Lista dos 21 pesquisadores altamente citados do país aponta linhas de investigação que atraem atenção internacional
Por Fabrício Marques em Revista Pesquisa FAPESP – Divulgado anualmente pela empresa Clarivate Analytics, uma lista de cientistas cujos artigos foram extraordinariamente citados na década anterior evidencia um paradoxo da pesquisa brasileira: apesar do crescimento constante da nossa produção científica, poucos papers do país conseguem alcançar grande visibilidade internacional. Na edição de 2021 dessa lista, anunciada no dia 16 de novembro, apenas 21 dos 6.602 autores desse pelotão de elite pertencem a instituições do Brasil (0,3% do total). Em 2020, eram 19 nomes. Mas os exemplos brasileiros – em áreas como epidemiologia, ciência de alimentos, virologia e mudanças climáticas – indicam como foi possível produzir conhecimento conectado com tópicos quentes da ciência, aqueles que mobilizam pesquisadores do mundo inteiro. As citações mostram o quanto um artigo influenciou os trabalhos de outros autores, a ponto de ser apontado em suas referências.
Um dos principais exemplos é o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens-USP), onde atuam cinco dos 21 cientistas brasileiros listados (ver quadro). Em 2010, o Nupens propôs uma nova teoria segundo a qual o processamento dos alimentos elevaria o risco de doenças (ver Pesquisa FAPESP nº 265). “Nossa hipótese é de que o aumento no consumo de ultraprocessados – formulações industriais de macronutrientes e aditivos com pouco ou nenhum alimento inteiro – seria a principal causa da epidemia mundial de obesidade e de outras doenças crônicas relacionadas à alimentação”, explica o coordenador do Nupens, o epidemiologista Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. “Como parte dessa teoria, criamos uma classificação de alimentos com base no seu processamento e não no seu teor de nutrientes, chamada classificação Nova.”
Nos últimos anos, pesquisadores de universidades na Europa e nos Estados Unidos passaram a testar a teoria do Nupens utilizando a classificação Nova. “Isso gerou centenas de artigos que citaram os papers que publicamos. Essa produção expandiu o elenco de doenças crônicas relacionadas ao consumo de ultraprocessados”, explica. A epidemiologista Renata Bertazzi Levy, da Faculdade de Medicina (FM) da USP e do Nupens, conta que o trabalho do grupo teve impacto em políticas públicas. “Utilizamos as evidências geradas com os dados empíricos do Brasil para propor uma recomendação de alimentação saudável baseada na classificação”, diz ela, referindo-se ao Guia alimentar para a população brasileira, lançado pelo Ministério da Saúde em 2014.
Ao longo do tempo, vários pesquisadores se incorporaram ao Nupens – e hoje engrossam a lista dos altamente citados, ao lado de Monteiro e Levy. “Temos colaborado com grupos dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Austrália, entre outros, testando nossas hipóteses”, diz a bióloga Eurídice Martínez Steele, que investiga a relação entre o consumo de ultraprocessados e os desfechos na saúde. “Vim para o Brasil acreditando que o futuro da saúde pública está no Sul global. Para mim, essa crença se tornou realidade”, diz o britânico Geoffrey Cannon, no Nupens desde 2000. “Eu vim de Porto Alegre para fazer doutorado na USP. Avaliei o impacto dos ultraprocessados com um pé fincado na ciência e outro em políticas públicas”, conta a nutricionista Maria Laura da Costa Louzada, hoje docente da FSP.
Um outro destaque do país na lista envolve uma rede de cientistas de alimentos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Anderson S. Sant’Ana, da Faculdade
de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estuda tanto microrganismos maléficos, que deterioram alimentos podendo causar doenças, quanto os benéficos à saúde humana, presentes nos chamados probióticos. Seus artigos mais citados envolvem o estudo da ocorrência e as rotas de contaminação de alimentos e uso de modelos matemáticos para descrever o comportamento dos microrganismos probióticos. Sua linha de pesquisa com micotoxinas, substâncias produzidas por fungos que atuam na decomposição de alimentos e que podem causar doenças, relaciona-se com o trabalho de outro cientista da lista, o iraniano Amin Mousavi Khaneghah, ex-aluno de doutorado de Sant’Ana, que hoje faz estágio de pós-doutorado em seu laboratório, com bolsa da FAPESP. O tema de sua pesquisa é a irradiação por feixes de elétrons para descontaminar biscoitos. “Até agora apenas alguns estudos sobre níveis de micotoxinas em biscoitos foram realizados”, explica Khaneghah. “A ciência de alimentos do Brasil é competitiva internacionalmente e dá suporte para a cadeia de produção agropecuária do país”, afirma Sant’Ana.
O grupo da Unicamp colabora com pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), que criaram produtos probióticos, como iogurtes, queijos e bebidas. “Há um consumidor interessado em aumentar o valor nutricional dos alimentos e a adição de probióticos em produtos lácteos tem benefício comprovado à saúde”, diz o engenheiro químico Adriano Gomes da Cruz, coordenador do Laboratório de Processamento de Alimentos do IFRJ. “Criamos queijos, bebidas lácteas, sorvetes, leite flavorizado com características funcionais, que foram objeto de pedidos de patente”, completa a nutricionista Márcia Cristina da Silva, também docente do IFRJ. Uma outra área de interesse do grupo é o aquecimento ôhmico, obtido com a passagem de corrente elétrica alternada no alimento. A tecnologia tem potencial para controlar a proliferação de bactérias patogênicas, sem as perdas nutricionais causadas pela esterilização UHT, método amplamente disseminado. “Os probióticos que usamos reagiram favoravelmente ao aquecimento ôhmico, cujo efeito se concentra nas bactérias patogênicas. Os produtos resultantes tiveram excelente aceitação sensorial e elevado potencial funcional, comprovado por estudos em modelo animal e em humanos”, explica Mônica Queiroz de Freitas, da Faculdade de Medicina Veterinária da UFF. Ela é autora de 210 artigos científicos e, assim como Adriano Cruz e Márcia Silva, está relacionada entre os altamente citados.
A Clarivate criou uma metodologia para elaborar sua lista que considera a publicação de vários artigos de repercussão por um pesquisador ao longo de uma década – não basta o desempenho excepcional em um ou dois artigos para entrar na relação. “E esses artigos devem estar entre o 1% mais citado de seu campo do conhecimento entre 2010 e 2020”, afirmou David Pendlebury, analista da Clarivate, no lançamento da lista. O trabalho de maior repercussão do cardiologista Raul Dias dos Santos Filho, da Faculdade de Medicina da USP e do Hospital Israelita Albert Einstein, foi um guia de diretrizes clínicas para prevenir doenças coronarianas em indivíduos com colesterol muito elevado. Publicado em 2013 no European Heart Journal, o artigo recebeu mais de 2,3 mil citações. Santos atribui sua presença no índice da Clarivate ao interesse gerado por seu principal objeto de pesquisa: uma moléstia genética chamada hipercolesterolemia familiar, que causa aterosclerose em jovens. Ele foi o pioneiro em utilizar tomografia computadorizada cardíaca para detectar a aterosclerose precoce em portadores da doença. Também se esforçou para colaborar com grupos do Brasil e do exterior, o que ajuda a explicar sua produtividade elevada – é coautor de mais de 430 artigos. “São 30 anos de trabalho de formiguinha. As colaborações renderam a oportunidade de participar de estudos multicêntricos e de consensos internacionais sobre diretrizes clínicas”, afirma.
O psiquiatra Luis Augusto Rohde, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e conselheiro da Faculdade de Medicina da UniEduk, avisa que também é essencial saber fazer boas perguntas de pesquisa a fim de produzir ciência de impacto. Seus estudos sobre transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), baseados na análise de grandes levantamentos epidemiológicos de crianças e adolescentes, ganharam repercussão ao analisar questões fundamentais. “Um de meus artigos fez uma metanálise da literatura científica com a pergunta: há exagero ou timidez no uso de medicamentos para TDAH? Outro paper avaliou por que a prevalência de TDAH é maior nos Estados Unidos do que na Europa. Mostramos que a diferença tem razões metodológicas.”
Além de Rohde, outros brasileiros que estudam transtornos mentais também se destacaram na lista de 2021. Felipe Barreto Schuch, da Universidade Federal de Santa Maria, estuda a relação entre atividade física e saúde mental. Um de seus artigos mais citados, de 2016, avaliou os efeitos do exercício físico na redução dos sintomas da depressão. Outro paper, esse de 2018, mostrou que indivíduos sem diagnóstico de depressão, mas fisicamente ativos, têm risco menor de desenvolver a doença. Um trabalho de grande repercussão foi sua participação em uma carta, formulada por uma comissão da revista The Lancet em 2019, que trata da importância dos cuidados de saúde física em pessoas com transtornos mentais. “As relações entre atividade física e saúde mental vêm ganhando evidências cada vez mais robustas.”
Não se faz ciência de alta qualidade sem uma boa infraestrutura de pesquisa, pondera o psiquiatra André Brunoni, da FM-USP. “O fato de eu contar com um laboratório competitivo foi importante para desenvolver uma linha de pesquisa nacional”, diz Brunoni, que recebeu apoio do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes, da FAPESP, entre 2013 e 2017, e desde o início do ano lidera um projeto temático financiado pela Fundação. Desde o doutorado em neurociências, concluído em 2012, ele trabalha com uma técnica de estimulação elétrica no tratamento de depressão, a neuromodulação não invasiva. Por meio de eletrodos instalados na cabeça, uma corrente elétrica penetra no tecido subcutâneo até chegar ao córtex pré-frontal, modulando a atividade da região. Ela é vista como uma alternativa a medicamentos contra depressão. “Mostramos que a neuromodulação pode ter eficácia semelhante a de remédios, causando menos efeitos adversos”, diz. Ele se refere a um estudo de 2013, que já recebeu mais de 500 citações, comparando o efeito da neuromodulação com o do antidepressivo sertralina.
A ciência brasileira em mudanças climáticas sempre teve representantes em edições anteriores da lista. O destaque dessa vez foi o climatologista José Marengo Orsini, coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), especialista em impactos e vulnerabilidade aos extremos da variabilidade climática e cenários de mudança de clima (ver Pesquisa FAPESP nº 273). “Nosso monitoramento e modelos avaliam a incidência de eventos extremos do tempo e clima para prever risco de desastres e assim reduzir riscos de desastres. Também analisamos como o clima atual se comporta em relação a extremos climáticos e como se comportaria no futuro, no Brasil e na América Latina, em um contexto do agravamento do aquecimento global”, explica. Seu trabalho de maior visibilidade, entre os mais de 250 que publicou, é um dos capítulos do Quinto relatório de avaliação do grupo de trabalho 2 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 2014, do qual foi um dos autores líderes. Já recebeu 4 mil citações.
Uma curiosidade na lista da Clarivate é que, dos 21 pesquisadores de instituições do Brasil, cinco são estrangeiros que se radicaram no Brasil: a espanhola Steele e o inglês Cannon, do Nupens-USP, o iraniano Khaneghah, da Unicamp, o peruano Marengo, do Cemaden, e o engenheiro nascido em Portugal Joel José Puga Coelho Rodrigues, da Faculdade Senac do Ceará, que é líder de pesquisa, desenvolvimento e inovação do sistema Fecomércio Ceará. Especialista em tecnologias da informação e comunicação, ele já publicou mais de mil artigos. O de maior impacto, publicado em 2015 e hoje com cerca de 800 citações no Web of Knowledge, apresentou o estado da arte em soluções de mobilidade para a área da saúde e analisou as principais apostas da indústria em serviços e aplicações. Rodrigues veio para o Brasil em 2016. Já atuou em instituições como o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em Minas Gerais, e a Universidade Federal do Piauí – neste ano, integrou-se à Fecomércio e à Faculdade Senac, em Fortaleza. “Escolhi o Brasil para viver e ‘meu Brasil’ é o Nordeste”, afirma. “Consigo trabalhar a distância com colaboradores de vários países, sem precisar sair daqui.” Recentemente, colaborou com o Plano Estratégico para Internet das Coisas, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, e usou sua experiência em liderança e gestão para coordenar o Hospital de Campanha Estadual do Piauí para Covid-19, em Teresina.
Algumas pesquisas têm impacto elevado justamente por serem feitas em países como o Brasil. É o que mostra o caso do epidemiologista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), cujas contribuições incluem a documentação da importância do aleitamento materno exclusivo para prevenir a mortalidade infantil e a construção de curvas de crescimento infantil adotadas em mais de 140 países. “Tenho trabalhado com saúde e nutrição de crianças em países de renda média ou baixa e esse campo é mais restrito do que problemas como câncer e doenças cardiovasculares. Com menos epidemiologistas atuando na minha área, fica mais fácil receber citações”, explica Victora. “Estou orgulhoso de ser incluído na prestigiosa lista.” Ele observa que sua produção resulta do sucesso em criar um grupo de pesquisas na UFPel nos anos 1980. “Contei com grande número de colegas, alunos de pós-graduação e pós-docs, cuja produtividade tenho constantemente estimulado e cobrado.”
O estudo da recuperação de ecossistemas nativos, principalmente florestas tropicais, é uma vocação natural da ciência brasileira, mas o engenheiro-agrônomo Pedro Henrique Brancalion, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, conta que o assunto ganhou relevância internacional só recentemente. “Construí uma boa rede de colaboradores e estava bem posicionado quando o tópico ganhou visibilidade. A ONU escolheu a restauração de ecossistemas como assunto central de sua década temática, de 2021-2030”, afirma Brancalion, também na lista dos altamente citados. Seu artigo de maior impacto, publicado na Nature em 2016, trata da restauração dos estoques de carbono em florestas regeneradas e já recebeu quase 700 citações. Atualmente, Brancalion lidera um projeto temático da FAPESP, com um grupo da Universidade de Wageningen, na Holanda. “Nossos estudos se concentraram em florestas que se regeneram sozinhas. Pouco se sabe sobre como agroflorestas ou reflorestamentos de espécies nativas promovem benefícios, o que vamos investigar agora.”
O engenheiro de materiais Luiz Henrique Capparelli Mattoso, da Embrapa Instrumentação, em São Carlos (SP), foi reconhecido na lista por desenvolver materiais plásticos e compósitos de fontes renováveis. “Extraímos polissacarídeos cujas macromoléculas, devidamente preparadas, podem substituir plásticos sintéticos, com impacto ambiental reduzido”, explica. Há aplicações também na produção de embalagens. “É possível fazer filmes plásticos comestíveis usando banana ou goiaba que passaram do ponto de amadurecimento, mantendo suas propriedades nutricionais.” Seu trabalho de maior impacto, com mais de 900 citações, é um artigo na revista Carbohydrate polymers sobre características de nanocristais de celulose de casca de coco obtidos a partir de um processo químico.
A Universidade Federal de Viçosa (UFV), conhecida pela pesquisa e formação de recursos humanos em ciências agrárias, chamou a atenção por ter dois docentes na lista de 2021. O engenheiro-agrônomo Francisco Murilo Zerbini, especialista em patologia de plantas, foi reconhecido por seus estudos sobre a evolução e a classificação de vírus. “Artigos sobre taxonomia são muito citados porque servem de referência para qualquer pesquisador que trabalha com vírus”, explica. Em 2017, publicou com colaboradores um artigo na revista Nature Reviews Microbiology que já teve mais de 400 citações. “Ele trata de uma questão específica da virologia. Antigamente, para classificar um vírus, era necessário obter uma cultura de células infectadas por ele. Foi proposta uma nova forma de classificação, baseada apenas na sequência do genoma do vírus. Muita gente discorda, mas, após a publicação do artigo, essa forma passou a ser aceita.”
Já o engenheiro-agrônomo Adriano Nunes Nesi investiu em desdobramentos de sua pesquisa de doutorado, no início dos anos 2000, que teve um período sanduíche no Instituto Max Planck de Fisiologia Molecular de Plantas, na Alemanha. Ele buscou identificar a função fisiológica de enzimas do ciclo de Krebs, uma das etapas da respiração celular, que era pouco estudada em plantas. Observou que uma das enzimas tinha efeito positivo na fotossíntese de tomates. “O tomate produzia mais”, recorda-se. Outras enzimas foram caracterizadas e seus efeitos positivos e negativos identificados. Ele voltaria à Alemanha para um estágio de pós-doutorado. É dessa época, em 2010, que publicou seu artigo de maior impacto, na revista Trends in Plant Science, que recebeu 459 citações. Seguiu atuando na mesma linha, incorporando outros modelos de plantas. Segundo ele, o entendimento da função dessas enzimas pode gerar aplicações biotecnológicas. “Esses trabalhos inovadores estimulam colaborações. Recebo estudantes de grupos de pesquisa de outros países, que também recebem meus alunos”, conclui.
Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.