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Estudo mostra o impacto de conceder recursos extras para cidades que possuem áreas de preservação

Por Fabrício Marques em Revista Pesquisa FapespUm grupo de pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e Duke, nos Estados Unidos, constatou a efetividade de um tipo de legislação fiscal que dá recompensas financeiras para municípios que possuem unidades de conservação ambiental em seus territórios. Conhecida como ICMS Ecológico (ICMS-E), essa modalidade de incentivo já foi adotada por pelo menos 15 estados brasileiros desde o início dos anos 1990. Ela transfere um percentual maior da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para cidades que ampliaram a proteção a áreas com vegetação nativa e de mananciais.

Utilizando modelos econométricos, os pesquisadores analisaram a evolução de áreas protegidas em 1.467 municípios de seis estados entre 1987 e 2016. Quatro desses estados – Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo – adotaram repasses para municípios com território preservado, enquanto os outros dois – Santa Catarina e Espírito Santo – foram usados como parâmetro de comparação por não empregarem o ICMS-E. Um dos desafios da análise era identificar de modo preciso a influência desse tipo de ferramenta fiscal em meio a uma série de ações concomitantes que tiveram o mesmo objetivo, como a criação de um plano nacional de incentivo a unidades de conservação e a oferta de financiamento internacional para preservação. Os modelos apontaram uma correlação discreta entre a adoção do ICMS-E e a criação de áreas protegidas, que se mostrou mais visível em estados como Rio de Janeiro, onde a legislação foi aplicada recentemente e está no auge de seus efeitos.

O impacto, contudo, ocorreu de forma desigual. Uma distorção gerada pelo estímulo foi a disseminação pelos municípios de um grande número de unidades de conservação pouco restritivas, as chamadas Áreas de Proteção Ambiental (APA). Elas são mais viáveis de criar porque não limitam muito o uso da terra nem exigem desapropriações, mas também não oferecem proteção suficiente a hábitats ameaçados. Em média, os gestores das cidades criaram 24 vezes mais APA do que outros tipos de unidade de conservação. Já quando a criação das áreas protegidas foi iniciativa dos governos estaduais, o descompasso é bem menor – o número de APA foi oito vezes maior. A explicação é simples: para um prefeito, criar por lei uma APA é um expediente rápido e descomplicado, capaz de aumentar as transferências fiscais ainda no decorrer de seu mandato. Já para os estados, a criação de áreas protegidas não rende benefícios financeiros e, em decorrência disso, é regida por critérios técnicos e segue objetivos de longo prazo.

“Estados utilizaram o ICMS Ecológico para incentivar a implementação local de suas estratégias de conservação, muitas delas de caráter rigoroso, enquanto os municípios recorrem principalmente a ações de baixo custo para aumentar suas receitas”, explica a bióloga Patricia Ruggiero, que fez o estudo em seu projeto de doutorado, concluído em 2018, com orientação de Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da USP, e coorientação de Alexander Pfaff, da Escola de Políticas Públicas da Universidade Duke, e de Paula Pereda, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP – coautores do trabalho. Outra constatação foi a diluição dos efeitos dessa ferramenta fiscal ao longo do tempo. “A legislação deflagra uma espécie de corrida e os municípios que criam áreas protegidas primeiro conseguem benefícios de curto prazo maiores. À medida que outras cidades utilizam o mesmo artifício, a fatia do bolo correspondente ao ICMS Ecológico se pulveriza e o mecanismo vai perdendo atratividade”, afirma Ruggiero.

De acordo com o estudo, que foi publicado em janeiro na revista Ecological Economics, o artifício de estabelecer transferências fiscais atreladas à aplicação de políticas ambientais foi adotado nos últimos anos por países como Portugal e França e está sendo considerado por outras nações europeias, como Alemanha e Polônia. O exemplo de maior envergadura é o da Índia, que aplicou a regra a toda sua extensão territorial – sem conseguir, contudo, elevar investimentos em preservação.

A experiência do Brasil é a mais antiga de todas. Seu ponto de partida foi um dispositivo da Constituição de 1988 que atribui às unidades da federação a possibilidade de definir, por meio de leis locais, critérios específicos para distribuir os 25% de recursos arrecadados pelo ICMS a que os municípios têm direito. O primeiro estado a adotar o esquema foi o Paraná, que o estabeleceu na Constituição Estadual de 1989 e, dois anos depois, aprovou uma lei reservando 5% dos repasses do imposto para ratear entre municípios com mananciais e aqueles com unidades de conservação, incluindo terras indígenas. “O ICMS Ecológico teve origem na mobilização política de municípios da Região Metropolitana de Curitiba, que se consideravam penalizados por reservarem parte do seu território para garantir o abastecimento de água da capital”, explica o engenheiro- -agrônomo Wilson Loureiro, um dos artífices da  legislação quando atuava no Instituto Ambiental do Paraná (IAP) – atualmente ele é professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Durante as discussões sobre a nova Constituição do Paraná, foram incorporadas também as demandas de cidades com unidades de conservação.” De acordo com o IAP, o espaço ocupado por áreas preservadas no estado cresceu 160% entre as décadas de 1990 e 2000.

Outros 14 estados brasileiros adotaram esquemas para transferir recursos do ICMS para cidades com políticas ambientais, mas cada um deles com um formato peculiar. O volume dos repasses varia: eles vão de 1% da cota destinada aos municípios, no caso de Mato Grosso do Sul, a 13% em Tocantins. Da mesma forma, os critérios para distribuição do dinheiro podem ser amplos ou restritos. No Rio de Janeiro, em Roraima, no Acre e no Amapá, a distribuição dos percentuais extras tem como parâmetro apenas a existência de unidades de conservação ambiental. Outros estados incorporaram exigências complementares, como a adoção de políticas municipais de gestão de resíduos sólidos (Ceará, Piauí e São Paulo) e de saneamento (Pernambuco e Tocantins) ou a existência de reservatórios para a geração de energia elétrica (São Paulo) e de terras indígenas (Mato Grosso e Rio Grande do Sul). Minas Gerais estabeleceu um elenco de critérios para a redistribuição de repasses de ICMS para municípios, entre indicadores de educação, de preservação do patrimônio cultural e de produção de alimentos – 1,1% da cota obedece a parâmetros ambientais. “O ICMS Ecológico mostrou um caminho capaz de induzir comportamentos de agentes públicos”, diz Barreiro. “É uma ferramenta de custo zero, pois não interfere na arrecadação. Seu mecanismo poderia ser usado com outras finalidades, como estimular a agricultura de baixo carbono.”

ICMS Ecológico deu origem a muitas unidades de conservação pouco restritivas, que são fáceis de criar

São Paulo adotou um dos percentuais mais baixos, de 1%. Mas, como o estado possui a maior arrecadação de ICMS em valores absolutos, o recurso foi suficiente para promover um aumento de áreas protegidas. Segundo a legislação vigente no estado até o ano passado, o que elevava o repasse do ICMS não eram as unidades de conservação criadas por prefeituras, mas as áreas de proteção estabelecidas em um plano estadual, após negociação entre o governo paulista e prefeitos, além de áreas destinadas a reservatórios de hidrelétricas. Em 2021, os valores reservados subiram de 1% para 2% da arrecadação do ICMS. As regras anteriores foram mantidas, mas, com a ampliação dos recursos, foram adicionados dois novos critérios para a sua distribuição: a existência de outras áreas cobertas com vegetação nativa e de planos de gestão de resíduos sólidos nos municípios. “Hoje, há tecnologia disponível e acessível que nos permite monitorar áreas preservadas, mesmo as que não foram alvo de decretos municipais”, diz Ruggiero. “Essa reforma da legislação direciona o incentivo para o alvo que importa, que são as áreas com vegetação nativa preservada, possivelmente tornando a ferramenta mais efetiva.”

Para o ecólogo Rafael Barreiro Chaves, especialista ambiental da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima) do Estado de São Paulo, que não participou do estudo, o trabalho liderado por Ruggiero evidencia tanto a importância de criar incentivos financeiros que favoreçam a ampliação da vegetação preservada quanto de o estado implementar mecanismos que maximizem os benefícios ecológicos. “O caso de São Paulo demonstra o acerto em favorecer a inserção dos municípios em uma política mais ampla, de escala estadual, algo que a ciência aplicada à política pública agora nos ajuda a comprovar”, explica. Chaves representa a Sima e é vice-diretor do projeto Biota Síntese, apoiado pela FAPESP no âmbito do programa Núcleos de Pesquisa Orientada a Problemas em São Paulo. Coordenado por Jean Paul Metzger, o projeto busca explorar o conhecimento acadêmico sobre biodiversidade e serviços ecossistêmicos para municiar novas políticas públicas socioambientais, em particular através de soluções baseadas na natureza. “Não se trata apenas de agrupar e revisar dados científicos, mas sim de desenvolver uma metodologia que permita trazer um olhar inter e transdisciplinar para ressignificar dados já coletados, possibilitando a geração de novas ideias, modelos, paradigmas e teorias”, disse Metzger, no lançamento do projeto.

Artigo científico
RUGGIERO, P. G. C. et al. The Brazilian intergovernmental fiscal transfer for conservation: A successful but self-limiting incentive programEcological Economics. v. 191. jan. 2022.

Este texto foi originalmente publicado por Revista Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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