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Novo material desenvolvido por startup apoiada pelo PIPE-FAPESP é baseado em estratégia inovadora que utiliza fibras de celulose para desmontar cristais de grafite

Por Fábio de Castro em Pesquisa para Inovação – A partir de uma estratégia inovadora que utiliza fibras de celulose para “desmontar” cristais de grafite, a empresa Galembetech, sediada em Campinas, desenvolveu um novo material retardante de chamas. O novo produto nanotecnológico, desenvolvido com apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), está sendo utilizado na fabricação de tintas que impedem a propagação de chamas em superfícies e construções de madeira, entre outras aplicações.

Segundo Fernando Galembeck, fundador da empresa e professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o novo material retardante de chamas, batizado de ERG (sigla em inglês para Grafite Esfoliado e Reorganizado), faz parte de uma plataforma de produtos da empresa que são integralmente baseados em celulose e grafite.

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“Basicamente, utilizamos as fibras de celulose para esfoliar – ou desmontar, por assim dizer – os cristais do grafite. Quando as tintas são aplicadas e secam, os cristais se reorganizam, formando revestimentos extensos de grafite laminado que têm condutividade térmica, elétrica e resistência à chama excepcionais”, diz Galembeck.

De acordo com o cientista, o grafite é um mineral ultraleve, formado por lâminas de grafeno empilhadas, como em um pacote de papel de escrever ou um baralho de cartas. As lâminas de grafeno têm propriedades mecânicas, elétricas e térmicas notáveis, mas são extremamente finas. Um dos problemas do grafeno é que, quando se tenta aumentar a sua espessura, empilhando algumas lâminas, o material perde várias de suas propriedades especiais.

“Com nossa estratégia de esfoliação, conseguimos obter filmes de grafite reorganizado que têm resistência muito mais baixa que a do grafeno. Assim conseguimos fazer filmes mais espessos que conduzem muito bem a eletricidade e o calor”, afirma o cientista.

Foco nos derivados de madeira

Quando uma superfície de madeira é exposta à chama, o local atingido é aquecido até pegar fogo. Essa tem sido a causa de pequenos e grandes desastres, como o incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e o que danificou seriamente a Catedral de Notre-Dame, na França. A condutividade do ERG, porém, permite que o calor se espalhe pela superfície, protegendo a madeira das chamas.

“Uma camada de ERG sobre a madeira conduz o calor de forma muito eficiente para fora do ponto de contato com a chama – e o material não esquenta a ponto de se inflamar. Além disso, essa camada de ERG dificulta o acesso do oxigênio do ar à madeira, isolando-a. Sem oxigênio, não há fogo”, explica Galembeck.

Por conta dessas propriedades, o produto despertou grande interesse da indústria de derivados de madeira. Em 2021, por exemplo, as exportações brasileiras de derivados de madeira, exceto papel e celulose, aumentaram 27% em relação ao ano anterior, chegando a US$ 381 milhões.

“Nosso foco são os produtores de madeira industrial para portas, vigas, caibros e assim por diante. Estamos no momento apresentando o produto para o mercado, isto é, entrando em contato com possíveis interessados, discutindo com eles as peculiaridades de aplicação e acordos de desenvolvimento conjunto, que irão levar em conta eventuais adaptações para cada usuário.”

Os testes em laboratório mostraram que, com o revestimento de ERG, a madeira se torna resistente às chamas. Mas o maior atrativo para a indústria, segundo Galembeck, é que esses resultados não foram garantidos apenas pelos ensaios de bancada. No segundo semestre de 2020, um laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) estabeleceu que a tinta da Galembetech alcança o nível mais alto na classificação estabelecida pelas normas técnicas para avaliar a eficiência contra as chamas.

“A diferença entre o laudo e o resultado de laboratório é que o laudo tem valor legal, por ter sido emitido por uma instituição credenciada, com normas rígidas. Portanto, podemos dizer com segurança que temos uma tinta retardante de chamas”, explica Galembeck.

De acordo com ele, a propriedade intelectual de produção e aplicação de dispersões de grafite esfoliado está protegida por patentes no Brasil, no exterior e por segredos industriais relacionados à preparação e aplicação dos produtos da empresa. A produção do material será feita pela própria Galembetech e empresas parceiras.

“Temos uma sede administrativa com um laboratório para atividades secas em Campinas e a fabricação é feita em uma empresa parceira, a SP Tecnologia, em Mogi Mirim, onde também produzimos materiais revestidos. Nossa capacidade própria de produção é da ordem de 4 toneladas por mês. Quando a demanda superar essa capacidade, entrarão em cena nossos parceiros, que têm instalações de maior porte, capazes de produzir lotes muito maiores”, afirma o químico.

Fabricação da tinta

O apoio do projeto PIPE, iniciado em 2018 e encerrado no segundo semestre de 2021, permitiu a instalação da unidade da empresa em Mogi Mirim, para o desenvolvimento e a fabricação das tintas, assim como a aquisição de parte dos equipamentos, segundo Galembeck.

“Quando percebemos que havíamos descoberto um processo de fabricação de uma tinta condutora elétrica muito efetiva, fizemos a primeira proposição de desenvolvimento do produto e obtivemos o apoio do PIPE.”

Mas o projeto acabou rendendo bem mais que a tinta retardante de chamas, segundo Galembeck: resultou na criação de uma plataforma de desenvolvimento. Os cientistas logo perceberam que essas tintas e revestimentos têm diversas outras aplicações em diferentes áreas.

“Trabalhamos com poucas matérias-primas em vários projetos, que têm aplicações muito diferenciadas, inclusive nas áreas de energia e descontaminação ambiental. Mas o projeto da tinta retardante de chamas é o que está em estágio mais adiantado de desenvolvimento de produto”, diz Galembeck.

Esfoliação do grafite

A Galembetech foi inaugurada no início de 2016 e as pesquisas que mais tarde resultariam na inovação tecnológica do ERG tiveram início já no ano seguinte, com a participação das pesquisadoras Leandra Pereira dos Santos e Elisa Silva Ferreira. Leandra finalizou em 2013 seu doutorado em química na Unicamp, sob orientação de Galembeck, e durante o pós-doutorado foi integrada à Galembetech. Elisa concluiu em 2016 o mestrado na Unicamp, também sob orientação do pesquisador.

“A semente deste trabalho está na dissertação de mestrado da Elisa. Foi ali que surgiu a descoberta de que é possível esfoliar o grafite com celulose para fabricar um filme. Nessa altura, não tínhamos ideia de quantas aplicações iriam surgir. A doutora Leandra, já na empresa, fez a primeira caracterização das propriedades retardantes de chama”, diz Galembeck.

Inicialmente, o trabalho tinha foco em pesquisas com as características singulares da celulose. O material não se dissolve em praticamente nada, segundo o cientista.

“A razão para essa característica da celulose foi um problema científico que durou muitos anos, até que por volta de 2010 o químico sueco Bjorn Lindman levantou a hipótese de que a celulose não se dissolve em nada por ter um caráter anfifílico, isto é, tem uma parte compatível com óleos – que impede sua dissolução em água – e outra compatível com água, que impede a dissolução em óleos”, explica Galembeck.

A proposta de Lindman foi inicialmente ridicularizada, mas hoje é aceita pela maior parte dos cientistas, por ter se mostrado bem-sucedida em diversos experimentos posteriores. “Inicialmente, no laboratório, propus uma hipótese inteiramente acadêmica: se o Lindman está certo, a celulose deve se entremear com outras moléculas que também têm essa característica nano-hidrofóbica. A possibilidade mais lógica para testar essa hipótese era o uso do grafite”, diz.

A fibra de celulose, segundo Galembeck, é formada por longas cadeias que se empilham e ficam presas umas nas outras, pelas faces hidrofóbicas. Já o grafite é formado por pequenas lâminas planas, que se empilham como cartas de baralho. Há algum tempo sabe-se que uma pequena quantidade de soda cáustica adicionada à água é capaz de separar as cadeias de celulose. Com esses elementos, o pesquisador iniciou uma série de experimentos.

“As cadeias de celulose separavam as lâminas de grafite, ligando-se e superpondo-se a elas, como se ficassem embaralhadas com as lâminas. Observamos então que ao deixar uma solução de celulose com um pouquinho de soda cáustica misturada ao grafite, esse processo de ‘embaralhamento’ acontece de forma espontânea. As cadeias de celulose literalmente se enfiam no meio das lâminas de grafite”, explica Galembeck.

Essa tendência dos dois elementos se misturarem de forma espontânea, segundo o cientista, resulta em um processo de fabricação muito brando, que dispensa o uso de ultrassom – um método utilizado em operações desse tipo – ou de temperaturas altas, por exemplo.

“O processo até surpreende pela simplicidade, mas o sucesso do resultado é evidente. Conseguimos fabricar folhas de até 5 metros com esse material para aplicação em madeira, papel, tecido e cimento. Apenas fazemos a solução de celulose e acrescentamos o grafite sob agitação, É preciso controlar um pouco as condições para evitar que se formem agregados ou grumos, mas são cuidados conhecidos para a indústria de tintas”, diz.

Assim, as fibras de celulose “desmontam” os cristais de grafite, que formam camadas entremeadas de celulose. Como a celulose é compatível com a água, esses cristais menores de grafite ficam suspensos no líquido, formando a tinta. Quando a tinta seca, forma-se o filme.

“Quando o produto é aplicado numa superfície, os cristais de grafite que estavam no meio líquido secam e ocorre um processo muito importante. Era a soda cáustica que mantinha a celulose dissolvida, possibilitando que o grafite se mantivesse disperso. Quando a tinta seca, a soda cáustica entra em contato com o gás carbônico do ar e se transforma em bicarbonato de sódio – substância bastante inofensiva –, eliminando os riscos corrosivos da soda cáustica”, explica Galembeck.

Com a tinta aplicada, portanto, a soda cáustica desaparece e a celulose se torna insolúvel. Por isso, a celulose, que era antes o dispersante do grafite, torna-se justamente a cola do grafite. “A partir daí, podemos colocar o grafite na água e ele não vai mais se dispersar”, afirma o pesquisador.

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Solução premiada

Com esse projeto, a empresa foi vencedora, em dezembro de 2020, do Prêmio Abrafati, concedido pela Associação Brasileira de Fabricantes de Tintas.

Também em 2020, a Galembetech recebeu o Prêmio Kurt Politzer de Inovação para Startups, da Associação Brasileira da Indústria Química, pelo estabelecimento de uma plataforma de desenvolvimento de nanomateriais de fontes renováveis.

Galembeck recebeu ainda o Prêmio da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) – uma das principais honrarias em tecnologia no país –pelos impactos relevantes ao país no desenvolvimento tecnológico.


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