Estudos indicam que os filtros, ao suavizar a fumaça, facilitam inalações mais profundas, potencialmente elevando o risco de formas graves de câncer de pulmão
Os filtros de cigarro, longe de serem um avanço para a saúde pública, revelam-se uma das maiores falácias industriais e um dos poluentes plásticos mais perversos do mundo. Introduzidos na década de 1950 pela indústria do tabaco, a estratégia nunca foi mitigar os malefícios do fumo, mas sim acalmar a opinião pública, cada vez mais alarmada com os riscos do cigarro. Setenta anos depois, a ciência comprova que esses filtros não tornam o produto mais seguro; pelo contrário, agravam o problema ambiental de forma dramática.
A peça central dessa crise é o material do qual a maioria dos filtros é composta: o acetato de celulose, um tipo de plástico. Ao serem descartados, esses resíduos não se biodegradam. Em vez disso, fragmentam-se em microplásticos, infiltrando-se no solo e chegando a rios e oceanos. Com uma escala estimada de 4,5 trilhões de pontas descartadas anualmente, as bitucas de cigarro consolidaram-se como o item mais litterado do planeta, responsável por cerca de 800 mil toneladas de lixo plástico que invadem os ecossistemas a cada ano.
Do ponto de vista sanitário, a narrativa de segurança desmorona. Estudos (1, 2, 3, 4, 5) indicam que os filtros, ao suavizar a fumaça, facilitam inalações mais profundas, potencialmente elevando o risco de formas graves de câncer de pulmão. A crença, ainda muito difundida entre fumantes, de que cigarros filtrados são menos nocivos, carece de qualquer fundamento científico. A indústria, pressionada pela crescente rejeição aos plásticos, tenta se reinventar com propagandas de filtros “biodegradáveis”. Essas alternativas, no entanto, perpetuam a poluição e não conferem qualquer benefício à saúde, servindo apenas como maquiagem verde.
A proibição total dos filtros surge como uma medida urgente e viável. Tal ação eliminaria uma fonte massiva de contaminação por plástico e desmontaria o mito do cigarro “seguro”, já que versões sem filtro são consideradas mais irritantes e menos palatáveis, podendo inclusive desestimular o consumo. Instrumentos internacionais, como o tratado global sobre poluição plástica que está em negociação nas Nações Unidas, representam uma janela de oportunidade para incluir os filtros de cigarro em uma lista de produtos com eliminação obrigatória, e não apenas com restrições voluntárias.
Organizações de saúde e meio ambiente, como a OMS, defendem a medida. Prova de que a mudança é possível é a cidade de Santa Cruz, na Califórnia, que aprovou uma lei para banir os filtros a partir de 2024. Eliminar os filtros não resolverá sozinho a crise do tabagismo ou a poluição plástica, mas constitui um passo simbólico e concreto para realinhar as prioridades de saúde pública com a integridade ambiental.