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A COP 15 traz grandes expectativas, mas também certo ceticismo, pois as negociações podem se arrastar em torno de pelo menos cinco pontos-chave

Por Alan Rigolo, Élidi Inoue, Luma Dias e Sabrina Fernandes*, para a Página 22 | A 15ª edição da Conferência das Partes (COP 15) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que ocorre neste momento em Montreal, no Canadá, terá a chance de criar novas metas para a conservação da biodiversidade do planeta, o que vem sendo chamado de “Marco pós-2020 da Convenção sobre Diversidade Biológica”. As COPs da Biodiversidade são ​​a arena para os governos internacionais revisarem o progresso da Convenção, além de estabelecerem novas medidas para apoiar seus objetivos (mais no quadro “Saiba o que é a COP de Biodiversidade”).

A primeira parte de negociações da COP 15 foi realizada entre 2021 e 2022 de forma virtual e presencial. Agora, o encontro presencial promete ser crucial para as principais conclusões desta agenda.  Na COP 10, haviam sido firmados objetivos a serem alcançados entre 2011 e 2020, por meio um acordo global com 20 metas (mais no quadro “Um breve histórico”). Mas, em 10 anos, nenhuma delas foi cumprida em sua totalidade, embora tenhamos presenciado avanços parciais.

Após dois anos de cancelamentos, a COP 15 traz grandes expectativas mas também certo ceticismo, uma vez que as negociações podem se arrastar entre pelo menos cinco pontos-chave.

O primeiro deles é o Marco Global da Biodiversidade (GBF, na sigla em inglês), principal objetivo da COP 15. Este acordo pode trazer metas ambiciosas e propor ações para que os países avancem coletivamente na reversão de perda de biodiversidade no mundo.

Assim como o Acordo de Paris definiu a meta de limitar o aquecimento global a no máximo 2°C em relação ao pré-industrial, a meta da biodiversidade idealmente faria com que as áreas protegidas de oceanos aumentassem em 7%, e de terras em 15%, fazendo com que ambas chegassem à marca de 30% até 2030 (Protected Planet Report). Para garantir uma proteção duradoura, essas áreas conservadas devem ser geridas de forma eficaz e governadas de forma socialmente inclusiva. Tanto para compensar as metas não atingidas na última década, quanto para dar um sinal claro do compromisso multilateral nesta agenda, a expectativa é de que o GBF seja ambicioso e que considere explicitamente mecanismos de inclusão, direitos humanos, financiamento e monitoramento.

O segundo ponto-chave é o Sequenciamento Genético, ou a Digital Sequencing Information (DSI).Segundo o especialista Henry Novion, consultor com larga experiência em acesso e repartição de benefícios, negociações multilaterais no âmbito da ONU costumam ser complexas, dada a necessidade de conciliar interesses para costurar um consenso que agrade minimamente a todas as partes. Na COP 15, estas negociações tendem a ser ainda mais complicadas devido à existência de assuntos técnicos, quase insulados do debate público, como a que gira em torno da DSI, que diz respeito à infraestrutura de armazenamento de sequências genéticas em bases de dados digitais.

Especialistas tendem a concordar que o desafio proposto pela DSI é que, devido ao fato de os dados em nuvem serem acessados largamente, transpondo fronteiras, é difícil garantir a repartição dos benefícios das descobertas científicas ligadas à biodiversidade com povos indígenas e comunidades locais, que são os maiores protetores da biodiversidade. Sem o devido monitoramento do uso dessas informações, ou sequências genéticas, o país não assegura que comunidades tradicionais serão beneficiadas e reconhecidas pelos benefícios das descobertas advindas da natureza que eles mesmos protegem.

Felizmente, países com normas nacionais de referência – como o Brasil, que tem a Lei da Biodiversidade (Lei nº 13.123/2015) – podem guiar a confecção e implementação de um modelo global de regulação e rastreamento.

Conforme explica Henry de Novion, a legislação brasileira antecipa que tanto a pesquisa quanto o uso do patrimônio genético sejam realizados livremente, mas que no momento da publicação dos resultados, depósito de pedido de patente ou lançamento de um produto comercial, seja exigido o registro da atividade junto ao Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional Associado (SisGen).

Por esta razão, temos voz ativa neste processo, com potencial para mediar consensos, já que dois grupos apresentam histórica oposição. O Grupo Africano chega à COP 15 sem ceder na postura firme segundo a qual sem um acordo sobre o tema de DSI, eles não concordarão com o GBF. Ao mesmo tempo, países como Japão, Canadá e Suíça costumam não ceder facilmente, alegando que mais regulação pode fazer aumentar a burocracia nos processos de pesquisa, o que pode travar possíveis inovações.

Por exemplo, pesquisadores podem estudar o potencial medicinal, ou para qualquer outro fim, de espécies brasileiras dentre a abundância de nossa fauna e flora – em que há diversos bichos e plantas que foram sequer descobertos –, uma vez que o Brasil é o país mais biodiverso do mundo. A possibilidade de mapear a sequência genética dessas espécies e de usar bases de dados na internet como ferramenta para “guardar” estas informações torna-as acessíveis para pessoas com interesses diversos, inclusive comerciais, no mundo todo.

O terceiro ponto-chave em discussão na COP 15 são os mecanismos de revisão e observância do cumprimento das metas. O fato de as metas da CDB adotadas em 2010 não serem alcançadas se deve em grande parte à ausência de um mecanismo para monitorar a implementação dos compromissos com os quais cada parte da Convenção concordou.

Espera-se que o Marco pós-2020 da Convenção sobre Diversidade Biológica preveja uma solução nesse sentido. Idealmente, esse processo também tem que permitir não só a avaliação do progresso, mas também a comparabilidade das metas, como ocorre com as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) que tratam da mitigação de emissões que contribuem para as mudanças climáticas.

Por isso, especialistas sugerem que a melhor maneira de o fazer seria estabelecendo uma estrutura de monitoramento abrangente e baseada na ciência, incentivando as partes a integrar as metas do GBF aos seus planos nacionais e a relatar periodicamente seu progresso de forma transparente. Para os países em desenvolvimento, a ressalva é a de que esse mecanismo não pode se transformar em uma plataforma que os coloca sempre atrás do cumprimento das metas, desconsiderando as condições sociais e de capacidade de financiamento das ações necessárias.

Por isso, o financiamento é o quarto ponto-chave a ser destacado, e tem gerado a polêmica usual entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, uma vez que os primeiros ressaltam a necessidade de não duplicação dos recursos de clima e biodiversidade. Em outras palavras, tal mobilização de recursos deve considerar cobenefícios e interação com aqueles já dedicados à agenda climática, mas serem novos e adicionais para a biodiversidade. Por exemplo, o Grupo Africano sugere a criação de um novo fundo com foco na proteção da biodiversidade, enquanto os países doadores propõem reformar os mecanismos financeiros já existentes.

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Imagem por Anne Nygård, disponível no Unsplash

No entanto, o fato é que, de acordo com as estimativas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o investimento existente em Soluções baseadas na Natureza, que gira em torno de US$ 133 bilhões hoje, precisa pelo menos triplicar até 2030 e quadruplicar até 2050 para atender à lacuna de financiamento para a proteção da biodiversidade. Governos, bancos centrais, e uma verdadeira concertação de parceiros públicos e privados precisam fazer mais para dar conta da demanda. Além disso, a COP 15 pretende discutir formas de fornecer acesso a recursos não financeiros, como assistência técnica e transferência de tecnologia. 

E, por fim, as Salvaguardas são o quinto – e não menos importante – ponto-chave. A sociedade civil tem gradualmente participado das discussões que concernem a biodiversidade de forma mais atenta e próxima, e lograram fazer com que as negociações acolham a pressão para incorporar, de cima a baixo do texto, menções à defesa dos direitos de mulheres, povos indígenas, comunidades locais, rurais e tradicionais. No Brasil, este debate também está intrinsecamente conectado à luta desses povos para que os resultados da COP 15 sejam traduzidos nacionalmente: por exemplo, por meio do aumento de Terras Indígenas demarcadas.

Várias intervenções foram feitas por delegações e atores da sociedade civil em praticamente todas as seções do rascunho do Marco Global da Biodiversidade, a fim de que este possa incluir referências sobre salvaguardas e promoção desses direitos. A exemplo disso, nos últimos meses uma meta adicional sobre gênero foi adicionada ao texto, assim como a inclusão de direitos humanos tende a ser um critério inegociável.

Interesses na mesa

Conhecer as posições dos diversos países que compõem as partes,  entre os quais União Europeia, China, Índia e países tropicais, é fundamental para entender os principais conflitos e antagonismos nas pautas de negociação. Dividindo-se a agenda da COP entre o Marco Global, a discussão de DSI e demais  áreas temáticas da CDB, é possível visualizar grupos distintos com pesos diferentes.

Em relação ao GBF, há uma expectativa por parte dos países europeus, particularmente União Europeia, Noruega, Suíça e outros como o Canadá, de que os países tenham a ambição de adotar metas factíveis, para de fato reduzir a perda da biodiversidade. Por outro lado, os países em desenvolvimento e megadiversos – grupo que reúne os chamados like-minded megadiverse countries, do qual o Brasil é uma das lideranças –, defende que a questão da ambição sobre as metas passa necessariamente pela ambição do financiamento. 

Há um discurso de que o grupo de países megabiodiversos precisa ser o mais ambicioso possível em termos de metas mas, quando se fala dos meios de implementação, ou seja, dos recursos para que as metas sejam alcançadas, a conversa geralmente é esvaziada.

Em relação à DSI, há, flagrantemente, países contrários a qualquer discussão que leve à obrigação de se repartir benefícios para o uso das sequências digitais depositadas em banco de dados. Um deles é o Japão, que desde 2016, quando o Brasil pautou esse tema na COP de Cancún, já dizia que o tema nem sequer deveria estar em pauta, porque a CDB trata de material genético e não de informação. Trata-se de um argumento fraco pois, segundo artigos da CDB, o uso subsequente de resultados de pesquisa tem de incorporar repartição de benefícios. 

De modo geral, posicionam-se contra a proposta os países que são grandes usuários das sequências genéticas e não querem nenhum tipo de obrigação de repartição de benefícios. Além do Japão, são: Suíça; países nórdicos, que têm bastante uso das sequências, particularmente Suécia e Dinamarca; além de União Europeia e Alemanha – esta última com um corpo acadêmico muito forte, pressionando para que haja repartição de benefícios, mas que se evitem regulações muito burocráticas.

Do lado oposto, há atores bem marcados, como a Namíbia, representando o Grupo Africano, que tem sido muito contundente em dizer que a própria aprovação do Marco Global de Biodiversidade está condicionada a uma solução para o tema da repartição de benefícios de DSI. Em setembro, ministros do Meio Ambiente da África reuniram-se em Dakar, no Senegal, e emitiram uma decisão, segundo a qual vão rejeitar um GBF que não aponte uma solução para o tema de DSI.

Além do Grupo Africano, o Brasil e países latino-americanos como Costa Rica, Panamá e Argentina também têm se posicionado no sentido de buscar uma solução para esse tema. Há, ainda, uma série de países que apoiam o Brasil e outros que não entram na discussão, por considerá-la muito técnica e difícil. De fato, é necessário ter um arcabouço teórico para entender não só a questão do uso das sequências, mas os impactos legais sobre qualquer tipo de decisão que venha a ser tomada.

Sobre os demais temas pontuais em pauta, encontram-se grupos de coalizão distintos, dependendo do item em debate. Existe uma discussão muito forte sobre conhecimentos tradicionais associados a povos indígenas, advinda do Artigo 8J, da CDB, em que Noruega, Bolívia, México, Costa Rica e diversos países africanos têm uma posição muito forte para a proteção desses conhecimentos. E outros países que têm povos indígenas, mas que relutam muitas vezes em dar esse  reconhecimento, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia. 

Já a Noruega posiciona-se em favor dos povos indígenas porque tem o Conselho Sami (uma espécie de congresso indígena, com orçamento e autonomia política). Assim, influenciam muito positivamente a delegação da Noruega, no sentido de pressionar para decisões que protejam os conhecimentos tradicionais. O Brasil é também bastante vocal neste tema, inclusive por conta da legislação nacional.

No tema das áreas protegidas, as áreas marinhas estão fora da jurisdição nacional. O Brasil, inicialmente, teve uma posição muito protagonista no sentido de criar essas áreas, mas a Defesa, particularmente a Marinha, veio freando essa discussão por julgar que poderia haver algum tipo de ameaça à soberania brasileira, particularmente sobre a elevação que fica ao Sul do Brasil – que havia sido considerada como uma potencial área de proteção.

Outros países que têm questões territoriais fronteiriças envolvendo oceanos normalmente tendem a bloquear essa discussão: México, China, Japão e Rússia, que disputam as Ilhas Curilas. Alegam que deliberar sobre essas áreas protegidas fora de jurisdição nacional poderia ser interpretado como ingerência (existe uma discussão sobre essas áreas, de acordo com a qual elas não necessariamente deveriam respeitar as fronteiras).

Quanto a biotecnologia e OGMs (organismos geneticamente modificados), o Brasil tende a assumir uma posição mais próxima de países como Canadá e Argentina, que plantam e usam transgênicos, em oposição à União Europeia, que sistematicamente tenta criar instrumentos como barreiras não-tarifárias a organismos transgênicos importados do Brasil e de outros países. Os argumentos usados são de que esses transgênicos muitas vezes poderão ter impacto sobre a biodiversidade, e que inexistem mecanismos de monitoramento sobre esses impactos. O Brasil possui 17 anos de legislação que permite o plantio e desenvolvimento de transgênicos.

Posicionamentos do Brasil

Assim como no caso dos transgênicos, o Brasil atua como protagonista em diversos temas, arrebanhando outros países, como se observa nas agendas de áreas protegidas, biotecnologia, DSI e acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios.

A depender do tema, o Brasil posiciona-se como líder dos megadiversos, ou líder do “Terceiro Mundo”, ou, conforme os interesses, adota uma postura de país usuário, ou de país desenvolvido, como no caso dos transgênicos (razão pela qual o País por vezes é criticado). Quanto às áreas de jurisdição nacional, há uma visão um pouco mais protecionista, nos termos de se evitar que esse tipo de área seja criada. A atuação do Brasil, portanto, é muito determinada pelo item da agenda que se está discutindo.

No tema de biocombustíveis e de transgênicos, o Itamaraty atua no sentido de que as decisões sejam as mais suaves possíveis, geralmente alcançando um resultado favorável.

Caberá ao Brasil, como um país protagonista no tema, propor uma visão integrada sobre o peso do aspecto social da conservação da biodiversidade Isso passa por garantir os direitos dos povos indígenas e das populações tradicionais, e caracterizar de uma melhor forma o uso sustentável dos recursos, além de práticas como a agroecologia.

No Sul da Bahia, por exemplo, os pequenos produtores, que vivem da agricultura familiar (setor no Brasil responde por quase 70% da produção de alimentos) não são remunerados pelo serviço ambiental da biodiversidade que ajudam a conservar. É preciso considerar a questão social em qualquer medida de conservação da biodiversidade, sob pena de não se gerar alternativas socioeconômicas sustentáveis para a população e, com isso, ampliar o desmatamento.

A necessária conexão entre clima e biodiversidade

A crise climática e da biodiversidade são fruto da degradação da natureza, que por sua vez tem valores intrínsecos e essenciais para o conhecimento e o desenvolvimento sustentável da sociedade; o equilíbrio dos ciclos; saúde e bem-estar; e asseguram a economia em bases sustentáveis.

A conexão entre clima e biodiversidade mostra intrínseca relação do que se pode denominar, no jargão das relações internacionais, de “bens públicos globais”. A capacidade global de proteger e incrementar esses bens públicos, necessários para manter a qualidade de vida e, em certos casos, permitir que a vida exista, está nas mãos dos países, do setor privado, do mercado financeiro, das populações locais e indígenas e da sociedade civil, entre outros atores.

O Brasil tem papel central tanto na agenda climática quanto na de biodiversidade. A urgência e a oportunidade de eliminar o desmatamento ilegal permitirá não apenas reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, mas fortalecer ganhos para a biodiversidade e os beneficiários dos seus serviços. Trata-se de uma pauta  inerente ao desenvolvimento do País.

Associado a isso, devem ser criadas soluções para a bioeconomia, para as populações que vivem da e na floresta, a possibilidade de conhecer e explorar os recursos genéticos da biodiversidade e gerar renda e benefícios voltados para a conservação e uso sustentável.

O Brasil pode ser uma ponte para ganhos climáticos, de biodiversidade e do multilateralismo, elementos intrínsecos de uma sociedade comprometida com o desenvolvimento sustentável para todos.

Com presenças já consolidadas na Conferência do Clima, o Instituto Arapyaú e a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia contribuem  para conectar a agenda climática com a de biodiversidade. Para isso, partilham conhecimentos e atuam como interface entre o mundo diplomático, sociedade civil e o setor privado, apoiando o entendimento dessas agendas e a construção coletiva de caminhos.

Saiba o que é a COP de Biodiversidade: 

A Conferência de Biodiversidade da ONU é a reunião regular dos países que assinaram (e, portanto, são “partes”) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), o acordo internacional para a conservação da biodiversidade com a visão de “viver em harmonia com a natureza até 2050”. A convenção foi adotada na Cúpula da Terra do Rio 92 (a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992), e ratificada por 196 países. Os Estados Unidos não fazem parte dessa lista, embora representantes do governo americano estejam participando da COP 15 em Montreal. A primeira Conferência das Partes da convenção (COP 1) ocorreu em 1994 em Nassau, Bahamas. 

Logo de início, a Convenção surge com três grandes objetivos: a conservação da biodiversidade, o uso sustentável da biodiversidade, e a repartição de benefícios resultantes do acesso e uso dos recursos genéticos. Este último objetivo veio de uma forte pressão do grupo dos países megadiversos, ou os LMMC (Like Minded Megadiverse Countries), deixando a conversa mais difícil, e um dos motivos pelos quais a CDB não tem sido tão popularizada, pois a questão  da repartição de benefícios se arrasta há 30 anos.

 O grupo de megadiversos reúne mais de 70% de toda a biodiversidade do planeta e cerca de 45% da população mundial. É formado por África do Sul, Bolívia, Brasil, China, Colômbia, Congo, Costa Rica, Equador, Filipinas, Índia, Indonésia, Madagascar, Malásia, México, Peru, Quênia e Venezuela.

A proteção da biodiversidade é fundamental tanto para o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas quanto para a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (os ODS), ambos adotados em 2015. Por exemplo, segundo relatório da ONU, cerca de um terço da redução nas emissões de gases de efeito estufa necessárias para cumprir as metas do Acordo de Paris poderia vir de soluções baseadas na natureza. 

A biodiversidade é explicitamente destacada nos ODS 14 (Vida na Água) e 15 (Vida na Terra), mas também sustenta um conjunto muito mais amplo de Objetivos. Além disso, é um fator chave para a conquista de segurança alimentar e melhoria da nutrição (ODS 2) e o fornecimento de água potável (ODS 6). Todos os sistemas alimentares dependem da biodiversidade e de uma ampla gama de serviços ecossistêmicos que apoiam a produtividade agrícola, por exemplo.

Um breve histórico – linha do tempo com principais marcos:

Protocolo de Cartagena (2000)

No ano 2000, é assinado o Protocolo de Cartagena, documento internacional para biossegurança que estabelece condições para a proteção biológica nas dimensões do transporte, liberação dos organismos vivos geneticamente modificados (OGMs), manipulação e outras dimensões. O Protocolo de Cartagena entrou em vigor no Brasil somente em 2004. A COP 8 (8ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica da ONU) realizada em 2006 na cidade de Curitiba, é marcada pela introdução da participação do setor privado no campo das políticas relativas à biodiversidade.

COP 10 (2010) 

Durante a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 10), realizada na cidade de Nagoya, província de Aichi, Japão, foi aprovado o Plano Estratégico de Biodiversidade para o período de 2011 a 2020. Este plano, que prevê um quadro global sobre a diversidade biológica, busca estabelecer ações concretas para deter a perda da biodiversidade planetária. O plano serve de base para estratégias do sistema das Nações Unidas, e todos os outros parceiros envolvidos na gestão da biodiversidade e desenvolvimento de políticas.

Metas de Aichi (2010)

No processo Plano Estratégico citado acima, o Secretariado da CDB propõe um conjunto de metas, objetivos de médio prazo, que são materializados em 20 proposições. Denominadas de Metas de Aichi para a Biodiversidade, todas estas proposições são voltadas à redução da perda da biodiversidade em âmbito mundial. As Partes da CDB, 193 países (incluído o Brasil) e a União Europeia, comprometem-se a trabalhar juntas para implementar as metas até 2020. É possível acessar as 20 metas em português aqui.

As metas estão organizadas em cinco grandes objetivos estratégicos: tratar das causas fundamentais de perda de biodiversidade, por meio  da conscientização do governo e sociedade das preocupações com a biodiversidade; reduzir as pressões diretas sobre a biodiversidade e promover o uso sustentável; melhorar a situação da biodiversidade, por meio  da salvaguarda de ecossistemas, espécies e diversidade genética; aumentar os benefícios de biodiversidade e serviços ecossistêmicos para todos; e aumentar a implantação, por meio de planejamento participativo, da gestão de conhecimento e capacitação.

Um relatório da ONU observa que nenhuma das 20 Metas de Aichi, distribuídas entre os cinco eixos estratégicos acima, foram alcançadas globalmente, com apenas seis (números 9, 11, 16, 17, 19 e 20) “parcialmente alcançadas”.

No entanto, as áreas de progresso na conservação da biodiversidade incluem: a incorporação dos valores da biodiversidade em alguns sistemas contábeis nacionais; um declínio na taxa de desmatamento globalmente de cerca de um terço em 2020 em comparação com a década anterior; a expansão de áreas terrestres e marinhas protegidas e áreas de particular importância para a biodiversidade; aumento dos dados e informações disponíveis sobre biodiversidade; e a duplicação dos recursos financeiros disponíveis para a biodiversidade por meio de fluxos internacionais.

Protocolo de Nagoya (2010)

O Protocolo, que regulamenta o Acesso a Recursos Genéticos e à Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Advindos de sua Utilização (Access and Benefit Sharing), é aprovado em Nagoya, Japão, durante reunião da CDB em 2010. O Protocolo de Nagoya visa  garantir que os benefícios dos recursos genéticos – que se referem a organismos vivos com valor percebido – sejam geridos ou distribuídos de forma justa e equitativa.

Sob Nagoya, os fornecedores – países detentores de grande biodiversidade, usuários de recursos genéticos, empresas farmacêuticas – podem ter maior segurança jurídica e transparência em suas relações, uma vez que estabelece condições mais previsíveis ao acesso de recursos genéticos e garante a repartição dos seus benefícios com quem os forneceu. 

As regras do protocolo criam incentivos para a conservação e uso sustentável de recursos genéticos e, logo, da biodiversidade. Também garantem que as legislações nacionais sobre biodiversidade sejam respeitadas, ao reforçar a soberania dos países para regulamentar o acesso a seus recursos genéticos. Isso evita, por exemplo, que uma empresa estrangeira registre como seus recursos originários do Brasil – caso do açaí que, de 2003 a 2007, chegou a ser patenteado pela companhia japonesa K.K. Eyela Corporation.

Apesar do papel importante para a aprovação do Protocolo de Nagoya na COP 10, o Brasil não esteve entre os 50 países que haviam ratificado o Protocolo em 2014. Apesar de um  governo federal então contrário à pauta,  apenas em 2021 o País ratifica o Protocolo, após acordo entre a Frente Parlamentar da Agropecuária e a Frente Parlamentar Ambientalista. Em 4 de março de 2021, o governo brasileiro deposita junto à Organização das Nações Unidas (ONU) seu instrumento de ratificação, passando a ser o 130º país-membro do Protocolo de Nagoya. 

Com a entrada em vigor da ratificação do Protocolo, em 2 de junho de 2021, o Brasil precisará fazer adequação da Lei de Biodiversidade ao acordo multilateral, uma vez que a lei de 2015 disciplina a atuação do País enquanto provedor, mas não como usuário de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais de outros países.

*Autores:

Alan Rigolo é coordenador de redes do Instituto Arapyaú para a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia

Élidi Inoue é consultora do Instituto Arapyaú

Luma Dias é consultora de cooperação internacional do Instituto Arapyaú

Sabrina Fernandes é coordenadora de comunicação do Instituto Arapyaú e para a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia

Este texto foi originalmente publicado pela Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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