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O Brasil contribuiu com amostras de cinco de batata-doce, quatro de arroz, duas de batata e duas de milheto

Por Marcos Pivetta em Pesquisa Fapesp| Nos refrigeradores subterrâneos do Millennium Seed Bank, uma instalação que faz parte do Jardim Botânico Real de Kew, nos arredores de Londres, cerca de 2,5 bilhões de sementes de 40 mil espécies vegetais de todo o mundo são conservadas a -18 graus Celsius (°C) e uma umidade relativa de 15%. Os compartimentos foram projetados para resistir a ataques de bomba, inundação e radiação e devem preservar a capacidade de germinar dos grãos por mais de um século. A maior parte dessa coleção engloba material genético de plantas de vida silvestre, não domesticadas pelo homem, que estão ameaçadas de extinção, ocorrem em lugares específicos do planeta, e são ou podem vir a ser úteis para a humanidade. Em meio a essa riqueza congelada de biodiversidade, proveniente de 100 países (Brasil, inclusive), um pequeno grupo de amostras funciona como uma reserva de emergência caso as mudanças climáticas coloquem em risco a segurança alimentar global.

Sementes de espécies silvestres de 28 cultivos agrícolas são mantidas como parte de um esforço internacional para ter em mãos plantas viáveis com material genético diversificado para adaptar os cultivos a diferentes climas. Além de parentes selvagens dos três cultivos que fornecem metade das calorias consumidas pelo homem (milho, trigo e arroz), fazem parte dessa lista variedades de algumas culturas bem conhecidas, como feijão, banana e cenoura, e outras menos badaladas, como as leguminosas chícharo e vicia.


O Brasil é um dos 25 países que integram essa iniciativa em prol da sustentabilidade da agricultura no cenário de mudanças climáticas. Até agora, o país contribuiu com amostras de sementes de espécies não domesticadas de quatro cultivos: arroz, batata, batata-doce e milheto (um cereal com espigas miúdas que lembra o milho). Foram despachadas para o Reino Unido sementes de cinco espécies selvagens de batata-doce, quatro de arroz, duas de batata e duas de milheto. “As plantas silvestres podem ter maior resistência a pragas, doenças e condições ambientais adversas e podem ser muito úteis para a agricultura em um contexto de mudanças climáticas”, comenta a agrônoma Marília Burle, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, coordenadora da participação do país no projeto internacional Adapting Agriculture to Climate Change, chefiado por uma equipe de Kew. Não há perda de biodiversidade para os países que participam do projeto. “Também conservamos no nosso banco sementes das mesmas plantas que enviamos ao Reino Unido. As amostras do Millenium funcionam como uma cópia de segurança do material dessas espécies silvestres que preservamos na Embrapa”, explica Burle.

Entre 2013 e 2018, os pesquisadores brasileiros fizeram 16 viagens de campo e passaram por todos os biomas, da Amazônia aos Pampas, com exceção da Caatinga nordestina, para coletar amostras de sementes de parentes silvestres de arroz, batata, batata-doce e milheto. Na América do Sul, apenas mais três países participaram da iniciativa, Peru, Chile e Equador.


Em um artigo publicado em julho deste ano na revista científica Plants, os comandantes do projeto de conservação dos parentes silvestres de culturas agrícolas fizeram um balanço dos resultados alcançados nos últimos 10 anos. Eles tiveram sucesso em obter sementes de primos selvagens dos 28 cultivos selecionados. No total, quase 4.600 amostras de 345 espécies foram despachadas para Kew. Os cultivos que tiveram sua diversidade genética mais bem coberta pelo levantamento foram alfafa, trigo, feijão-bambara (um parente do amendoim) e chícharo (que pode ser cozido como feijão). Batata, arroz e berinjela também foram amostrados de forma bastante satisfatória, segundo o estudo.

“Algumas das chamadas ‘espécies excepcionais’, grupos de plantas que não conseguimos armazenar com o emprego de métodos de secagem e congelamento das sementes, são as mais difíceis de conservar”, comentou, em entrevista a Pesquisa FAPESP, o biólogo Chris Cockel, do Jardim de Kew e coordenador do projeto com parentes selvagens de cultivos de grande importância agrícola. Entre as espécies não domesticadas das quase três dezenas de culturas englobadas pela iniciativa, não costuma haver grandes problemas para conservar suas sementes dessecadas e refrigeradas a temperaturas negativas. “Mas algumas sementes de espécies raras e alguns cultivos tropicais, como manga e abacate, não resistem a esse processo. O mesmo ocorre com o carvalho”, conta Cockel.


No banco Millennium, as variedades de orquídeas são provavelmente as menos conservadas, segundo o pesquisador britânico. Suas sementes são muito finas, como areia, e difíceis de lidar. Formas de preservação alternativas, como a cara manutenção de partes das plantas congeladas a -196 ºC em nitrogênio líquido, têm sido gradualmente implantadas.

A agricultura moderna é um processo que tende a homogeneizar o material genético dos cultivos na busca da manutenção ou aumento da produtividade. Se uma variedade ou espécie de uma cultura se adapta e rende bem em uma região, os produtores tendem a rechear sua lavoura com mais plantas com as mesmas características biológicas. As formas, domesticadas ou não, desses cultivos que mostrem ter baixo rendimento ou difícil manejo são abandonadas ou deixadas de lado. Não é raro encontrar em grandes fazendas milhares de exemplares de um cultivo com DNA praticamente igual. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que, no século passado, 75% da diversidade genética das plantas cultivadas foi perdida.

O Brasil tem um dos maiores bancos nacionais de germoplasma de cultivos agrícolas do mundo, mantido desde os anos 1970 pela Embrapa, em Brasília. Germoplasma é o jargão técnico usado para designar o material genético que pode ser conservado e usado para propagar uma cultura. Na imensa maioria dos casos, são as sementes dessecadas e congeladas em temperaturas negativas. O banco genético da Embrapa, que preserva amostras enviadas por todas as suas unidades de pesquisa e instituições e universidades parceiras, abriga 118 mil amostras de sementes de aproximadamente 1.100 espécies, a maioria plantas cultivadas, como arroz, feijão, trigo e soja.


“Armazenamos 1.500 sementes de cada variedade”, conta o agrônomo Juliano Gomes Pádua, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, supervisor do banco genético. A cada 15 ou 20 anos, as sementes são testadas para ver se, ao menos, 85% delas são capazes de germinar. O material mantido na capital federal funciona como uma cópia de segurança dos chamados bancos ativos de germoplasma, conservados nas unidades da empresa agropecuária estatal espalhadas pelo país. Esses bancos ativos fornecem as sementes usadas nos trabalhos de pesquisa e extensão rural das unidades. “Quase tudo que está nos bancos ativos está também no banco genético”, comenta Pádua.

O banco de sementes de cultivos agrícolas de Svalbard, situado em um arquipélago da Noruega no círculo polar Ártico, é outro parceiro internacional dos programas nacionais que visam preservar a diversidade de plantas. Escavado em uma montanha de rocha, cerca de 130 metros acima do nível do mar, Svalbard foi criado em 2008 e conta com quase 1,2 milhão de amostras de sementes estocadas a -18 °C. O material abrange 6 mil espécies, provenientes de 91 bancos de sementes de 68 países. O Brasil enviou três remessas de plantas, com cerca de 5 mil amostras de milho, soja, cebola, pimenta, abóbora, arroz, feijão, melão, melancia, caju e maracujá. “O banco de Svalbard só é aberto três vezes por ano”, conta a bióloga Rosa Lía Barbieri, da Embrapa Clima Temperado, de Pelotas, que foi representante por três anos (até julho de 2022) da América Latina no conselho científico do projeto norueguês. “O lugar é de acesso remoto e muito controlado.”

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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