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Descobertas abrem caminho para a identificação de vias bioquímicas importantes que podem ajudar a desenvolver novas variedades de cana ou de plantas transgênicas úteis para a produção de bioetanol

Imagem: divulgação

O desenvolvimento de uma variedade de cana-de-açúcar com menor teor de sacarose (açúcar) e maior quantidade de fibra e de matéria orgânica vegetal (biomassa) – a chamada cana-energia –, voltada à produção de etanol celulósico ou bioeletricidade, ou com maior teor de sacarose, direcionada à produção de açúcar e de etanol de primeira geração, pode estar próximo de se tornar realidade.

Pesquisadores dos Institutos de Química (IQ) e de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com colegas dos Departamentos de Biologia Vegetal e de Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), de Minas Gerais, do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol, identificaram genes associados à produção de compostos químicos (biossíntese) da parede celular da cana-de-açúcar. Entre eles a lignina, que é importante para a produção de bioeletricidade por ter alto poder calorífico.

Resultado de um Projeto Temático financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no âmbito do Programa Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), e de um acordo de cooperação com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), o estudo foi publicado como artigo de capa da edição de maio da revista Plant Molecular Biology.

O estudo também faz parte de um estudo de pós-doutorado, realizado com apoio da Fapesp.

“Nossas descobertas abrem caminho para a identificação de vias bioquímicas importantes que podem ajudar a desenvolver novas variedades de cana ou de plantas transgênicas úteis para a produção de bioetanol e de novos materiais em biorrefinarias”, disse Glaucia Mendes Souza, professora do IQ-USP e coordenadora do projeto, à Agência Fapesp.

Os pesquisadores realizaram uma análise da expressão de genes (transcriptoma) de três espécies ancestrais da cana – aSaccharum officinarum, a S. spontaneum e a S. robustum –, usadas nos programas de melhoramento para gerar cultivares, e de uma variedade comercial da planta, a RB867515.

Com base nessa análise de transcriptoma das plantas eles construíram, pela primeira vez, redes de genes que poderiam ser alteradas para melhorar características de interesse na cana, como a produção de sacarose e de fibra na parede celular da planta.

As análises das redes genéticas resultaram na identificação de 18 genes chamados fatores de transcrição – que codificam proteínas que ativam ou inativam a expressão de outros genes –, que podem ser reguladores-chave da biossíntese da parede celular da cana-de-açúcar.

Um desses genes, denominado ScMYB52, foi apontado como um bom candidato para estudos posteriores.

“Conseguimos identificar genes que estão relacionados com pontos-chave de regulação do metabolismo da parede celular da cana. Agora já temos alvos para fazer análises mais aplicadas e verificar se, ao focar nesses genes, é possível alterar a composição de fibras e de sacarose da planta”, disse Souza, membro da coordenação do BIOEN.

Partição do carbono

Os resultados do estudo permitem aumentar a compreensão do funcionamento da partição de carbono na cana – como a planta distribui o carbono absorvido da atmosfera e fixado quimicamente na forma de carboidratos. E, com base nisso, direcioná-lo para a produção de moléculas de interesse, como sacarose, fibra e lignina.

Hoje se sabe que, depois de absorvido da atmosfera, o carbono é utilizado para a produção de moléculas mais complexas na planta, como a sacarose e a celulose, que podem ser convertidas em energia quando quebradas em processos de combustão ou oxidação.

Um terço do carbono dos cultivares modernos de cana está estocado na forma de sacarose. Os outros dois terços estão embutidos na biomassa da cana, distribuídos nas fibras do colmo e da palha da planta.

“Isso não foi sempre assim. Nos ancestrais da cana-de-açúcar temos genótipos com uma relação maior de fibra em relação à sacarose”, explicou Souza.

A fim de desenvolver variedades com maior teor de sacarose, voltadas a aumentar a produção de açúcar ou de etanol – produzido por meio da fermentação do caldo da cana –, ou com maior teor de fibra e de biomassa, para produção de etanol celulósico, os programas de melhoramento genético de cana vêm selecionando e cruzando há séculos espécies ancestrais e cultivares da gramínea.

Essa estratégia, contudo, pode estar se esgotando, apontou Souza. “Os programas de melhoramento da cana estão chegando a um limite e não estão conseguindo aumentar muito mais a quantidade de sacarose, por exemplo, da planta”, afirmou.

Por meio de estudos como o que estão realizando será possível os programas de melhoramento da cana utilizarem ferramentas de biologia molecular para realizar melhoramento guiado – aumentando a expressão de genes relacionados a características como o aumento do teor de fibra, sacarose e biomassa, inserindo mais cópias deles no genoma de variedades da planta, ou alterando a expressão deles –, apontou Souza.

“Por meio desses fatores de transcrição que identificamos poderemos analisar se é possível aumentar ou diminuir os teores de fibra, sacarose e de compostos químicos produzidos pela cana, como a lignina, que é muito importante para a produção de bioeletricidade, por exemplo, porque tem um alto poder calorífico”, afirmou.

“A ideia, no futuro, é direcionar pela planta a produção de compostos de interesse comercial, sem competir com a produção de sacarose e de fibras, por exemplo”, apontou.

Os pesquisadores também identificaram no mesmo estudo que o acúmulo de sacarose na cana pode ser controlado epigeneticamente – por mudanças hereditárias na expressão dos genes que independem de alterações na sequência primária do DNA da planta.

O artigo de Glaucia Mendes Souza e outros, pode ser lido na revista Plant Molecular Biology neste link.

Fonte: Agência Fapesp

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