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Desmatamento no Amazonas está aumentando e afetando terras indígenas

  • Por Ana Ionova em Mongabay O desmatamento está aumentando em Autazes, município do estado do Amazonas, segundo dados de satélite e fontes locais.
  • Lideranças indígenas afirmam que a perda de floresta está atingindo as 18 Terras Indígenas espalhadas pelo município, algumas das quais ainda esperam pela conclusão do processo de demarcação.
  • A maior parte das terras desmatadas foi transformada em pastos para rebanhos de búfalos, que se adaptam bem às várzeas características da região.
  • Membros das comunidades indígenas dizem que, além de desmatar a floresta para formar pastagens, a criação de búfalos polui as fontes de água e os animais invadem suas lavouras de subsistência.

Nas profundezas da Terra Indígena Trincheira, alguns quilômetros ao sul de Manaus, nosso barco a motor serpenteia por um labirinto de igarapés, deslizando sobre as águas da densa floresta tropical submersa. Ele atraca na margem do rio, à sombra das grandes árvores. A poucos metros dali, no meio da floresta, no entanto, o dossel verde dá lugar a um vasto trecho de floresta derrubada e arbustos carbonizados.

“Desde que me lembro, esta floresta permaneceu intocada”, diz Souza Dias Alvez, morador da aldeia indígena de Trincheira, a 15 minutos de barco a jusante pelo Rio Preto Pantaleão. “Isso aqui é uma tragédia; me dá uma tristeza profunda.”

Esta área junto ao limite sul da reserva indígena, com cerca de 20 hectares, foi desmatada há alguns meses, conta ele. Alertados pelos indígenas, agentes da Polícia Federal embargaram a área e proibiram sua queima no final de setembro, poucas semanas antes de a Mongabay visitá-la. Ainda assim, os invasores retornaram, incendiando-a.

No calor escaldante do meio da manhã, Alvez recolhe um saco de 20 kg usado para guardar sementes de capim, vazio, descartado entre as cinzas e galhos quebrados. “Eles já plantaram o capim. E tudo isso aqui será transformado em pasto, será transformado em capim para alimentar os búfalos.”

A Terra Indígena Trincheira se estende por 1.834 hectares no município de Autazes, no estado do Amazonas. Ali, rios e igarapés cruzam a paisagem da floresta, enchendo-se durante a estação chuvosa para formar um labirinto de várzeas. Cerca de 34 aldeias indígenas pontilham as margens do rio, onde o povo Mura sobrevive da caça, da pesca e da agricultura de subsistência.

Mas o desmatamento na região está disparando, e a floresta vem rapidamente dando lugar a pastagens. Até o momento, neste ano, mais de 48.600 alertas de desmatamento foram confirmados na floresta primária de Autazes, de acordo com dados de satélite da Universidade de Maryland visualizados pela Global Forest Watch. Isso representa um salto de mais de 72% em relação ao mesmo período de 2020.

Dados de satélite da Universidade de Maryland (EUA) visualizados pela Global Forest Watch mostram a perda de cobertura de árvores (em cinza) se expandindo para a floresta tropical primária de Autazes.

Líderes indígenas dizem que o desmatamento agora está invadindo as 18 reservas indígenas espalhadas por Autazes, algumas das quais ainda esperam pela conclusão do processo de demarcação. A maior parte das terras desmatadas estão sendo transformadas em pastos para rebanhos de búfalos-d’água, adaptados às regiões de várzea.

Isso representou mais um golpe para os povos indígenas: à medida que os animais invadem os rios e igarapés, poluem as águas das quais esses povos dependem. Os indígenas alertam que, com a proximidade da criação de búfalos de seus territórios, as invasões ameaçam a sobrevivência dos 18 mil indígenas Mura que chamam a região de lar.

“Estamos virando uma ilha no meio de fazendas”, diz Josiane Tavares dos Santos, tuxaua (líder) da aldeia Trincheira. “No futuro, não teremos mais água, não teremos mais floresta, não teremos mais terra para plantar. É uma grande perda para nós.”

A febre do búfalo

Em Autazes, os rastros da pecuária estão por toda parte. No alto do porto da cidade, uma placa anuncia a chegada da nossa balsa à “Terra do Leite”. Ao longo da margem do rio, barcos para o transporte de gado esperam para levar os animais até a outra margem. No centro da cidade, açougues com nomes como “Gado Manso” exibem pedaços enormes de carne pendurados em ganchos.

A indústria da carne no Amazonas permanece modesta se comparada à do vizinho Mato Grosso, o coração da pecuária brasileira. Mas, à medida que a febre do búfalo se espalha pela região, a produção aumenta em lugares como Autazes. O muncípio abriga cerca de 80 mil cabeças de gado – quase o dobro do número de pessoas. As autoridades locais também abraçaram a pecuária, expressando abertamente seus sonhos de expandir a produção de leite, queijo e carne.

E, na última década, os pecuaristas de Autazes têm apostado nos búfalos, que são mais adaptáveis do que o gado convencional e podem fornecer um melhor retorno para o investimento. Os animais, maiores, também prosperam na paisagem composta de florestas de várzea, onde podem atravessar os trechos pantanosos a nado para encontrar novas áreas para pastar.

Ao dirigir por Autazes, é possível ver a mudança. Vastas pastagens ladeiam a estrada principal que corta o município, mas poucas vacas são vistas pastando. Na maior parte do tempo, manadas de búfalos mastigam arbustos, com seus corpos robustos submersos nos campos alagados.

Para Raimundo Aldo Gomes França, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de Autazes, o búfalo representa o futuro. França possui 185 hectares de terras e 240 hectares de várzeas na parte sul de Autazes, não muito distantes da reserva da Trincheira. Ele cria 31 búfalos num pequeno lote de suas terras e planeja expandir seu rebanho, mas insiste que usa métodos sustentáveis e preserva a maior parte de suas terras, como é exigido por lei.

“Há muitas acusações falsas, demonizando o búfalo”, disse em entrevista à Mongabay na sede do sindicato. “Nós também sentimos essas acusações – como se fôssemos agressores contra a natureza. Mas essa expansão vai acontecer. É um processo natural, é uma questão de progresso.”

Contudo, as comunidades indígenas alertam que suas aldeias estão sendo cercadas por fazendas de búfalos, o que causa estragos sociais e ambientais. Elas alegam que, em alguns casos, os pecuaristas estão até mesmo invadindo os territórios indígenas, enquanto o gado destrói as lavouras de subsistência e polui as águas.

“O búfalo é um animal selvagem, não respeita cercas”, diz Santos. “Se ele não tiver pasto, vai para a água e começa a procurar. Se ele não tem comida, invade nossas lavouras. E estamos com dificuldades para nos alimentar.”

Disputa de terras

A expansão da pecuária de búfalos só aprofundou a luta de décadas dos Mura pelos direitos à terra. O território Mura, que antes ocupava grandes áreas do labirinto de florestas, várzeas e igarapés da região, acabou dividido em dezenas de reservas indígenas no processo de demarcação – algumas com apenas alguns hectares.

“Como ocupavam uma região muito extensa, os Mura acabaram se espalhando, formando pequenas aldeias”, diz Luiza Machado, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, que luta pelos direitos dos povos indígenas. “Isso os deixou menos unidos e mais vulneráveis quando veio a demarcação.”

Agricultores e pecuaristas logo se mudaram para as terras entre os territórios dos Mura, derrubando a floresta e transformando as terras em pastagens, de acordo com Tato Mura, vice-presidente do Conselho Indígena Mura (CIM) e tuxaua da comunidade de São Félix, que fica na margem oposta ao porto da cidade. “Eles entraram comprando terras, e suas propriedades continuaram se expandindo”, conta ele. “É por isso que, hoje, nossas aldeias são ilhas rodeadas de fazendas e pastagens.”

Disputa de terras

A expansão da pecuária de búfalos só aprofundou a luta de décadas dos Mura pelos direitos à terra. O território Mura, que antes ocupava grandes áreas do labirinto de florestas, várzeas e igarapés da região, acabou dividido em dezenas de reservas indígenas no processo de demarcação – algumas com apenas alguns hectares.

“Como ocupavam uma região muito extensa, os Mura acabaram se espalhando, formando pequenas aldeias”, diz Luiza Machado, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, que luta pelos direitos dos povos indígenas. “Isso os deixou menos unidos e mais vulneráveis quando veio a demarcação.”

Agricultores e pecuaristas logo se mudaram para as terras entre os territórios dos Mura, derrubando a floresta e transformando as terras em pastagens, de acordo com Tato Mura, vice-presidente do Conselho Indígena Mura (CIM) e tuxaua da comunidade de São Félix, que fica na margem oposta ao porto da cidade. “Eles entraram comprando terras, e suas propriedades continuaram se expandindo”, conta ele. “É por isso que, hoje, nossas aldeias são ilhas rodeadas de fazendas e pastagens.”

Mas essas negociações de terras não são legítimas, uma vez que o território indígena não pertence a nenhum indivíduo e não pode ser vendido legalmente, diz Luiza Machado.

À medida que a agricultura avança, alguns povos indígenas de fato permitiram fazendeiros em suas terras, afirma. Mas isso apenas reforça o desespero que assola as aldeias indígenas, onde a criação de búfalo já ameaça as formas tradicionais de sobrevivência, observa Machado. “Os peixes estão acabando, a caça está ficando mais difícil”, constata. “Eles não conseguem plantar mais porque o búfalo vizinho destrói suas lavouras. Então não é uma questão de escolha – é uma questão de necessidade. É uma questão de desespero.”

Águas contaminadas

Na vizinha Terra Indígena Padre, os moradores já sentem os impactos da criação de búfalos. Lá, o igarapé que usam para tomar banho, cozinhar e pescar ficou marrom escuro. É a única fonte de água potável da aldeia. Agora, os moradores precisam tratar a água com gotas de água sanitária para poder bebê-la com segurança.

“Estamos quase bebendo lama em nossa aldeia”, desabafa Edson de Sá Barbosa, morador e ex-tuxaua. “Bebemos porque não temos outra alternativa. É tudo o que temos.”

Barbosa culpa as três grandes fazendas que cercam a reserva de 770 hectares. “Eles estão criando búfalos. E isso está trazendo o caos para nossa aldeia. Nem a vaca comum contamina e causa devastação desse jeito.”

Na aldeia vizinha de São Félix, indígenas relatam ver regularmente búfalos, fezes de animais e até mesmo cercas elétricas para o gado no rio. No ano passado, um búfalo morto passou flutuando em frente à escola da aldeia, de acordo com Everton Mura, professor e vice-tuxaua da aldeia.

“Foi uma cena muito triste”, contou ele em entrevista à Mongabay, às margens do rio. “Porque nós, indígenas, do povo Mura – nós temos muita preocupação com a água. Nós cuidamos da nossa água… Nosso rio está sendo usado agora como se fosse uma lixeira.”

Na aldeia de Taquara, fazendeiros também estão invadindo as terras indígenas, e o esterco do búfalo deixou a água inutilizável. Líderes e ativistas indígenas relatam que os fazendeiros insultam os moradores e trazem balsas cheias de búfalos, derramando fezes e palha no rio cujas águas os indígenas usam para cozinhar, lavar e beber.

“É uma aldeia que hoje é dominada pelo búfalo”, diz Tato Mura. “A aldeia está sendo atropelada por invasores, por posseiros. Não há água para beber. Hoje, nosso povo está sofrendo as consequências.”

A comunidade de Taquara tentou impedir o avanço da pecuária de búfalos em seu território por meios legais, diz Machado. Mas, apesar de ganharem uma moção para expulsar os fazendeiros do território, o desmatamento continuou implacável, diz ela.

O conflito entre os moradores de Taquara e os criadores de búfalo escalou recentemente, quando os fazendeiros agrediram e ameaçaram o tuxaua da comunidade, conta Machado. O líder foi obrigado a sair da aldeia e ir para um esconderijo nas últimas semanas.

“Em Taquara, os fazendeiros estão constantemente testando os limites”, diz ela. “Eles continuam avançando, passo a passo. E chegou a um ponto crítico.”

O Ministério Público Federal (MPF) disse por e-mail à Mongabay que abriu um inquérito público sobre “medidas adotadas para garantir o acesso à água potável” em Taquara, solicitando informações do órgão federal de serviços de saúde e saneamento indígena. Em junho, o MPF também pediu ao órgão indígena do estado para instalar um poço de água potável em Taquara, mas o pedido foi negado pelas autoridades, que alegaram restrições orçamentárias, acrescentou o MPF.

O Ministério Público também informou que, em 2018, conduziu um “procedimento extrajudifical para investigar a denúncia de danos ambientais causados pela criação de búfalos” em várias fazendas de Autazes. As conclusões da investigação foram então enviadas à Polícia Federal, que não respondeu às perguntas da reportagem sobre eventuais medidas tomadas.

Para Santos, o medo é que a reserva de Trincheira esteja se transformando na próxima fronteira pecuarista, à medida que os fazendeiros de búfalo avançam sobre as florestas verdes do território. “Ainda não estamos sentindo os impactos. Mas sabemos que, se não pararmos essas pessoas, enfrentaremos o mesmo destino.”

Avanço da destruição

A apenas alguns quilômetros do centro da cidade, uma estrada de terra leva à rodovia principal que corta Autazes. Enquanto nosso veículo 4X4 serpenteia ao longo do terreno acidentado, a densa floresta virgem dá lugar a trechos carbonizados de floresta destruída. A fumaça escura sobe além do dossel. Em um trecho, um incêndio ainda queima uma área recém-desmatada que flanqueia a estrada.

Passamos por pelo menos meia dúzia de cabanas de madeira que, segundo fontes locais, servem de abrigo para madeireiros ilegais que passam dias na floresta, derrubando árvores centenárias. Em determinado ponto, tropeçamos numa pilha organizada de madeira cortada ao lado de uma árvore derrubada, pronta para ser transportada pela abertura recente na floresta.

A destruição chegou à porta de várias Terras Indígenas, incluindo as TIs Padre e Miguel/Josefa. Seguimos por mais alguns quilômetros até que a estrada é interrompida abruptamente pelo Lago Sampaio, onde uma comunidade improvisada surgiu e engoliu uma aldeia indígena.

Há sinais de que uma nova fronteira de desmatamento está surgindo aqui, à medida que invasores chegam a esse trecho de Autazes. Líderes indígenas dizem que a área agora está infestada pela extração ilegal de madeira, pelo tráfico de drogas e a grilagem de terras. Uma vez que a floresta foi aberta, eles dizem que provavelmente virá a agricultura.

“A cada dia que passa, a destruição se expande cada vez mais”, diz Tato Mura. “Eles estão nos encurralando num pedaço estreito de terra.”

Como em grande parte da Amazônia, os invasores de Autazes tornaram-se mais ousados nos últimos anos. Muitos foram encorajados pela retórica do presidente Jair Bolsonaro, que pressionou pela abertura dos territórios protegidos à mineração e à agricultura e prometeu não demarcar “mais nenhum centímetro” de terras indígenas.

Com suas terras sob pressão, a única forma de garantir a sobrevivência da cultura Mura é criar uma reserva indígena unificada, de acordo com Tato Mura. Mas, com um Governo Federal que ele caracteriza como “hostil às demarcações de terras indígenas”, os Mura estão, em vez disso, depositando suas esperanças nas autoridades estaduais para criarem um território contínuo protegido para seu povo.

“Hoje, nosso povo está sendo forçado a deixar nossas aldeias”, diz Tato Mura. “Quando recuperarmos nosso território, teremos uma forma de sobreviver em nossas próprias terras.”

A Polícia Federal e a Funai (Fundação Nacional do Índio) não responderam aos pedidos de comentário da reportagem.

Imagem do banner: Rebanho de búfalos no município de Silves (AM). Foto: Adilson Moralez (CC BY-NC-ND 2.0).

Leia também: Corrida pela soja faz desmatamento se aproximar de terras indígenas no MT

Mais reportagens da Mongabay sobre a Amazônia aqui.

Esta reportagem foi promovida pela Places to Watch, uma iniciativa da Global Forest Watch (GFW) voltada a identificar rapidamente perdas florestais no mundo e promover uma investigação mais aprofundada dessas áreas. A Places to Watch baseia-se numa combinação de dados de satélite quase em tempo real, algoritmos automatizados e inteligência de campo para identificar novas áreas mensalmente. Em parceria com a Mongabay, a GFW apoia o jornalismo baseado em dados, fornecendo dados e mapas gerados pela Places to Watch. A Mongabay conserva completa independência editorial sobre as reportagens feitas utilizando esses dados.

Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.


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