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Estudo aponta redução de até 80% nas infrações ambientais a partir do envolvimento direto de moradores em Unidades de Conservação na Amazônia

Por João Cunha – Instituto Mamirauá | Um estudo de longo prazo demonstrou que o Programa de Agentes Ambientais Voluntários (AAV), desenvolvido em duas importantes áreas protegidas (APs) da Amazônia brasileira, tem sido efetivo na redução de crimes ambientais. O modelo de patrulhamento voluntário, baseado na comunidade e apoiado por instituições governamentais e não governamentais, conseguiu diminuir em cerca de 80% a incidência de crimes ambientais em 11 das 12 unidades territoriais monitoradas entre 2003 e 2013. 

Os resultados foram publicados na revista científica Conservation Biology, em uma edição especial do periódico dedicada à conversação ambiental e o papel das pessoas, com autoria de um grupo interdisciplinar de pesquisadores brasileiros e internacionais.  

O estudo foi conduzido por especialistas do Instituto Mamirauá, em parceria com a University College London, Virginia Tech, Manchester Metropolitan University, Centro para Pesquisas Florestais Internacionais e Universidade de Gibraltar. Os autores também enfatizaram o papel das comunidades locais no sucesso da estratégia. 

Engajamento comunitário na linha de frente da conservação 

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Foto: Rafael Forte/Reprodução Instituto Mamirauá

O Programa AAV foi implementado como uma alternativa viável à fiscalização governamental tradicional, muitas vezes insuficiente ou ausente em regiões remotas no bioma amazônico. Moradores locais foram treinados para realizar patrulhas regulares ou em resposta a denúncias de crimes.  

O programa é apoiado pelo Instituto Mamirauá, promovido pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) do Amazonas e já existe há mais de 15 anos. O AAV tem como principal objetivo formar lideranças comunitárias capazes de inspirar atitudes coletivas em defesa da natureza, promover a cidadania ambiental e mobilizar ações sustentáveis nas Unidades de Conservação (UCs) e outras áreas de relevância ecológica no Amazonas. Desde sua criação, mais de 2.300 comunitários foram capacitados, com ênfase na mediação de conflitos, educação ambiental e gestão participativa dos recursos naturais. 

O Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), desempenhou papel essencial na aplicação e consolidação do programa na região do Médio Solimões. A instituição ofereceu suporte técnico contínuo, além de atuar diretamente na formação de agentes ambientais voluntários, com foco em técnicas de monitoramento participativo, gestão adaptativa e conservação socioambiental.  

“A cogestão foi essencial para que o patrulhamento comunitário não fosse visto como uma imposição externa. As regras, rotas e formas de atuação foram construídas coletivamente, com base na realidade de cada comunidade”, explica o pesquisador no Instituto Mamirauá e primeiro autor do estudo, Caetano Franco. “Esse tipo de gestão compartilhada fortalece o compromisso coletivo com a proteção do território.” 

Segundo a pesquisadora do Instituto Mamirauá, Isabel Soares, que atua há mais de duas décadas na região, o engajamento das comunidades está profundamente enraizado no vínculo com o território: “As pessoas são motivadas a proteger seus territórios porque veem os resultados do seu trabalho refletidos na fartura de recursos naturais, principalmente de pesqueiros. Mas essa proteção voluntária é também uma necessidade”, afirma.

As ações ocorreram principalmente nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá e Amanã, no estado do Amazonas, duas das maiores e mais emblemáticas áreas protegidas da Amazônia brasileira. Juntas, elas somam mais de 3 milhões de hectares de florestas, rios e lagos, abrigando uma biodiversidade única e populações tradicionais que dependem diretamente dos recursos naturais para sua subsistência. Essas reservas integram o maior bloco contínuo de áreas protegidas de várzea tropical do mundo e são reconhecidas como modelos de manejo participativo e conservação integrada entre natureza e comunidades. A relevância dessas áreas para a Amazônia se reflete tanto na proteção da biodiversidade quanto na geração de conhecimento científico, desenvolvimento social, e no fortalecimento de estratégias sustentáveis de uso dos recursos naturais. 

A análise revelou que a detecção de crimes nas Reservas Mamirauá e Amanã aumentava quando havia mais agentes voluntários envolvidos nas patrulhas e mais tempo era dedicado a cada saída. Embora as patrulhas lideradas por informantes representassem apenas 5% do total, elas foram proporcionalmente mais eficazes na detecção de infrações. 

Comparação com fiscalização governamental 

O estudo comparou os resultados do Programa AAV com 69 operações de fiscalização lideradas pelo governo em outras áreas fora das reservas Mamirauá e Amanã, na mesma região da Amazônia e no mesmo período.  

Essas operações, ainda que realizadas com mais recursos e agentes oficiais, não mostraram a mesma tendência de redução na ocorrência de crimes ambientais ao longo do tempo. Isso ressalta a eficácia do engajamento comunitário como estratégia complementar ao modelo tradicional de comando e controle. 

Além disso, o esforço empregado pelas patrulhas voluntárias manteve-se estável ao longo do tempo, indicando que a redução de crimes não foi simplesmente resultado de um aumento de esforço, mas de uma mudança concreta na dinâmica local. 

“Este estudo reforça que conservar a biodiversidade exige mais do que áreas protegidas no papel. É preciso investir em pessoas, relações de confiança e arranjos de governança que valorizem o protagonismo local”, pontua Franco. “Mostramos que comunidades bem equipadas são capazes de gerar resultados concretos — inclusive na ausência de fiscalização estatal tradicional.” 

Tendência de redução e fatores de sucesso 

A redução significativa nos crimes ambientais dentro das áreas protegidas foi atribuída a uma combinação de fatores. Além da atuação direta dos agentes ambientais voluntários, destaca-se o forte senso de pertencimento das comunidades às áreas protegidas, reforçado por sua participação ativa na gestão dos recursos naturais. A inclusão das comunidades nas decisões estratégicas sobre rotas e métodos de patrulhamento aumentou a legitimidade e a eficácia do programa. 

Três elementos fortalecem a evidência de sucesso do programa: 

  • A estabilidade no esforço de patrulhamento ao longo do tempo. 
  • A expansão do programa para novas áreas. 
  • O envolvimento contínuo das comunidades, mesmo sem remuneração formal, motivadas por benefícios socioambientais diretos e pelo reconhecimento institucional


“O histórico de participação social e gestão colaborativa nessas reservas foi fundamental”, afirma Franco. “A existência de uma cultura de diálogo e corresponsabilidade foi potencializada com esse programa de liderança comunitária. E o apoio técnico contínuo do Instituto Mamirauá fez toda a diferença.”

Isabel Soares complementa essa análise com uma perspectiva social:

“Percebo que o nível de organização social de muitas comunidades melhorou muito; as lideranças estão mais empoderadas, dialogando e reivindicando seus direitos junto aos gestores municipais e estadual. Mas essa mudança não é igual para todas as comunidades, muitas ainda precisam de apoio para organização.”

Gênero, representatividade e diversidade

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Foto: Rafael Forte/Reprodução Instituto Mamirauá

Embora apenas 26,5% dos participantes do Programa AAV sejam mulheres, essa proporção tem aumentado ao longo do tempo, refletindo avanços em direção à inclusão e à diversidade. A representação de gênero traz perspectivas distintas e enriquecedoras à proteção ambiental.  

Isabel Soares chama atenção para os desafios enfrentados por mulheres na interface entre compromissos domésticos e o engajamento com a conservação ambiental: “A maioria das mulheres precisa de um longo processo de negociação com seus respectivos maridos para participarem de atividades que culturalmente são dominadas por homens. Tem ainda a dupla jornada de trabalho que elas enfrentam porque as tarefas domésticas são delas e muitas, principalmente aquelas com filhos pequenos, são impedidas de sair para trabalho fora da esfera doméstica. E tem um problema que percebo há algum tempo que é a sobrecarga de atividades que elas estão assumindo, porque há incentivo (inclusive de alguns órgãos de fomento) para as mulheres se envolverem em atividades dominadas por homens, mas não existe o mesmo para homens assumirem atividades domésticas e elas acabam sobrecarregadas.”

Perspectivas para replicação e expansão

O modelo do Programa de Agentes Ambientais Voluntários (AAV) oferece lições valiosas para outras regiões. Sua eficácia está ligada à combinação de: 

“Os princípios centrais do programa – confiança, apoio institucional e protagonismo comunitário – são replicáveis. Mas é essencial respeitar as especificidades de cada território”, reforça Franco. “Não se trata de copiar um modelo, mas de adaptar uma abordagem.” 

Os benefícios vão além da conservação ambiental, promovendo a governança local, a educação ambiental e o fortalecimento do capital social. Investimentos em treinamento, equipamentos e incentivo à participação feminina e jovem são fundamentais para consolidar e ampliar esse modelo. 

Para o analista do Instituto Mamirauá e coautor Paulo Roberto de Sousa, que participou da consolidação do AAV desde os anos 1990, “a experiência de Mamirauá deu certo pelo compromisso da instituição em acompanhar de perto o trabalho dos agentes. Esse suporte contínuo, mesmo nos momentos de transição entre políticas, garantiu a continuidade e a qualidade das ações.” 

Um modelo viável e escalável de conservação

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Foto: Vanessa Eyng/Reprodução Instituto Mamirauá

O estudo reforça que o sucesso do Programa AAV não pode ser atribuído apenas às patrulhas, mas também ao contexto mais amplo de gestão colaborativa, compartilhamento de benefícios e forte senso de pertencimento das comunidades às áreas protegidas. Os agentes ambientais voluntários desempenham papéis centrais na tomada de decisões e na proteção territorial, o que reforça o cumprimento das regras ambientais e fortalece os vínculos entre comunidades e conservação. 

  • Envolvimento comunitário genuíno
  • Apoio técnico e institucional contínuo
  • Reconhecimento formal das funções dos voluntários, com flexibilidade para atuação informal

Programas como este criam condições para que os moradores locais se tornem protagonistas da proteção ambiental, promovendo práticas sustentáveis, transparência e engajamento cívico.  

“A nossa experiência funciona como um ‘farol’ quando se pensa em sistemas de proteção de base comunitária na Amazônia”, afirma Paulo Roberto de Sousa. “Mas não se pode achar que ela só funciona desse jeito. Há diferentes realidades amazônicas e o modelo deve se adequar a essas especificidades.” 

Ele também destaca que “o agente ambiental voluntário é uma marca de inovação nos trabalhos do Mamirauá. O sucesso vem não só da capacitação técnica, mas do respeito às comunidades e da escuta ativa ao longo dos anos.” 

Comunidades protegem a floresta, mas quem protege as comunidades? 

Apesar dos resultados expressivos, é fundamental destacar a necessidade de garantir a sustentabilidade financeira das ações de patrulhamento comunitário. Em muitos casos, os próprios moradores arcam com parte dos custos logísticos e operacionais para proteger seus territórios, o que evidencia tanto o compromisso local quanto à ausência de mecanismos de apoio financeiro contínuo. Além disso, é urgente fortalecer a segurança das comunidades envolvidas, que frequentemente enfrentam riscos reais em contextos marcados por conflitos de interesse, pressões econômicas e a presença de atividades ilegais. Proteger quem protege a floresta deve ser uma prioridade para políticas públicas e parcerias. 

“Hoje, muitos dos agentes continuam ativos mesmo sem o apoio logístico que existia no passado, o que mostra o enraizamento e a força desse modelo”, completa Paulo Roberto. “Mas é urgente que o poder público assuma a responsabilidade de apoiar quem está na linha de frente, oferecendo segurança e reconhecimento institucional.” 

Este texto foi originalmente publicado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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