Do trabalho no seringal, durante a infância e adolescência, até a chegada ao Ministério do Meio Ambiente, a trajetória de Marina Silva é pautada nas lutas sociais e na proteção ambiental
Marina Silva tem sua origem nos povos da floresta. Nascida e criada num seringal, Marina se tornou ambientalista ainda bem jovem, ingressando na carreira política por consequência.
Filha de seringueiro, começou a trabalhar ainda criança, também na extração do látex, junto com os irmãos. Foi aos 16 anos que a, ainda menina, viu uma oportunidade e, de mudança para a capital, conseguiu transformar sua vida.
O início da história de Marina Silva
Maria Osmarina da Silva nasceu em 8 de fevereiro de 1958, no vilarejo de Breu Velho, situado dentro do Seringal Bagaço. Essa região fica localizada na zona rural de Rio Branco, no estado do Acre.
O pai de Marina, Pedro Augusto da Silva, era seringueiro. A mãe, Maria Augusta da Silva, era dona de casa e faleceu quando Marina tinha 15 anos.
Aos 16 anos, Marina, ainda analfabeta, se mudou para a capital, inicialmente para cuidar da saúde. Em busca de tratamento médico, uma hepatite fez com que ela se mudasse para Rio Branco. Lá, foi acolhida num convento de freiras, onde considerou, por um tempo, se tornar uma também.
Durante esse tempo, Marina se sustentava trabalhando como empregada doméstica, enquanto era alfabetizada e concluía os estudos com o Mobral. Mobral funcionava como um supletivo na época. Na sequência, ingressou na faculdade e se graduou em História, pela Universidade Federal do Acre.
Foi professora por um curto período e participou de uma Comunidade Eclesial de Base (CEB). A CEB era um grupo católico com fins sociais, soube de um curso sobre liderança sindical rural. Atuando em prol dos interesses dos seringueiros, se iniciou outro capítulo na vida de Marina Silva.
Quem são os povos seringueiros?
A seringueira, ou Hevea brasiliensis, é uma árvore natural da floresta amazônica. A árvore pode atingir até 30 m de altura e seu tronco pode alcançar um diâmetro de até 60 cm. O látex, substância que é matéria prima para a produção de borracha, é encontrado na casca da seringueira.
A extração do látex na região amazônica teve seu auge entre 1879 e 1912, período do “ciclo da borracha”. Esses anos, conhecidos como La Belle Époque em Manaus e Belém, transformaram a economia e o desenvolvimento das regiões amazonenses, que atingiram seu ápice.
Em contrapartida, em 1895 a Inglaterra passou a desenvolver um experimento com a árvore brasileira. Foram plantadas cerca de 70 mil sementes levadas do Brasil, pelo botânico Henry Wickham, até a terra da rainha. Das 70 mil sementes, plantadas numa estufa no Kew Gardens, o Jardim Botânico Real inglês, apenas 2 mil vingaram. As 2 mil mudas foram, então, plantadas na Malásia. Isso foi o suficiente para que os britânicos passassem a produzir o látex em massa, tirando a hegemonia do Brasil.
Já por volta da década de 1940, com o caminhar da 2ª Guerra Mundial, o Brasil passou a ganhar destaque na produção de látex mais uma vez. O Brasil era responsável por fornecer a matéria prima da borracha, suprindo as necessidades dos Estados Unidos e países aliados. Isso porque o Japão, que lutava em aliança com Alemanha e Itália, havia invadido a Malásia, controlando a região asiática.
Foi então que o governo brasileiro, para suprir a demanda norte-americana na guerra, passou a fazer campanha na região nordeste. Com isso, um alto número de migrantes nordestinos foram para os seringais da Amazônia, principalmente para o Acre. Esses migrantes são conhecidos até hoje por “soldados da borracha”.
O nordeste passava por um grande período de seca, que foi a maior razão para que a população da região fosse convencida a migrar para o norte do Brasil, para trabalhar nos seringais. Getúlio Vargas, presidente do Brasil nesse período, criou um centro de recrutamento em Fortaleza, que transportava os trabalhadores dali para o Acre, de navio.
Os cartazes, parte da intensa propaganda do governo, prometiam “vida nova” na Amazônia, pintando um paraíso, que se provou inexistente. Além dos desafios proporcionados pelas diferenças ambientais, essas pessoas viviam em estado precário. Sem estrutura e mal alimentados, dormiam em redes e enfrentavam doenças, como malária e beribéri.
Mas em 1945, o Brasil viu novamente a crise chegar na região, com o declínio econômico causado pelo fim da guerra. No entanto, a extração do látex continuou e continua, até os tempos contemporâneos.
Os soldados da borracha não recebiam qualquer auxílio do governo e praticamente foram esquecidos, com o fim da guerra. Muitos morreram, por diversas doenças e condições precárias de vida. Os que sobreviveram, se adaptaram à floresta e, ainda vivendo de forma precária e sem encontrar uma saída, acabaram passando o fardo para as gerações seguintes.
Os anos 1980 foram marcados por um forte êxodo rural na região. Nesse período, os seringueiros amazônicos passaram a organizar um movimento agrário, com discursos ambientalistas, em busca de direitos trabalhistas e sociais, visibilidade e reconhecimento.
Importantes nomes atuaram no movimento dos seringueiros, um deles foi o ativista ambiental Chico Mendes. Chico é um dos principais personagens da trajetória política de Marina Silva. Foi encaminhada por ele, que Marina passou a se envolver efetivamente com as causas socioambientais e suas lutas.
A trajetória política de Marina Silva
A amizade construída com Chico Mendes (morto em 1988) foi o elo que conectou Marina Silva ao início de sua vida política. Inicialmente atuando em sindicatos de trabalhadores rurais e “empates” (atos de resistência contra o desmatamento), os dois ativistas ajudaram a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Acre.
Marina Silva entrou definitivamente para a política em 1986, quando se candidatou a deputada federal, mas não se elegeu. Já em 1988, foi eleita vereadora de Rio Branco.
No início da década de 1990 foi eleita deputada estadual e, quatro anos depois, se tornou senadora, aos 35 anos.
Em 1996, a então senadora ganhou o prêmio Goldman Prize, por ter sido, ao lado de Chico Mendes, fundamental na luta contra o desmatamento na região amazônica, contribuindo na formação de 2 milhões de hectares de reservas extrativistas no Acre.
Já em 2002, a ativista foi reeleita senadora e, no ano seguinte, se tornou, pela primeira vez, Ministra do Meio Ambiente.
Sob sua gestão, em 2004 foi criado o Plano de Ação para a Prevenção e o Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que envolveu outros ministérios na problemática do desmatamento na região.
Segundo um estudo, realizado pela Universidade de São Paulo (USP), o projeto apresentou um alto índice de eficiência entre 2005 e 2013, contra o desmatamento na região da Amazônia Legal. Além disso, o projeto alavancou também a expansão de áreas de proteção ambiental e Unidades de Conservação (UCs) por todo o país. Em 2023, o PPCDam entrou em sua 5ª fase de atuação e tem como meta o desmatamento zero até 2030.
Ainda em 2006, sob seu ministério, foi criada a lei da Mata Atlântica, que protege sua biodiversidade e estabelece regras para o uso dos recursos desse bioma. A Mata Atlântica foi reconhecido pela Constituição de 1988 como Patrimônio Nacional.
Nesse contexto, ainda em 2006, foi estabelecida a lei de Gestão de Florestas Públicas, também conhecida como lei da Concessão Florestal. A lei concede áreas para a exploração e uso dos recursos florestais pelo setor privado, estabelecendo regras de manejo florestal. Essa lei sofreu alterações em maio de 2023.
Em uma entrevista, realizada em março de 2023, a então ministra refletiu sobre pontos de sua trajetória, num momento de autocrítica.
Pelas próprias palavras, Marina disse ter sido, por muito tempo, contra o manejo florestal, pois não acreditava que florestas pudessem ser protegidas através de tal prática.
A então ministra diz que foi convencida, por meio de dados trazidos pela sua própria equipe, que “uma forma de proteger a floresta é dando também, mas não apenas isso (pois se tudo virar manejo, a gente acaba com a biodiversidade), algumas áreas que podem ser usadas para o manejo florestal”. Afirmando que, com isso, é possível “ter uma atividade econômica, rentável, que vai passar de filho para neto, protegendo a floresta”.
Ela conta ainda que, na época da aprovação da lei, enfrentou duras críticas de amigos muito próximos, atuantes na causa ambiental.
O Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal também foram criados em 2006. Em 2007, foi a vez do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que é responsável pela gestão das 335 UCs brasileiras.
No mesmo ano, por sua luta contra o desmatamento da Amazônia e a valorização dos povos da floresta, Marina Silva foi mais uma vez reconhecida, recebendo o prêmio Champions of the Earth, concedido pelo Programa das Nações Unidas pelo Meio Ambiente (PNUMA).
Em contrapartida, por divergências com a política ambiental do governo federal e sentindo ausência de apoio na agenda ambiental, Marina Silva pediu demissão do cargo de ministra, que ocupava pela 2ª vez, em 2008.
Na sequência, retornando ao cargo de senadora, Marina recebeu a medalha The Duke of Edinburgh’s Award, da ONG WWF. O reconhecimento foi dado por suas contribuições pela conservação do meio ambiente, enquanto ministra, em especial pelo Programa Arpa, o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia.
Posteriormente, a ativista ambiental disputou a presidência da república em três ocasiões: 2010, 2014 e 2018.
Nas eleições de 2022, Marina Silva foi eleita deputada federal por São Paulo. Em 2023 assumiu, pela 3ª vez, o cargo de Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima e marcou presença na lista das 25 mulheres mais influentes de todo o mundo, publicada pelo conceituado jornal britânico Financial Times.
Segundo o Times, a influência é o poder de persuadir, defender mudanças e imaginar melhores modos de fazer as coisas. O que significa que a lista engloba “mulheres que estiveram no comando e nas trincheiras das transformações mais profundas do mundo”.
A importância da representatividade feminina na política
Houve um tempo, nem tão longínquo assim, em que as mulheres não tinham voz. Sem direitos e sem liberdade, as mulheres foram, por séculos, limitadas nas sociedades, destinadas à submissão imposta pela cultura milenar do patriarcado. Cultura essa ainda difícil de diluir, em muitos aspectos.
No mundo, os direitos das mulheres começaram a ser reivindicados a partir do século 18, com o evento da revolução francesa e as idéias do Iluminismo. O Iluminismo foi um movimento que pregava mudanças culturais, baseando-se em liberdade, progresso, tolerância, fraternidade, liberalismo político e o afastamento da fé (igreja) em prol da razão.
Importantes personagens históricos, como a escritora britânica Mary Wollstonecraft e a ativista francesa Olympe de Gouges, ajudaram a dar voz ao movimento feminista, dentre tantas outras. Reivindicavam, principalmente, os direitos políticos das mulheres nessa época.
No Brasil a luta também era legítima, com os resultados chegando um pouco mais tarde.
Luiza Alzira Soriano Teixeira foi a primeira mulher, em toda a América Latina, a ser eleita para um cargo executivo. Luiza foi prefeita da cidade de Lajes, no Rio Grande do Norte, com 60% dos votos, em 1928, assumindo o cargo no ano seguinte.
Apesar da Constituição da época não ser clara quanto à elegibilidade de mulheres, também não havia nada na lei que proibisse. O Rio Grande do Norte foi, inclusive, o primeiro estado a incluir em sua constituição o direito das mulheres ao voto, em 1927.
Luiza lutou pelos direitos da mulher na política, mas seu mandato durou apenas 7 meses, perdendo o cargo com o início da Era Vargas.
As mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto, com restrições, apenas em 1932. Mulheres divorciadas ou pobres não podiam votar. Mulheres casadas só votavam com a autorização do marido. Foi só em 1946 que o voto feminino se tornou obrigatório e pleno em direitos.
Entretanto, a conquista das mulheres no meio político evolui a passos lentos. Foi só em 1979 que a primeira mulher integrou o congresso nacional, tomando posse de uma cadeira de senadora. Em 1982 o Brasil viu a primeira mulher ser eleita governadora. Em 2000, foi a vez da primeira mulher se tornar ministra e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2010, uma mulher foi eleita, pela primeira vez, presidente da república.
No âmbito das leis, em 2009 a lei nº 12034 tornou obrigatório o cumprimento de cotas de gênero. A lei estabeleceu cota mínima (30%) e máxima (70%) para candidaturas de cada sexo, numa tentativa de tornar o processo mais homogêneo.
Já em 2015, foi criada uma lei de incentivo para a participação das mulheres na política. Ficou estabelecido, com a lei nº 13165, que os partidos utilizariam 20% do seu tempo de propaganda, no período eleitoral, para incentivarem a participação feminina na política. Nada mais justo, após séculos de repressão.
A representatividade das mulheres na política, e em todos os outros setores da sociedade, é fundamental. Não se trata de preencher cotas ou reparar injustiças, mas sim uma forma de garantir uma sociedade mais equitativa. Garantir que as vozes das mulheres sejam ouvidas, também garante que diferentes perspectivas sejam avaliadas e respeitadas. Garante ainda que seus direitos e sua liberdade sejam preservados.
No TSE Mulheres é possível acompanhar estatísticas da participação feminina, além de todo o histórico de conquistas das mulheres na política brasileira.