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Águas mais quentes despertam comportamento mais faminto em peixes, afirma estudo

Por Marcos Neves Jr da UFRN | Como a temperatura das águas oceânicas pode impactar a relação entre predadores e presas? De acordo com dados de um artigo publicado na revista Science em 9 de junho de 2022, os peixes de zonas quentes tendem a comer mais se comparados aos de regiões marinhas frias — abaixo dos 20º C. Um dos efeitos desse apetite voraz é a modificação de características, bem como da quantidade, nas espécies das quais se alimentam.

Resultado de uma cooperação internacional com cerca de 60 pesquisadores de diversos países e instituições, incluindo cientistas do Brasil, o estudo apresenta um amplo panorama quanto à influência da temperatura das águas na cadeia alimentar. As informações são provenientes de 36 pontos nas costas Atlântica e Pacífica das Américas, desde o polo Ártico até o Antártico, passando pelas zonas tropicais.

Segundo um dos autores brasileiros do artigo, o pesquisador Edson Vieira, pós-doutorando do Laboratório de Ecologia Marinha (Lecom/UFRN) e professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPGECO/UFRN), a investigação sobre a teoria ecológica de que as interações entre espécies se tornam mais intensas conforme se aproxima dos trópicos rompeu as limitações logísticas às quais estava sujeita. Com isso, pela primeira vez, algumas perguntas puderam ser plenamente respondidas.

Assim, conta o cientista, duas questões básicas nortearam o trabalho. A intensidade dessa predação realmente aumenta à medida que se avizinham os trópicos, ou seja, as águas mais quentes? Ainda, quais são os efeitos exercidos pelos predadores sobre as comunidades das presas. Para Edson Vieira, as descobertas alcançadas durante a pesquisa são bastante elucidativas.

“E os resultados encontrados batem bem com as perguntas. Em águas mais quentes, os predadores comem mais, têm uma maior intensidade de predação, e também afetam mais a comunidade das presas, tanto diminuindo a biomassa como mudando a composição das espécies”, explica o pesquisador, que já trabalha com o tema e em questões relacionadas a sistema há cerca de 15 anos, atuando recentemente também em temas ligados a corais e mudanças climáticas.

Experimentos e resposta

Para chegar às conclusões apresentadas no artigo, o estudo utilizou destacadamente três experimentos. A fim de estimar a intensidade da predação feita por peixes, o grupo usou squid pops, disquinhos feitos de lula seca, colocando-os na água por uma hora, contando quantos foram comidos nesse período e comparando as diferentes reações em cada região da costa de acordo com a temperatura.

Os efeitos dos predadores nas presas foram testados com pequenas placas de PVC. Ao colocá-las dentro da água, vários organismos marinhos conseguem se fixar nelas e crescer, formando mini comunidades. Algumas foram protegidas dos peixes por gaiolas, enquanto as demais permaneceram livres. Nesse experimento, foi possível comparar como as populações se desenvolveram na presença e na ausência de predadores.

Em um terceiro teste, as presas crescerem sem os predadores, com a gaiola. Depois de 10 semanas, a proteção foi retirada para ver os peixes comendo e saber em quanto a comunidade se reduziria. Os três experimentos apontaram para uma mesma direção: nas águas quentes, a predação ocorreu de forma acelerada, resultado bem diferente do encontrado em áreas mais frias.

“Este trabalho evidenciou que, em águas mais quentes, o apetite voraz dos predadores deixou marcas descomunais na comunidade de presas. Por sua vez, nas áreas mais frias, vimos que deixar a comunidade de presas exposta ou protegida praticamente não fez diferença. Isso sugere que os efeitos dos predadores tendem a ser menores em águas mais geladas”, avalia o biólogo Guilherme Longo, professor do Departamento de Oceanografia e Limnologia (DOL/UFRN), outro dos autores brasileiros do estudo.

Guilherme Longo e Edson Vieira foram responsáveis pelos experimentos no município de Natal. O local escolhido foi o Iate Clube, localizado no bairro de Santos Reis, zona Leste da capital potiguar, pois, de acordo com os cientistas, oferece condições ideais para a fixação de placas, gaiolas e demais equipamentos necessários ao desenvolvimento das atividades de pesquisa.

Futuro

De posse dessas informações, o que se pode fazer? Quais são os próximos passos? Na visão de Edson, o estudo constituiu um banco de dados bastante grande e, a partir dele, é possível testar mais. Alguns possíveis alvos de estudo apontados pelo cientista são as espécies invasoras, se elas existem mais nas águas quentes ou não, se os predadores conseguem controlá-las melhor em determinada condição de temperatura. “São várias questões a serem trabalhadas ao longo do tempo”, vislumbra.

Embora o foco da investigação neste artigo seja o presente, os seus resultados fornecem indicações essenciais para a compreensão e a conscientização a respeito daquilo que está por vir. Em águas mais quentes, conforme valida o estudo, os predadores são mais vorazes e geram impacto na organização e na estruturação das comunidades marinhas. Com a previsão de aumento da temperatura dos oceanos, a atenção ao tema se torna urgente.

“É muito importante que nós comecemos a pensar em, quando a temperatura estiver mais quente em lugares onde isso não acontece hoje, como esses sistemas vão viver. Se as mudanças do clima continuarem, teremos modificações grandes na forma como os sistemas funcionam, especialmente, no nosso caso, os marinhos costeiros, e estas podem não ser positivas. Ou seja, precisamos estar alertas e continuar batalhando pela redução das emissões de gases e da mudança do clima”, adverte Edson.

Além da UFRN, entre as instituições do Brasil, participaram do estudo as universidades federais do ABC, do Ceará e do Paraná, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Universidade de São Paulo e o Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM-RJ). Ambos os pesquisadores destacam a relevância da participação em um projeto dessa magnitude, em escala global, para os cientistas brasileiros.

“Essa articulação com pesquisadores do Brasil permitiu que o experimento cobrisse praticamente todo o litoral do país, que tem uma extensão continental. Tal fato demonstra o papel relevante e a forte inserção internacional da ciência marinha brasileira, com a UFRN fazendo parte deste protagonismo”, exalta Guilherme Longo. Edson Vieira ainda complementa.

“Boa parte da costa do Atlântico não teria cobertura, não fosse a colaboração dos cientistas brasileiros no projeto. Isso mostra que fazemos ciência de excelência, sim, e somos convidados para fazer parte de trabalhos grandes e de impacto como este. Mostra também a qualidade e a resistência da ciência brasileira em tempos difíceis, com os cortes em pesquisa no país”, conclui.

Este texto foi originalmente publicado por Universidade Federal do Rio Grande do Norte de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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