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Entenda os conflitos por trás da exploração ilegal do ouro na vida de povos indígenas na Amazônia

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Por Marcos Wesley Castro Pedroso em WWF Brasil – As atividades de garimpo ocorrem na Amazônia desde o século XVI, mas na segunda metade do século XX, com a crise do petróleo, o preço do ouro disparou e houve uma intensificação na prática de garimpagem na Amazônia, o que se acentuou ainda mais desde a pandemia a partir da busca de investimentos em ouro, considerado o porto seguro em tempos de crise. Em agosto de 2020, o metal atingiu o maior valor na história, batendo U$ 66 por grama. Atualmente, a região sudoeste do Pará é o local onde há maior concentração de garimpo, mais especificamente nos municípios de Itaituba e Jacareacanga, na região do alto tapajós.

O município paraense de Jacareacanga detém o título informal de ser a capital do garimpo ilegal de ouro no Brasil, sendo que a maior parte acontece em Terras Indígenas, o que, segundo parecer da Advocacia Geral da União de 2014, é proibido.

É nesta área que moram os indígenas Munduruku, ocupando dois territórios, o Sai Cinza e o Munduruku, e grande parte do ouro extraído vem de dentro desses territórios. A maioria dos indígenas que vivem nas regiões garimpadas são contra a prática de garimpo ilegal dentro dos territórios.  Segundo informações de uma liderança indígena do povo Munduruku, que não quis se identificar por conta das constantes ameaças de morte que sofre, “são em torno de 20% os que apoiam a legalização do garimpo nos territórios”.

A defesa do garimpo por parte desses grupos minoritários se dá diante da promessa de melhores condições de vida, porém gerando impactos negativos para todos os que habitam na Bacia do Tapajós e além.

“Pra nós, que estamos na comunidade, nos sentimos muito fragilizados com o garimpo ilegal que afeta diretamente as crianças, destrói as nossas casas, as nossas relações de amizade. É muito preocupante essa prática que vem ocorrendo e aumentou muito com a entrada do governo Bolsonaro e, principalmente, com o apoio das autoridades da região. Então, todos nós sentimos muito medo. Temos muito medo de sair de casa, de ir à cidade. Então o garimpo só afeta diretamente a nós pobres que moramos perto”, afirma Raimunda Gonzaga, moradora de uma comunidade próxima a uma área de garimpo em Jacareacanga.

Os conflitos

O elevado preço da grama do ouro, juntamente com a fiscalização fraca por parte do governo, deixa o caminho mais livre para a prática ilegal de extração de ouro dentro dos territórios indígenas. Esse sentimento de impunidade aumenta a escalada de violência àqueles que se opõem ao garimpo em suas próprias terras. Essas invasões aos territórios já vêm ocorrendo há muitos anos. Porém, observa-se que essa atividade ilegal está atingindo uma escala maior mais nos últimos anos a partir do uso de equipamentos, como bombas e máquinas pesadas mais modernas.

Em 2020, os ataques e ameaças às lideranças e organizações do Povo Munduruku se tornaram mais frequentes, bem como tentativas de aliciamento de indígenas, como a comitiva organizada por garimpeiros para pressionar, em Brasília, a aprovação do Projeto de Lei 191/2020 que liberaria a exploração de minério em territórios indígenas. Segundo investigações do Ministério Público Federal, o grupo de garimpeiros arrecadou cerca de R$100,000,00 para custear a ida à Brasília a fim de defenderem seus interesses.

Áudios tornados públicos pela Polícia Federal revelaram a ação. “Mais uma vez se vê necessário ir pra Brasília, levar uns dois ônibus lotados de índio, pra que nós podemos [sic]. Tentar reverter esse quadro da Polícia Federal, que tá preparada pra vir aqui dentro da área indígena, junto com o Ibama e Exército, igual veio da outra vez. Dessa vez é ordem judicial, não tem como eles saírem fora [sic]”, afirmou um dos garimpeiros que estava à frente da comitiva.

No dia 25 de março, a Sede da Associação de Mulheres Munduruku Wakoborũn teve as portas arrombadas, documentos queimados e móveis quebrados. O ataque ocorreu após um protesto dos garimpeiros em que ameaçaram as lideranças contra a extração de ouro.

Segundo informações do Ministério Público Federal (MPF), no dia 18 de abril, um grupo pró-garimpo roubou cerca de 380 litros de combustível de uma embarcação pertencente a Associação Wakoborũn. Três dias depois dois motores de embarcações pertencentes aos Munduruku também foram roubados.

Em maio, quando a Polícia Federal e a Guarda Nacional estavam na região fazendo investigações, tiveram o contingente atacado pelos garimpeiros que atearam fogo nos equipamentos e no acampamento. A polícia respondeu com bombas de gás. Após os ataques à base da PF, os garimpeiros seguiram para a aldeia Fazenda Tapajós e atiraram contra os indígenas e incendiaram as moradas de algumas lideranças, dentre elas, a casa de Maria Leusa Munduruku, coordenadora da Wakoborũn. Na casa onde Maria Leusa morava, residia também sua mãe, que é a cacica da aldeia. As aldeias Ademir Kaba e Ana Poxo ficaram sob alerta, pois os garimpeiros ameaçaram fazer o mesmo por lá.

Os impactos

Toda a região do Tapajós é afetada pelo garimpo ilegal, mas quem sofre os piores impactos da extração do ouro são os indígenas que resistem nos territórios. A abertura de estradas e pistas de pouso já causam grandes transformações, mas as áreas devastadas pela mineração junto ao derramamento de lama nos rios e o mercúrio causam uma destruição em cadeia, todo o ecossistema da área é afetado. Os animais fogem das áreas e isso acaba comprometendo a segurança alimentar dos povos indígenas. Além dos animais, as árvores que também asseguram a alimentação vão sendo derrubadas.

A garimpagem, nos grandes rios amazônicos, igarapés e nos afluentes menores, é grave porque causa o assoreamento e contamina as águas e os peixes, principalmente espécies carnívoras. Segundo a coordenadora do Laboratório de Epidemiologia Molecular (LEpiMol – UFOPA), Heloisa Nascimento, “o metilmercúrio não muda o aspecto do peixe, não deixa cheiro ou gosto ruim. Então as pessoas não costumam acreditar que possa estar contaminado. Então, continuam consumindo o peixe com frequência”. E isso faz com que adoeçam e não saibam o porquê das doenças que os atingem.

Os problemas causados pelo mercúrio à saúde são vários, vão desde danos no sistema nervoso central que geralmente começam com sintomas leves, que podem ser eliminados se identificados na fase inicial. Mas se forem piorando podem se tornar irreversíveis e levar até a morte. O metilmercúrio também pode causar danos ao coração, rins, fígado, e é bastante perigoso para os fetos e recém-nascidos, pois pode atravessar a placenta e ser transmitido através do leite materno.

A Coordenadora também explica que o solo da região amazônica já é naturalmente rico em mercúrio, mas essa substância encontrada de forma natural não causa danos à saúde. Porém, a atividade garimpeira libera no ambiente uma grande quantidade de mercúrio que polui a água dos rios e consequentemente os peixes, posteriormente este metilmercúrio, é a forma química responsável por contaminar os peixes e toda a cadeia alimentar chegando ao homem. 

O momento é urgente, acabar com o garimpo ilegal é uma questão de sobrevivência para as populações indígenas, cada vez mais ameaçadas. Por isso, junto a outros coletivos, lançamos a campanha Chagas do Garimpo, com o objetivo de engajar novas audiências contra o garimpo ilegal em Terras Indígenas e incidir no debate público. Seja um aliado dessa luta, inscreva-se em: https://chagasdogarimpo.com.br/ para receber mais informações sobre como agir.

Confira também a série de podcasts O Rio que mudou de cor sobre como o garimpo ilegal se construiu ao longo do tempo na Amazônia por meio de depoimentos de indígenas, procuradores, garimpeiros, ativistas e especialistas. Uma produção da Trovão Mídia para o WWF-Brasil.


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