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Surfistas e voluntários mapeiam outros desses fenômenos na Amazônia brasileira após o assoreamento do Rio Araguari, no Amapá. Eles querem criar um “Parque das Pororocas”

Por Aldem Bourscheit em Mongabay Brasil

  • Há pororocas no Amapá, Maranhão e Pará, e todas resultam do avanço das águas do Atlântico sobre o leito dos rios amazônicos, formando ondas de vários metros de largura.
  • A maior das pororocas brasileiras era no Rio Araguari, que deixou de existir em 2015 devido ao assoreamento do manancial, causado pela pecuária de búfalos, desmatamento e instalação de hidrelétricas.
  • Os entusiastas do fenômeno sustentam que a criação de um parque de pororocas pode alavancar o turismo no litoral amazônico, levando renda a comunidades extrativistas.

A extinção da grande pororoca do Rio Araguari, no Amapá, levou esportistas e voluntários a mapear no estado outras ondas formadas pelo poderoso encontro das águas doces com o Atlântico. Mais de uma dezena já foram listadas. Um projeto de parque com essas formações quer expandir um turismo organizado e beneficiar populações ribeirinhas e extrativistas.

Na língua Tupi, pororoca significa “estrondo”. Termo adequado para o rugido das águas do Atlântico adentrando e formando ondas ao longo de dezenas de quilômetros em rios da Amazônia. O fenômeno ocorre no Amapá, Maranhão e Pará, estados com grande variação de marés, de até 7 metros. A maior dessas ondas era a do Rio Araguari, assoreado desde meados da década passada.

A morte daquela pororoca disparou uma caçada por ondas em rios regionais. Praticantes de surfe, de remo em pé (stand up paddle) e outros esportes aquáticos, além de pescadores e voluntários, já mapearam mais de dez outras pororocas. Muitas estão em Unidades de Conservação e Terras Indígenas. As buscas são bancadas com recursos próprios e de apoios governamentais.

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“Queremos organizar as informações e criar um Parque das Pororocas, em parceria com setor privado e poder público. Queremos um turismo acessível para todas as pessoas”, explica Jim Davis, presidente da Associação dos Velejadores do Amapá (Avap).

A fórmula foi bem-sucedida em outras regiões. No nordeste do Pará, um festival de pororocas ocorre desde 1997 no Rio Guamá e vem ajudando a melhorar a economia e a infraestrutura do município de São Domingos do Capim.

Pororoca no rio Guamá, em São Domingos do Capim (PA). Foto: Maycon Nunes/Agência Pará

As pororocas mapeadas no Amapá estão em rios como Cassiporé, no Parque Nacional do Cabo Orange; Flechal, Amapá Grande e Macari, no município de Amapá; Uaçá, na Terra Indígena de mesmo nome; Cunani Calçoene, no município de Calçoene; e em cursos d’água na Estação Ecológica de Maracá-Jipioca e na Reserva Biológica do Lago Piratuba.

Mas a melhor das pororocas está no Maranhão, avalia o paranaense Serginho Laus, que surfa desde menino. Ele ganhou espaço no Guinness Book surfando por quase 12 quilômetros ininterruptos a finada pororoca do Araguari. Ela atingia até 6 metros de altura, 30 km/h e 50 quilômetros rio acima.

“Peguei quase todas as outras ondas na Amazônia. Muitas estão em pontos bem remotos, difíceis de alcançar. A melhor hoje é a do Rio Mearim. Ela parece uma ‘mini pororoca do Araguari’, rio que tinha as melhores ondas”, ressalta Laus. Com 930 km de extensão, o Mearim é o maior rio maranhense.

Os estudos do Parque das Pororocas devem ser encaminhados aos governos estadual e de municípios amapaenses em até dois anos. Apoio externo não está descartado, como da Save the Waves. A ONG tenta preservar zonas de surfe com ondas excepcionais mundo afora. No Brasil, por enquanto está listada apenas a região da Guarda do Embaú, em Santa Catarina.

“Estamos pavimentando a estrada para começar uma grande viagem”, diz Jim Davis, da Avap, apostando no potencial do turismo no litoral amazônico. “Hoje muitas pessoas querem sair da região costeira pela falta de opções econômicas sustentáveis. O turismo fraco potencializa a pesca e o comércio de peixes e bexigas natatórias (grude) por empresas. Todo mundo aproveita, menos o povo do Amapá.”

Focado em atrativos como a foz do Rio Amazonas, cachoeiras e rios em Laranjal do Jari, visitas à Linha do Equador, em Macapá, ou a áreas protegidas em Oiapoque – no extremo norte do país -, o turismo no Amapá pode ganhar força com novas pororocas estruturadas, aposta Sandro Borges, diretor de Planejamento na Secretaria Estadual de Turismo.

“A catalogação de novos pontos com ondas e o projeto do Parque das Pororocas são superpositivos. Com isso, será possível observar e surfar pororocas o ano inteiro, retomar essa visitação nacional e internacional e ajudar na arrecadação da capital, de vários municípios e do setor de turismo como um todo”, diz Borges.

A morte da grande pororoca

Pesquisador na Universidade Federal do Amapá (Unifap), Eldo Santos estuda pororocas desde 2010. Para ele, a pecuária é uma das maiores causas da extinção do fenômeno no Rio Araguari. Margens derrocadas e valas abertas por mais de 200 mil búfalos começaram a assorear e tirar água do manancial. Enfraquecido, o Araguari desviou para o Rio Amazonas pelo Canal de Urucurituba.

“Em 2000, já se via origens do canal. Em 2013, já estava praticamente aberto e tinha até 40 metros de profundidade. Cheias nos anos seguintes consolidaram a conexão com o Rio Amazonas. Hoje, do canal à foz do Araguari é terra firme, com vegetação. Não há mais como reverter o assoreamento”, diz Santos, doutor em Biodiversidade Tropical pela Unifap.

Imagens de satélite de 1999 e 2017 mostram desvio das águas do Rio Araguari ao Rio Amazonas pelo Canal do Uricurituba (à esquerda na segunda imagem). Crédito: Amazon Hydrology From Space: Scientific Advances and Future Challenges

Estudos apontam que o Araguari também perdeu potência graças às barragens das hidrelétricas de Coaracy Nunes (inaugurada em 1975), Ferreira Gomes (em 2014) e Cachoeira Caldeirão (em 2016). As obras teriam freado o fluxo e potencializado a sedimentação natural do manancial. Os rios amazônicos são a maior fonte global de sedimentos para o Atlântico.

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“Parte da sedimentação é natural, mas no caso do Araguari houve uma associação de fatores numa região onde o solo é facilmente moldado. O rompimento da conexão com o mar mudou a biodiversidade do rio e prejudicou populações aumentando a salinização de cursos d’água na região”, destacou Eldo Santos, da Unifap.

O Arquipélago do Bailique, na foz do Amazonas, padece com o acúmulo de água salgada. Seus 13 mil moradores vivem basicamente da extração do açaí e da pesca, que se tornou tão escassa quanto a água doce para beber e cozinhar. O problema pode estar sendo causado pela subida do nível do mar, um resultado das alterações do clima, e pelo colapso do Rio Araguari, que reduziu o fluxo regional de água doce.

A foz assoreada do Rio Araguari. Imagem: Google Earth

Estrondos globais

O catarinense Guga Arruda foi o primeiro a encarar a pororoca do Rio Araguari, em 1997. Dois anos depois, Serginho Laus seguiu a mesma trilha. “A onda foi maravilhosa, perfeita e longa. Aquilo mudou minha vida”, lembra. Com 23 anos de pororocas surfadas, Laus hoje explora ondas semelhantes em países onde também há grande diferença entre as marés alta e baixa.

Nessa jornada, já surfou pororocas em lugares como China, Indonésia, Alasca (Estados Unidos), Índia, Malásia, Canadá, Papua Nova Guiné e Reino Unido – que seria o berço do “surfe de maré”. “Meu projeto é ser o primeiro brasileiro em todas as pororocas globais. Poucas estão em áreas tão preservadas quanto as brasileiras”, constatou Laus.

Foto aérea de pororoca na foz do Rio Amazonas feita durante a expedição Corais da Amazônia (2018), do Greenpeace, na costa do Amapá. Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace.

Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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