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Entidades de ambos os lados protestam contra fusão anunciada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro e falam em retrocesso

O presidente eleito Jair Bolsonaro anunciou nesta terça-feira (30) a possível fusão do Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura, assim como a criação do Ministério da Economia, que deve unir as atuais pastas da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior. A extinção de um ministério autônomo voltado para as questões ambientais, porém, preocupa tanto ativistas da área quanto membros do agronegócio, já que o tema tem grande impacto nas negociações comerciais internacionais.

Algumas questões que preocupam os especialistas ambientais são a ausência de equilíbrio entre as forças dos defensores ambientais e das políticas públicas da área e as do avanço agrícola e do desmatamento, e o potencial aumento da violência no campo e das emissões de gases estufa. Os empresários do ramo do agronegócio, por sua vez, temem pela imagem que o Brasil vai passar no comércio internacional.

O Observatório do Clima, uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira que discute as mudanças climáticas, afirmou em nota que a decisão “antecipa o início do desmonte da governança ambiental do Brasil. Submete o órgão regulador ao setor regulado. Ignora que o patrimônio ambiental único ao Brasil é um ativo, e não um passivo, que também demanda uma estrutura única de regulação.”

O secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, fez um alerta em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo: “Se o Brasil perder floresta, vai perder mercado. Isso não são os ambientalistas falando”. Segundo ele, são os próprios integrantes do agronegócio que falam da importância da sustentabilidade e do Acordo de Paris nas mesas de negociação de acordos comerciais internacionais.

A ex-ministra do meio ambiente Marina Silva, candidata derrotada nestas eleições, também chama atenção para o impacto de tal decisão sobre o comércio exterior. “[A fusão] passará aos consumidores no exterior a ideia de que todo o agronegócio brasileiro, em que pese ter aumentado sua produção por ganho de produtividade, sobrevive graças à destruição das florestas, sobretudo na Amazônia, atraindo a sanha das barreiras não tarifárias em prejuízo de todos”, declarou em sua página oficial no Facebook.

Em nota, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, grupo que reúne representantes do agronegócio, das entidades de defesa do meio ambiente, da academia e do setor financeiro, afirmou que a união dos ministérios pode “pôr em xeque um necessário equilíbrio de forças que precisa ser respeitado no âmbito das políticas públicas”. Eles também se preocupam com a submissão de um órgão regulador (o Ministério do Meio Ambiente) a um setor regulado.

Quanto ao setor do agronegócio, o receio dos exportadores é de que os produtos brasileiros sejam barrados por causa de questões ambientais, como o desmatamento na Amazônia, que passará agora a ser um problema do novo ministério da Agricultura. Isso pode fazer com que o Brasil perca mercados importantes, como a Europa e até os Estados Unidos (em que o ativismo ambiental é muito forte, embora a atual administração não esteja muito preocupada com os acordos ambientais internacionais).

Essa preocupação com o comércio exterior é reforçada pela academia. Na visão do economista Carlos Eduardo Frickmann Young, do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEMA-UFRJ), em entrevista ao site O Eco, “a transformação do ministério do Meio Ambiente em secretaria sinaliza uma concepção de estrutura do Estado antiga e divorciada do mundo atual, onde as mudanças climáticas e a noção de sustentabilidade são nortes não só para as políticas públicas, mas para o mercado.”

Ele chama especial atenção para o mercado europeu, em que o custo de uma medida de controle climático é muito alto, já que são países que percebem o problema climático com grande relevância. “Como é que eles vão querer lidar com um país que está fazendo justamente o contrário?”, questiona. O receio do economista é de que o Brasil fique limitado a mercados secundários, como a África ou a Rússia, países onde a questão climática não serviria como um fator de barreira de mercado.

Young relembra que o caso americano é particular: “Embora a administração federal norte-americana não esteja preocupada com isso, nenhuma empresa vai querer uma manifestação de ativistas na porta da sua loja em Nova York porque aquele produto que está sendo vendido foi associado à perda da biodiversidade, ao aumento da mudança climática ou ao desaparecimento dos povos indígenas“.

“É o pior cenário possível para a área ambiental”, declarou Paulo Artaxo, climatologista da USP, em entrevista à Folha de S.Paulo. Ele alerta para o risco de os ruralistas ficarem confiantes com a impunidade, o que só deve piorar a imagem brasileira junto ao comércio exterior. O grupo de ruralistas que pedem uma política ambiental mais frouxa está saindo vitorioso sobre os setores exportadores do agronegócio, que temem o fechamento de mercados.

Artaxo acredita que a possível expansão do desmatamento pode acirrar as disputas de terra e levar a um aumento da violência no campo. Além do risco que essa tensão representa para a imagem do Brasil no comércio exterior, transformar a poluição do ar e o desmatamento em um problema do ministério da Agricultura tornará o produto exportado brasileiro muito frágil a campanhas negativas.

O economista Carlos Young diz que o exportador brasileiro terá que investir pesado em certificação ambiental e em campanhas publicitárias para que seu produto consiga se livrar da pecha de desmatador. Isso terá um custo alto, que talvez não compense os benefícios da expansão da pecuária de baixa produtividade, a principal favorecida com a expansão do desmatamento.

Desmatamento da Amazônia: causas e como combatê-lo

Os membros da Coalizão Brasil também se colocaram à disposição do governo eleito para oferecer mais detalhes sobre os riscos envolvidos nessa fusão, “assim como apresentar as inúmeras oportunidades que o país tem ao usufruir de uma economia de baixo carbono“.

O próprio Ministério do Meio Ambiente recebeu a decisão com “surpresa e preocupação”. Em comunicado oficial publicado nesta quarta (31), o atual ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, diz que “os dois órgãos são de imensa relevância nacional e internacional e têm agendas próprias, que se sobrepõem apenas em uma pequena fração de suas competências.”

Ele ressalta a amplitude da carteira de ações do atual ministério, que abrange do combate ao desmatamento e a incêndios florestais até o estímulo a energias renováveis, o licenciamento de setores que não têm implicação com a atividade agropecuária, como o petrolífero, e o combate à poluição do ar. São questões amplas e complexas, que demandam uma “estrutura própria e fortalecida”, segundo o ministro.

A preservação e a defesa do meio ambiente são um dever do Poder Público, consagrado no artigo 225 da Constituição Federal, o que justifica a existência de um ministério dedicado ao assunto. O atual ministro reforça o coro de alertas: “O novo ministério que surgiria com a fusão do MMA e do MAPA teria dificuldades operacionais que poderiam resultar em danos para as duas agendas. A economia nacional sofreria, especialmente o agronegócio, diante de uma possível retaliação comercial por parte dos países importadores.”

O ministério do Meio Ambiente (MMA) foi criado em 1992, durante o governo Collor, e é responsável por formular e implementar políticas públicas ambientais nacionais. O ministério é composto por três autarquias e uma agência:

  • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pelo licenciamento de grandes obras e por fiscalização de infrações ambientais;
  • Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão de Unidades de Conservação federais e pela conservação de espécies ameaçadas;
  • Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (IBJB), responsável pela coordenação da Lista de Espécies da Flora do Brasil e pela avaliação de risco de extinção destas espécies;
  • Agência Nacional de Águas (ANA), dedicada a fazer cumprir os objetivos e diretrizes da Lei das Águas do Brasil.

Ainda não se sabe qual o destino de cada autarquia na nova composição ministerial.


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