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Pesquisa também busca identificar bactérias com propriedades probióticas que ajudem a atenuar processos alérgicos relativos ao glúten

Imagem de Victoria Shes no Unsplash

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP, e de duas instituições francesas investigam a possibilidade de usar bactérias láticas para reduzir ou prevenir processos alérgicos relacionados ao consumo de alimentos à base de trigo.

Uma das abordagens explora o uso de bactérias com atividade proteolítica – capazes de quebrar as sequências responsáveis pela alergia ao glúten – como um complexo proteico composto por gliadinas e gluteninas para fermentar o glúten, aproveitando as propriedades que esses microrganismos têm de reduzir as proteínas em pedaços menores (peptídeos e aminoácidos livres) e, assim, diminuir seu potencial alergênico. Uma vez dominado, esse processo poderia ser empregado para a fabricação de alimentos ou ainda resultar em um glúten fermentado para uso como ingrediente em produtos de panificação.

Noutra abordagem, a pesquisa busca identificar bactérias que tenham também propriedades probióticas, que poderiam ser utilizadas em terapia adjuvante para atenuar os processos de alergia alimentar, sobretudo relativos ao glúten.

“Há pessoas que não são alérgicas, mas que têm risco de se tornarem alérgicas a determinados alimentos, geralmente por fatores genéticos, porque nasceram em famílias de pais asmáticos ou porque são alérgicos a alimentos, por exemplo. Na clínica médica, consideramos que essas pessoas têm um background para o desenvolvimento de alergias. E, nessas pessoas, entendemos que é possível prevenir a ocorrência dessa hipersensibilidade”, explica Kamel Eddine El-Merchefi, bioquímico e fisiologista argelino que vem trabalhando com o tema no Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), da França.

O INRA é parceiro do FoRC em projeto do Research Food Innovation: Food for Tomorrow, apoiado pela FAPESP, cujo objetivo é explorar a fermentação como ferramenta para reduzir a alergenicidade em proteínas vegetais.

A parceria tem a coordenação das professoras Colette Larre (INRA) e Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco (FoRC). A Oniris – Ecole Nationale Vétérinaire, Agroalimentaire et de l’Alimentation de Nantes – também integra o consórcio. Para este projeto, o grupo trabalha com coleções de bactérias láticas das três instituições parceiras.

Atividade proteolítica

A bióloga Marcela Albuquerque, pós-doutoranda na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e que está no INRA desenvolvendo parte de sua pesquisa, resume a ação das bactérias láticas no processo. “Para se desenvolverem, as bactérias precisam, entre outros nutrientes, de aminoácidos, pois são fatores de crescimento para elas. O acesso aos aminoácidos se dá por meio da quebra de proteínas, a exemplo do glúten. Para tanto, as bactérias produzem enzimas que hidrolisam as proteínas, ou seja, quebram as proteínas em diversas partes menores, conhecidas como peptídeos. É o que chamamos de atividade proteolítica, e essa é uma característica importante que nos interessa nessas bactérias. Focamos nas bactérias láticas porque elas são reconhecidas como seguras para consumo humano e amplamente exploradas para o desenvolvimento de alimentos.”

A pesquisadora explica que o glúten é um complexo proteico formado por duas subunidades: gliadinas e gluteninas, cada uma delas composta por diferentes subtipos. Os pesquisadores procuram encontrar cepas de bactérias láticas capazes, principalmente, de hidrolisar as gliadinas, que são as principais responsáveis tanto pelas reações de hipersensibilidade ao glúten quanto pelas reações desencadeadas nos celíacos.

Para selecionar os microrganismos com atividade proteolítica as cepas são cultivadas em um meio tradicional e depois inoculadas em meio suplementado com glúten. “Nesta última etapa, não há nitrogênio: a ideia é que a única fonte de nitrogênio seja o próprio glúten, e o nitrogênio presente no glúten é importante para o metabolismo desses microrganismos”, explica El-Merchefi.

Depois de 24 horas em condições anaeróbicas, são feitos testes para verificar se o glúten está ou não hidrolisado, ou seja, se foi reduzido em partículas proteicas menores. “Selecionamos dez microrganismos capazes de hidrolisar a gliadina e o Lactococcus lactis foi o melhor candidato. Continuamos então a estudar especificamente as cepas dessa bactéria e seu potencial de afetar as sequências responsáveis pela alergia ao trigo, sobretudo nas gliadinas”, ele resume, ressaltando que a fermentação é um processo estável, natural e barato.

Os pesquisadores ainda testaram o glúten fermentado nos basófilos – células do nosso sistema imunológico responsáveis pelos sintomas nas reações alérgicas – em um estudo in vitro. “Incubamos o glúten fermentado com essas células e observamos que sua alergenicidade decresceu em 40%, se comparada à do glúten não fermentado. Embora tenhamos 60% dos alérgenos conservados no produto, ainda assim o resultado é muito bom. O objetivo agora é testar se ele consegue prevenir reações alérgicas em modelos animais”, diz El-Merchefi.

Os resultados dos 18 meses de pesquisa foram considerados positivos. “Além de selecionar as cepas com atividade proteolítica no glúten, encontramos cepas com essa mesma atividade nas proteínas da soja. Essas cepas têm atividade proteolítica forte e capacidade de hidrolisar as sequências responsáveis pela alergia ao trigo nas gliadinas, conforme demonstrado por métodos imunoquímicos”, ele sublinha.

O próximo passo será o desenvolvimento de produtos (fermentos) com o glúten hidrolisado pelas bactérias láticas. El-Merchefi adianta que o glúten fermentado não vai eliminar ou fazer declinar totalmente o potencial alergênico. “Não é possível dizer que a fermentação vai eliminar toda a toxicidade do glúten para aqueles que são hipersensíveis a ele, mas esse processo pode contribuir para o declínio da toxicidade.”

O plano de Albuquerque é testar as cepas de bactérias láticas para verificar se elas conseguem hidrolisar as proteínas do glúten e, durante o processo, checar se é possível minimizar a reação imunológica na presença de soro sanguíneo de pessoas alérgicas, onde há anticorpos IgE [nos indivíduos alérgicos às proteínas do glúten, o desencadeamento da reação imunológica é mediado por anticorpos IgE].

O interesse central da pesquisadora, no entanto, é verificar quais de suas cepas têm, além de atividade proteolítica forte, também potencial probiótico. “Esse pode ser um caminho, um adjuvante no tratamento para essas pessoas. Hoje não existe um tratamento para os celíacos: o tratamento é manter uma dieta livre de glúten.”


Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original

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