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Vivendo em regiões distantes, mas sob ameaças semelhantes, lideranças estreitam laços para trocar experiências sobre estratégias de proteção de seus direitos e de suas terras

Por WWF Brasil | No que diz respeito à defesa dos territórios e à luta por direitos, indígenas de Rondônia tiveram ao longo dos anos experiências bastante distintas daquelas vivenciadas por povos da Bacia do Xingu, que abrange grandes áreas do Pará e de Mato Grosso. As ameaças enfrentadas, contudo, têm muitas semelhanças. Por isso, indígenas dessas duas regiões têm se articulado para estreitar laços e trocar experiências que possam aprimorar suas estratégias de proteção territorial.

Com protagonismo dos indígenas, esse intercâmbio vem sendo estimulado por organizações do terceiro setor. O pontapé inicial ocorreu em maio deste ano, quando o ISA (Instituto Socioambiental) convidou o WWF-Brasil para participar de um encontro da Rede Xingu+ na Terra Indígena Wawi, em Mato Grosso.

Em estreita parceria com a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, o WWF trabalha há mais de 30 anos em projetos de proteção territorial em Rondônia. Já o ISA é responsável pela secretaria-executiva da Rede Xingu+, uma aliança formada por 33 associações indígenas e ribeirinhas do Xingu.

“Em Rondônia e no Xingu os problemas enfrentados pelos indígenas são muito parecidos e as dificuldades são as mesmas. A presença do garimpo, da grilagem, da extração ilegal de madeira e o avanço do desmatamento e das queimadas são agressões territoriais comuns às duas regiões”, diz André Villas-Bôas, diretor do ISA e secretário-executivo da Rede Xingu+.

“Foi uma experiência incrível. Gostei muito de ter conhecido a realidade dos parentes do Xingu, que não é muito diferente da nossa em relação à invasão territorial e ameaças aos direitos indígenas”, salienta Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau, um dos quatro indígenas de Rondônia que participaram do intercâmbio.

Como liderança da Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, Bitaté tem trabalhado ativamente no projeto do WWF-Brasil e da Kanindé, que desde 2019 utiliza tecnologia de ponta para fortalecer as ações de proteção territorial. Bitaté, hoje com 22 anos, tornou-se inclusive monitor de pilotagem de drones – uma das ferramentas fundamentais nos monitoramentos.

“Acompanhei as ações dos grupos do Xingu e vi que eles fazem um trabalho de proteção parecido com o nosso. Me chamou a atenção especialmente o trabalho deles com o audiovisual e comunicação”, pontua.

“Nós também conversamos sobre o nosso filme, para que eles pudessem saber mais sobre a nossa realidade”, diz Bitaté, referindo-se ao documentário “O Território”, coproduzido pelos Uru-Eu-Wau-Wau e lançado em janeiro no exterior. O filme, que mostra a história desse povo em defesa de suas terras, foi vencedor em duas categorias no Festival Sundance de Cinema, nos Estados Unidos, e de outros prêmios no exterior.

Trabalho em rede e REDD+

De acordo com Villas-Bôas, nesse primeiro contato, os indígenas de Rondônia aproveitaram para conhecer o funcionamento do trabalho em rede da Xingu+, que permite articular ações das organizações indígenas em uma região imensa e heterogênea. Com cerca de 28 milhões de hectares de extensão, uma área três vezes maior do que a de Portugal, o Corredor Xingu concentra a maior biodiversidade do Brasil e incide sobre 40 municípios em dois estados, abrigando 21 Terras Indígenas e nove Unidades de Conservação contíguas.

“A Rede Xingu+ procura unir esforços das organizações da região para defender áreas vulneráveis a essas ameaças. Essas organizações estão no front dessa luta, por isso é fundamental fortalecê-las”, ressalta Villas-Bôas.

Por outro lado, os rondonienses compartilharam também o aprendizado com o projeto Carbono Florestal Suruí, a primeira iniciativa a utilizar o instrumento REDD+ (sigla para Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) em territórios indígenas no Brasil. Realizado pelo povo Suruí na Terra Indígena Sete de Setembro, o projeto de certificação e venda de créditos de carbono funcionou entre 2007 e 2018.

“Não há projetos de créditos de carbono no Xingu, mas o assunto começou a chegar na região de uma forma bastante especulativa, com organizações oportunistas que assediam as populações com muitas promessas, mas na realidade querem fazer uma espécie de corretagem de carbono. Os Suruí viveram isso há mais de uma década e fizeram um relato muito interessante aos indígenas do Xingu”, lembra Villas-Bôas.

Luta contra a desinformação

Villas-Bôas explica que a discussão sobre REDD+ já havia sido pautada pela Rede Xingu+ e o WWF-Brasil propôs a visita de indígenas Suruí de Rondônia para que narrassem sua experiência. “É uma questão complexa e eles sentiam necessidade de informação. Foi um enorme aprendizado para eles ouvir o relato honesto do povo Suruí sobre essa questão. Acho que esse tipo de intercâmbio é altamente produtivo”, pondera.

Um projeto de créditos de carbono pode ajudar a sustentabilidade de um território, sendo uma forma de pagamento por serviço ambiental – e não é algo ruim, mas pode dar muito errado se for mal trabalhado, frisa a indigenista Ivaneide Bandeira Cardozo. Conhecida como Neidinha Suruí, ela é coordenadora de projetos e cofundadora da Kanindé e compartilhou a experiência em Mato Grosso.

“Mostramos aos parentes do Xingu que, em Rondônia, o projeto de carbono foi bom, mas que foi prejudicado por influência de gente de fora, que nem era indígena, mas estava envolvida no processo. Esse pessoal, ao ver a autonomia dos Suruí, começou a sabotar o projeto de forma totalmente desleal”, afirma.

De acordo com ela, foi possível perceber que os povos do Xingu têm sido expostos a muita desinformação sobre os projetos de REDD+. “Muitas das histórias que contam para eles não são verdadeiras. Havia muita coisa sem sentido, como o rumor de que um projeto de carbono impede que os indígenas construam suas casas ou façam sua roça. É mentira, o projeto dos Suruí dava toda garantia para a conservação da cultura e para o desenvolvimento sustentável”, declara Neidinha.

Resiliência no Xingu

Os Suruí e os Uru-Eu-Wau-Wau de Rondônia trocaram experiências sobre proteção territorial com os povos do Xingu. Neidinha afirma que, apesar da semelhança entre as ameaças que afetam as duas regiões, os problemas no Xingu são potencializados por vários fatores – e ainda assim os indígenas locais têm estratégias muito eficientes de defesa do território.

“Ouvindo o pessoal do Xingu, fiquei surpresa com a quantidade de problemas causados lá pelo agronegócio. No nosso caso, todas as nascentes de rios estão dentro das Terras Indígenas. Mas, no caso deles, as nascentes estão fora do território, cercado pelo agronegócio. Com isso, os agrotóxicos entram na área indígena pelas águas. Um problema muito sério”, destaca Neidinha.

Essa grave ameaça à saúde não é algo que ocorre em Rondônia, onde os principais problemas são a grilagem de terras e o roubo de madeira, além das ameaças de morte aos defensores da floresta. “Mas eles sofrem com ameaças como as nossas também, então, talvez estejam em situação ainda pior. Ficamos admirados em ver como eles conseguem preservar sua cultura em meio a tanta pressão. Foi emocionante”, diz.

O intercâmbio continuará, garante Neidinha. Tanto que o grupo de Rondônia já foi convidado para outro evento no Xingu. “Queremos também levá-los para Rondônia para que vejam nossa realidade. Estamos construindo uma grande maloca para poder recebê-los e queremos levá-los em uma operação de proteção territorial, para mostrar como fazemos o monitoramento”, conta.

Compartilhando estratégias

Em Rondônia, o sistema de proteção territorial montado pela parceria entre a Kanindé e o WWF-Brasil equipou e treinou indígenas para o monitoramento territorial com o uso de drones e da plataforma Smart – um aplicativo de código aberto que otimiza a coleta e o uso de dados sobre áreas protegidas, utilizado na elaboração de relatórios.

A parceria também contou com a instalação, em Porto Velho, de um centro de monitoramento remoto, que se baseia em sistemas de computador para processamento de imagens de satélite capazes de direcionar e complementar o trabalho das equipes indígenas em campo. O projeto permitiu ainda instalar ou restaurar bases de vigilância em diversos territórios indígenas.

De acordo com Raul Valle, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil, o sistema de monitoramento em Rondônia entrou em funcionamento recentemente e agora começa a se tornar possível realizar um de seus principais objetivos: utilizar os dados obtidos sobre as invasões e atividades ilegais nos territórios indígenas para fundamentar denúncias, com a expectativa de que resultem em ações mais rápidas do poder público no sentido de coibir crimes.


Este texto foi originalmente publicado por WWF Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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