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Populações de símios e lêmures encontradas em áreas habitadas por povos tradicionais correm menos risco de extinção

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Por Eduardo Geraque em Pesquisa Fapesp | A destruição das matas e das populações tradicionais coloca em risco a sobrevivência das espécies de macacos do planeta. Segundo uma extensa revisão bibliográfica publicada em agosto na revista Science Advances, 30% da área de distribuição de primatas não humanos está dentro de terras indígenas e 71% de suas 521 espécies podem ser encontradas nesses territórios. Cerca de metade das espécies que vivem em terras indígenas é do Neotrópico (América Central e do Sul), pouco mais de um quarto é da região indo-malaia e 24% da África. Os dados fazem parte de um trabalho realizado por um grupo internacional de pesquisadores de 25 instituições de 13 países, inclusive do Brasil, que usou informações relativas ao período entre 2000 e 2015.

A análise espacial indica que as populações de macacos, símios e lêmures se encontram mais protegidas nos locais em que os povos tradicionais conseguiram manter sua cultura de forma mais autônoma em relação à sociedade atual. “Há uma sobreposição, pelo menos parcial, da maioria das espécies de primatas com os territórios indígenas”, diz o ecólogo Ricardo Dobrovolski, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), um dos autores do trabalho. “As espécies que vivem nesses focos de resistência têm uma chance menor de estar sob risco de extinção e formam algo que podemos chamar de quilombos da biodiversidade.”

Três espécies de primatas das Américas do Sul e Central: bugio-ruivo…Renato Augusto Martins / Wikimedia Commons

Mais de 90% das espécies cujo hábitat não abrange terras indígenas estão ameaçadas de extinção. Entre as que podem ser encontradas nos territórios dos povos tradicionais, a proporção cai para 55%. “Quanto maior for a área de distribuição protegida, menor é o risco de as espécies de primatas serem classificadas como ameaçadas de extinção ou terem populações em declínio”, afirma Alejandro Estrada, do Instituto de Biologia da Universidade Nacional Autônoma do México, primeiro autor do trabalho.

Nos trópicos americanos e na África continental, 44% das espécies de primatas correm algum risco de desaparecer, de acordo com o artigo. Seu estado de conservação é classificado como vulnerável, em perigo ou criticamente em perigo. A situação é muito mais grave na região indo-malaia e em Madagascar, onde 88% e 96% dos primatas, respectivamente, estão ameaçados de extinção. “O estado de conservação desse grupo animal difere significativamente entre as regiões do mundo”, comenta o primatólogo Paul Garber, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, que também participou do trabalho.

macaco-prego-das-guianas…Dave Curtis

A forma como uma determinada paisagem rica em biodiversidade é protegida também parece ser relevante, indica a pesquisa. Nos trópicos americanos, a quantidade de zonas com vegetação alterada aumenta quanto mais longe elas estiverem dos limites dos territórios indígenas. Enquanto na zona indo-malaia a destruição é observada logo próximo das divisas dos locais sob proteção formal, na África não se registrou diferença significativa. Existem locais destruídos tanto fora quanto dentro das terras indígenas.

Garber explica que a riqueza de espécies de primatas é maior nas terras indígenas e nas unidades de conservação ambiental, onde também há muitos macacos, principalmente nos trópicos americanos e na área indo-malaia. “Mas esse não é o caso da África, o que parece refletir os efeitos históricos do colonialismo. Os povos originais da África foram forçados a deixar suas terras tradicionais, ricas em biodiversidade, antes de essas áreas terem sido convertidas em unidades de conservação”, explica o primatólogo norte-americano.

e muriqui-do-nortePablo Fernicola / Wikimedia Commons

Bugios sob alta pressão

No Brasil, a situação difere um pouco do que foi encontrado em outras partes do planeta. “Chega a surpreender a pequena proporção da área de distribuição dos primatas (14%) inserida em terras de povos indígenas”, informa o primatólogo Júlio César Bicca-Marques, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), outro autor do estudo. Embora o sistema nacional de unidades de conservação ambiental cubra outros 34% da área de ocorrência dos primatas, mais da metade dela (52%) está em regiões sujeitas a um maior impacto das atividades econômicas.

Segundo o estudo, esse cenário pode ser exemplificado pela distribuição de duas espécies de primatas no território brasileiro, o bugio-ruivo (Alouatta guariba), comumente encontrado na Mata Atlântica, e o bugio-preto (Alouatta caraya), que vive no sudoeste e centro do país. “Mais de 80% das áreas de ocorrência desses bugios estão fora de terras indígenas ou unidades de conservação. Isso significa que eles têm uma alta suscetibilidade a pressões humanas negativas”, afirma Bicca-Marques. “Essas duas espécies também são vulneráveis ao vírus da febre amarela durante surtos silvestres da doença nas paisagens fragmentadas onde elas vivem. Para elas, a exemplo do que ocorre com outros grupos de animais, a perda de hábitat com o avanço da agropecuária, da urbanização e da construção de infraestrutura de transporte é crescente.”

O primatólogo Wilson Spironello, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), concorda com a conclusão geral do trabalho, que destaca a importância das terras indígenas para a conservação da biodiversidade de macacos. No entanto, aponta que algumas peculiaridades também precisam ser levadas em conta, visto que certas espécies têm área de distribuição restrita. “O grau de preservação das populações de primatas vai depender do tamanho da terra indígena e da pressão de caça que esses animais sofrem nas reservas”, comenta Spironello, que não participou do estudo. “Os próprios indígenas consomem esses animais como fonte de recursos. O importante é analisar caso a caso.”

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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