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O uso de hidratantes, sabonetes faciais comuns e alisantes com formol pode ser prejudicial para quem tem predisposição genética para alopecia frontal

Há 20 anos, em seu consultório em Curitiba, a dermatologista Fabiane Brenner, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), atendeu uma mulher de 87 anos queixando-se de que o cabelo estava caindo e “andando para trás”, como ela dizia. A causa, descobriu a médica, é a alopecia frontal fibrosante, um tipo de queda de cabelo ainda sem cura. Em geral ocorre em mulheres na pós-menopausa, mas tem sido diagnosticada em jovens e às vezes em homens. É o resultado de um processo inflamatório e a consequente destruição dos chamados folículos capilares, que contêm a raiz do cabelo: a cicatrização da pele ao redor dos folículos impede que os fios nasçam ali. A linha do couro cabeludo regride – em média 1 centímetro por ano – e torna a testa cada vez mais alongada. É um fenômeno distinto da calvície, que tem origem diferente.

Brenner reuniu esse e outros cinco casos, provavelmente os primeiros descritos no país, em um artigo publicado em 2007 na revista Anais Brasileiros de Dermatologia. Nos últimos anos, como outros médicos, ela tem observado um aumento no número de casos – atualmente, cinco novos por mês, em seu consultório e no Ambulatório de Desordens do Cabelo do Hospital de Clínicas da UFPR. Pesquisas mais recentes associaram a alopecia frontal ao uso de cosméticos, que poderiam desencadear processos inflamatórios em quem já tem predisposição genética. Brenner participou de uma delas, resultando em artigo científico publicado em março de 2021 na revista Journal of the American Academy of Dermatology, que indicou o uso contínuo de hidratantes ou sabonetes faciais comuns, não receitados por dermatologista de acordo com o tipo de pele, como responsáveis por aumentar em duas vezes o risco de desenvolver a inflamação.

“Os compostos químicos do sabonete ou hidratante que tocam a linha do couro cabeludo poderiam penetrar nos folículos capilares, induzindo o processo inflamatório que resulta na queda de cabelo”, propõe o dermatologista Hélio Miot, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu e coautor do estudo. Segundo ele, compostos de cosméticos como os hidratantes, que precisam ficar na pele, sem enxágue, teriam condições ainda mais favoráveis para chegar aos folículos.

As conclusões desse trabalho se apoiaram em informações de 902 pacientes de 11 centros dermatológicos do país, integrando grupos de pesquisa de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Brasília. Os participantes responderam a um questionário on-line sobre eventuais alergias e desequilíbrios hormonais, alimentação e cuidados com os cabelos e a pele durante os cinco anos anteriores aos primeiros sintomas (além da queda de cabelo, falhas na sobrancelha e em outros pelos do corpo, sensibilidade e coceira no couro cabeludo). Em seguida, eles foram divididos em dois grupos: metade com alopecia frontal fibrosante (96% mulheres, com idade média de 53 anos) e metade, o grupo-controle, com outros tipos de queda de cabelo. Nas pessoas com alopecia frontal, o diagnóstico foi feito, em média, aos 47 anos (pré-menopausa) e 9% tinham histórico da doença na família.

“Encontramos uma família no estado de São Paulo com sete pessoas com esse problema”, relata Miot. “Estudos anteriores já haviam apontado uma base genética para o desenvolvimento da doença, que estaria ligada ao HLA [antígeno leucocitário humano], uma molécula que dispara as reações contra agentes externos e, nesse caso, poderia causar a inflamação responsável pela destruição dos folículos.”

Para a dermatologista Cristina Figueira de Mello, do Ambulatório de Cabelos e Unhas do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), “os resultados poderiam decorrer do uso intensivo de cosméticos nas últimas décadas”. Segundo a médica, que não participou do estudo, esse tipo de queda de cabelo deve decorrer do uso combinado de “produtos que desencadeiam uma reação inflamatória em pessoas geneticamente predispostas”.

Descrita pela primeira vez em 1994 na Austrália, a alopecia frontal tem sido associada ao uso de protetores solares, embora não exista consenso entre os dermatologistas. Em pesquisa publicada em abril de 2019 na revista British Journal of Dermatology, dermatologistas australianos entrevistaram 260 mulheres, metade com alopecia frontal, e constataram que 92% das que tinham esse problema usavam filtro solar de forma regular, ante 40% do outro grupo. As que usavam hidratantes faciais eram 62% e 55%, respectivamente, em cada grupo. Os pesquisadores concluíram que a alta frequência no uso de protetor solar apoiaria a hipótese de que seu uso na região da testa poderia estar associado ao problema.

Pesquisadores espanhóis, com base em um questionário respondido por 770 pessoas, também associaram esse tipo de queda de cabelo com o uso de filtros solares em mulheres e o emprego de creme anti-idade em homens, como relatado em um artigo em junho de 2019 na revista Clinical and Experimental Dermatology. Eles concluíram que a alopecia frontal parece estar associada à utilização de protetores solares e cremes anti-idade, além de questões hormonais e comorbidade como rosácea e hipotireoidismo.

Já no estudo de Brenner, os pesquisadores não encontraram essa mesma relação observada na Austrália e Espanha: 40% das pessoas com alopecia pesquisadas no Brasil relataram a aplicação de protetor solar de forma regular há mais de cinco anos, enquanto 35% das do grupo-controle o usavam – uma diferença mínima entre os dois grupos.

“O efeito dos filtros ainda é um assunto controverso”, afirma Miot. Para ele, o resultado do estudo brasileiro poderia ser explicado por diferenças na composição dos produtos. “Cada país tem uma legislação própria sobre o emprego de conservantes e estabilizantes em protetores solares e outros cosméticos. É uma hipótese. Isso não quer dizer que aqui exista uma regulação melhor, apenas que elas são diferentes”, diz. “Em uma próxima etapa da pesquisa, tentaremos avaliar separadamente os efeitos das substâncias dos sabonetes e hidratantes.”

Brenner destaca que, apesar de alguns estudos internacionais sinalizarem uma correlação do uso do filtro solar com alopecia frontal fibrosante, ela não recomenda a suspensão de seu uso. “No Brasil, especialmente na região Sul, com muitas pessoas de pele clara e alta incidência de câncer de pele, a suspensão do uso do filtro solar pode ser mais prejudicial do que protetora da alopecia frontal”, afirma.

Alisamento com formol
Outro produto relacionado à alopecia frontal fibrosante é o alisante capilar com formol, que poderia aumentar em três vezes o risco de desenvolver a inflamação, concluiu o grupo da UFPR e da Unesp. “Isso não significa que o formol cause a doença, mas que ele poderia favorecer seu surgimento em pacientes geneticamente predispostos. É um fator de risco e não uma causa”, pontua Brenner, que coordena o Departamento de Cabelos e Unhas da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). “O alisamento com formol é uma peculiaridade do estudo brasileiro.”

Em 2019, 35% dos agentes de fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 21 estados e do Distrito Federal relataram ter encontrado cosméticos com mais formol do que é permitido. A legislação brasileira limita a 0,2% a concentração dessa substância, como conservante, em produtos cosméticos. Seu uso como alisante é proibido porque precisaria necessariamente ter uma concentração maior para proporcionar o efeito desejado. Além de causar a queda de cabelo, o formol é cancerígeno e irritante para a pele, entre outros efeitos indesejados.

“Os componentes de alisantes e das tinturas de cabelo poderiam ter um efeito similar aos do filtro solar, ativando a resposta inflamatória nos folículos”, afirma a dermatologista Letícia Kusano, primeira autora de um estudo de maio de 2019 da revista Anais Brasileiros de Dermatologia. Nesse trabalho, 86% de 39 mulheres entrevistadas, todas com alopecia frontal, usavam tinturas e produtos para alisamento dos cabelos e 39% empregavam protetor solar de forma rotineira.

Usar xampus antirresíduos poderia proteger contra esse tipo de queda de cabelo, segundo o estudo do grupo da UFPR e da Unesp. Segundo Miot, outra forma de prevenir o problema seria usar sabonetes infantis ou próprios para o rosto, cujos componentes não causam irritação, alergias e, em consequência, inflamação dos folículos. Uma vez diagnosticada, a alopecia frontal pode ser tratada com anti-inflamatórios e bloqueadores de hormônios, que podem parar a queda dos cabelos. Se o folículo não foi destruído, os fios podem voltar a crescer.

Artigos científicos

KUSANO, L. D. C e MULINARI-BRENNER, F. Frontal fibrosing alopecia: Follow-up of a brazilian group. Anais Brasileiros de Dermatologia. v. 94, n. 3, p. 365-6. mai. 2019.

MORENO-ARRONES, O. M. et al. Risk factors associated with frontal fibrosing alopecia: A multicentre case-control study. Clinical and Experimental Dermatology. v. 44, n. 4, p. 404-10. jun. 2019
MULINARI-BRENNER, F. et. al. Alopecia frontal fibrosante: Relato de seis casos. Anais Brasileiros de Dermatologia. v. 82, n. 5, p. 439-44. out. 2007.
RAMOS, P. M. et al. Risk factors for frontal fibrosing alopecia: A case-control study in a multiracial population. Journal of the American Academy of Dermatology. v. 84, n. 3, p. 712-8. mar. 2021.
CRANWELL, W. C e SINCLAIR, R. Sunscreen and facial skincare products in frontal fibrosing alopecia: A case-control study. British Journal of Dermatology. v. 180, n. 4, p. 943-4. abr. 2019.


Este texto foi originalmente publicado pela Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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