos galpões e realça que os catadores associados têm interesse em fazer mais do que separar os resíduos.

“Nós deveríamos fazer a coleta seletiva em Porto Alegre, temos capacidade para isso. São 35 anos de história, não chegamos hoje para disputar uma licitação com as empresas” – Sirlei Batista.

Na contramão do que defende a categoria, a Secretaria Municipal de Parcerias (SMP) lançou, em dezembro de 2024, uma consulta pública sobre um projeto de concessão administrativa dos resíduos sólidos urbanos. A estratégia consiste em uma parceria público-privada (PPP) e está sendo questionada tecnicamente por pesquisadores, especialistas e movimentos sociais que compõem a Frente pela Gestão de Resíduos Sólidos Participativa. Segundo o professor do departamento de Sociologia da UFRGS e um dos representantes da iniciativa, Marcelo Kunrath, o que está sendo proposto não é um novo modelo, é apenas um novo gestor: o setor privado.

“Aquilo que será recolhido na coleta seletiva vai para as UTs e aquilo que estará misturado na coleta convencional vai para as unidades mecanizadas da concessionária, que venderá o material. Então, do ponto de vista empresarial, vale a pena que as pessoas não separem o lixo, e isso gera um efeito deseducativo. Afinal, por que eu vou separar se já vai ser tudo separado por uma máquina?” – Marcelo Kunrath.

A educação ambiental, em contrapartida, é indispensável para qualificar o manejo de resíduos, ainda mais em um país em que 1,04 kg de material reciclável é coletado por dia por habitante, de acordo com relatório do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA). “Podemos usar um bom contingente dos catadores para fazer o trabalho de educação ambiental corpo a corpo, nas casas e nos condomínios. E esse serviço vai além de simplesmente pedir que a população separe bem [seus resíduos], é também ir batendo na tecla de que é preciso mudar o comportamento de consumo”, sugere Istefani, que também integra a Frente.

Em abril deste ano, o grupo lançou uma nota técnica com alternativas à PPP proposta pela Prefeitura. Entre as recomendações indicadas, estão a adoção da coleta seletiva solidária, em substituição ao envio de material para aterro, a participação de universidades no gerenciamento de dados sobre o tratamento de resíduos, a fim garantir a melhoria contínua do sistema, e a eliminação da construção de Unidade de Tratamento e Valorização (UTVR) mecanizada, já que é preciso analisar anteriormente os impactos sociais e ambientais da obra.

Fotos: Flávio Dutra/Pietro Scopel/Reprodução Jornal da UFRGS

O que diz a Prefeitura de Porto Alegre

Em nota enviada ao JU, a assessoria de imprensa da SMP nega que o projeto de parceria público-privada para o gerenciamento de resíduos sólidos urbanos em Porto Alegre se trate de privatização do sistema e argumenta que as associações e cooperativas continuarão responsáveis pela gestão das UTs. Confira abaixo a nota na íntegra:

“A Secretaria Municipal de Parcerias destaca que o projeto de parceria público-privada para o gerenciamento de resíduos sólidos urbanos busca qualificar o sistema de coleta de lixo de Porto Alegre. A PPP abrange desde a coleta dos resíduos até o tratamento e a disposição final dos rejeitos.

O projeto não se trata de uma forma de privatização do sistema de resíduos sólidos. Atualmente esses serviços já são prestados por operadores privados, por meio de diversos contratos com prazos e objetivos variados. Essa divisão dificulta a coordenação e fiscalização por parte do município e, por consequência, reduz a eficiência dos serviços. Com a PPP, a empresa ou o consórcio contratado pela Prefeitura será um prestador de serviço por um prazo determinado, com metas e objetivos definidos em contrato, enquanto o poder público fiscaliza as atividades e realiza a sua remuneração.

No prazo de 35 anos do contrato, está prevista a modernização de Unidades de Triagem (UTs), Unidades de Destino Certo (UDCs), Unidades de Tratamento e Valorização (UTVRs) e Pontos de Entrega Voluntária (PEVs). Além de melhorias nas estruturas já existentes, também há a previsão de implementação de novas unidades. As associações e cooperativas continuarão responsáveis pela gestão das UTs, que terão condições de trabalho mais apropriadas.

Atualmente a Capital recupera apenas 6% dos resíduos coletados, enquanto 94% vão para o aterro sanitário. Através da PPP, a concessionária terá que reduzir a quantidade de resíduos enviados ao aterro para no mínimo 35% até o fim da concessão, além de assegurar que os resíduos da coleta seletiva, bem como os recebidos em UDCs e PEVs, sejam entregues às unidades de triagem operadas por associações e cooperativas de catadores. O contrato também garante que esses grupos seguirão recebendo receitas provenientes da venda de materiais recicláveis da coleta seletiva. Esse modelo reforça a importância do papel essencial desempenhado pelos catadores na gestão de resíduos.”

Questionada sobre a falta de clareza da informação contida no trecho “Atualmente a Capital recupera apenas 6% dos resíduos coletados, enquanto 94% vão para o aterro sanitário. Através da PPP, a concessionária terá que reduzir a quantidade de resíduos enviados ao aterro para, no mínimo, 35% até o fim da concessão”, a prefeitura retornou com uma nova redação, ainda confusa: “Atualmente a Capital recupera apenas 6% dos resíduos coletados, enquanto 94% vão para o aterro sanitário. Através da PPP, a concessionária terá que reduzir a quantidade de resíduos enviados ao aterro para pelo menos 35% até o fim da concessão. Dessa forma, o desvio total de resíduos do aterro poderá ser superior a 65% do material coletado”.

Este texto foi originalmente publicado pela Jornal da UFRGS, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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