Entenda a definição de trabalho emocional e como pode causar exaustão e dessatisfação no dia a dia
Você já ouviu falar de trabalho emocional? Embora o termo seja constantemente atribuído à uma série de atividades banais, a sua verdadeira definição vem do livro de 1983, “O Coração Gerenciado: Comercialização do Sentimento Humano”, da autora Arlie Russell Hochschild.
Segundo a socióloga, o trabalho emocional é “a gestão dos sentimentos para criar uma exibição facial e corporal publicamente observável [que é] vendida por um salário”. Ou seja, significa gerenciar emoções para atender às expectativas de um trabalho ou papel social, ou fingir sentir-se diferente do que realmente sente
Um exemplo disso seria empregos na área de atendimento ao cliente, em que trabalhadores que recebem o salário mínimo são obrigados a colocar as suas próprias emoções em segundo plano para agradar terceiros. Os empregos na área de serviços, em geral, exigem que os trabalhadores expressem emoções agradáveis e positivas, algo que muitas pessoas gostam de sentir nos outros.
E, embora esse tipo de trabalho seja importante, ele é, muitas vezes, invisível. E, portanto, acaba cobrando um preço muito alto na saúde mental dos trabalhadores.
Como identificar
Os tipos de trabalho que requerem o trabalho emocional são identificados como aqueles que possuem três dimensões:
- Exigem contato presencial ou de voz com o público.
- Exigem que o trabalhador produza um estado emocional em outra pessoa.
- Permitem aos empregadores, por meio de treinamento e supervisão, um grau de controle sobre as atividades emocionais dos funcionários.
Gênero e trabalho emocional
Segundo Hochschild, o peso do trabalho emocional afeta desproporcionalmente as mulheres que trabalham na área de serviços. Essa análise foi feita através de observação participante, entrevistas e discussões informais com diversos funcionários do setor aéreo. O trabalho emocional, afirma ela, só se aplica a empregos em que o trabalhador precisa expressar sentimentos e criar emoções nos outros enquanto realiza o trabalho.
No entanto, os impactos negativos desse fenômeno não se diferem dos impactos do trabalho realizado por mulheres dentro de casa. De fato, muitos especialistas apontam que as mulheres enfrentam mais trabalho emocional em casa e no trabalho, o que contribui para os desequilíbrios de gênero.
No trabalho, as mulheres muitas vezes são mais atentas às necessidades emocionais dos outros, o que pode dificultar a obtenção de promoções e apenas reforçar a disparidade salarial.
Além disso, empregos na área de prestação de cuidados, como a de professor, são muitas vezes dominados pelas mulheres — e mulheres também são mais propensas do que os homens a abandonar completamente a força de trabalho para ficar em casa e cuidar dos filhos.
Isso não só resulta no peso do trabalho emocional, como cai dentro do espectro de trabalho não-remunerado, que pode levar ao estresse e burnout.
Exemplos de trabalho emocional
Como já mencionado, o trabalho emocional pode ser dividido entre o trabalho realizado em casa, como no âmbito profissional. Confira alguns exemplos do fenômeno:
No trabalho
- Lidar com clientes difíceis: lidar com reclamações de clientes e manter a educação é uma forma de trabalho emocional.
- Manter o moral da equipe alto: incentivar os colegas de trabalho a darem o seu melhor, mesmo quando você está estressado, pode levar ao esgotamento emocional
- Resolver conflitos: intervir para resolver discussões entre colegas, seja em reuniões ou durante um almoço da empresa, pode ser exaustivo e emocionalmente desgastante.
- Apoiar as necessidades emocionais de um colega de trabalho: oferecer um ouvido atento ou dar conselhos, mesmo que não estejam na sua descrição de cargo, é um sinal de que você está fazendo horas extras emocionais.
Em casa
- Manter a harmonia familiar: ser o mediador durante desentendimentos familiares, que muitas vezes podem recair sobre a mãe, pode levar à sensação de esgotamento emocional.
- Lembrar e reconhecer ocasiões especiais: garantir que aniversários e datas comemorativas sejam comemorados já é um trabalho por si só, e quando você é a única pessoa responsável por isso, pode parecer demais.
- Assumir o fardo emocional de cuidar dos filhos: confortar as crianças após um dia difícil, controlar seu humor e lidar com seus medos exige um apoio emocional intenso que pode levar à exaustão
- Ser a pessoa a quem recorrer para desabafar: ser sempre a pessoa que ouve os problemas dos outros sem receber o mesmo apoio em troca pode levar ao esgotamento emocional e até mesmo ao ressentimento.
Consequências
A mudança do uso das emoções dentro de um âmbito privado para um espaço profissional pode ter impactos negativos na saúde mental, segundo um estudo.
“Gerenciar as emoções para atender às demandas do trabalho pode levar à exaustão, insatisfação e reações negativas dos clientes”, explica Omar Itani, professor associado de marketing na Universidade Libanesa Americana, co-autor do estudo.
Segundo o especialista, isso se dá porque a satisfação com o trabalho é essencial para o bem-estar em geral, incluindo a saúde mental.
Em cargos de vendas, por exemplo, em que os funcionários frequentemente enfrentam rejeição, a pressão para ter um bom desempenho pode levar a um desgaste emocional significativo. Mais de 70% dos profissionais de vendas também relataram problemas de saúde mental no relatório “Estado da Saúde Mental em Vendas” de 2024.
De fato, os pesquisadores identificaram o trabalho emocional como um dos dois principais impulsionadores do burnout e no detrimento da saúde mental.
Em sua obra original de 1983, Hochschild também explica a causa desse fenômeno. Segundo a autora, realizar trabalho emocional pode induzir o que ela chamou de “dissonância emocional”. Ela explicou que isso ocorre quando os trabalhadores são obrigados a demonstrar emoções, independentemente de elas corresponderem ou não aos seus verdadeiros sentimentos.
Com o tempo, Hochschild diz que isso pode levar os trabalhadores a desenvolver uma sensação de angústia e uma série de problemas relacionados à identidade que afetam o bem-estar psicológico.
Como lidar com as consequências do trabalho emocional
De acordo com os pesquisadores, a prática de exercícios de atenção plena podem ajudar a lidar com o esgotamento emocional e a tensão mental do trabalho. No entanto, eles também ressaltam a importância do papel de gerentes e outros empregados em posições superiores.
“Um ambiente de trabalho acolhedor, com recursos de saúde mental, autonomia e check-ins regulares, é essencial. Aprimorar a inteligência emocional por meio de treinamentos ajuda os funcionários a gerenciar as emoções de forma eficaz, promovendo interações autênticas”, diz Kash Afshar, professor assistente de marketing da Universidade do Mississippi e autor do estudo.
“Estratégias de liderança ética, reconhecimento e autorregulação, como atenção plena e gerenciamento de estresse, dão ainda mais suporte ao bem-estar dos funcionários.”
Ademais, é importante lembrar a importância da gestação da saúde mental no dia a dia. Além de práticas éticas dentro do ambiente de trabalho, pessoas afetadas pelo trabalho emocional também podem buscar auxílio por fora — nesse caso, procurando ajuda de profissionais de saúde mental.
Mesmo fora do âmbito profissional, lembre-se de que você não precisa carregar o fardo do trabalho emocional sozinho. Procure ajuda.