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Ex-coordenador de Saúde e Meio Ambiente da Organização Mundial da Saúde (OMS), Carlos Dora aborda a interseção entre desafios urbanos, desinformação, mudanças climáticas e saúde pública

Por Amanda Veríssimo – Jornal da UFRGS | Com vasta experiência em políticas intersetoriais e no combate aos impactos das mudanças climáticas, o professor da Universidade de Nova York Carlos Dora se dedica a analisar os desafios ambientais crescentes nas cidades.

Médico formado pela UFRGS, com mestrado e doutorado pela London School of Hygiene and Tropical Medicine, Carlos retornou a Porto Alegre para ministrar, como professor visitante, uma disciplina sobre Mudança Climática e Saúde nas Cidades no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas.

Em sua visão, “uma cidade precisa ter uma gestão eficiente do território. Se só há asfalto por todo lado, a chuva não tem como ser absorvida. Ela fica na superfície e causa alagamentos. É essencial criar áreas verdes no meio das construções, tanto para permitir a absorção da água quanto para proporcionar resfriamento. O planejamento adequado é crucial para lidar com os desafios climáticos”. 

Em entrevista ao Jornal da Universidade, Dora reflete sobre o papel essencial das universidades, da sociedade civil e dos governos na busca por soluções urbanas sustentáveis. Ao longo de sua fala, ele destaca que “o lugar onde vivemos define o ar que respiramos”, ressaltando como o ambiente urbano influencia diretamente nossa saúde e qualidade de vida, entre outros aspectos fundamentais.

Qual a importância da colaboração entre diferentes setores – como saúde, meio ambiente, urbanismo e educação – para criar soluções integradas frente aos desafios climáticos?

Os setores que você mencionou são fundamentais para aumentar a conscientização e engajamento, mas quem realmente precisa investir e adaptar seu modelo de operação é o setor de transporte. Acredito que o transporte público tem um papel crucial nesse contexto. Se mais pessoas optassem pelo transporte coletivo, seria possível, por exemplo, melhorar as infraestruturas.

Há em Porto Alegre pistas exclusivas para ônibus, no entanto, muitos desses ônibus ainda são antigos e movidos a combustão. A implementação de veículos elétricos, mais modernos e sustentáveis, proporcionaria um transporte mais eficiente e confortável. A população merece um transporte público de qualidade, com ônibus silenciosos e confortáveis. É importante destacar que a iniciativa privada tem um papel significativo nesse processo, mas o setor público também precisa engajar-se ativamente na discussão.

“Precisamos pensar em um sistema de transporte e mobilidade que não apenas melhore a qualidade de vida das pessoas, mas que também seja resiliente aos impactos climáticos e que promova a saúde da população”.

O sistema de transporte de uma cidade influencia diretamente na quantidade de acidentes, na prática de atividades físicas e até mesmo na qualidade do ar. Porto Alegre, por exemplo, tem grandes eixos e espaços para bicicletas? Tem espaço para as pessoas caminharem? É necessário investir em infraestrutura segura e acessível para pedestres e ciclistas, além de combater a poluição sonora e o impacto ambiental.

Essa questão ainda não foi adequadamente abordada nas últimas eleições, e acho que é um tema crucial para o futuro da cidade. Nesse cenário, a universidade tem um papel importante em gerar conhecimento e reflexão, e a sociedade civil também precisa estar engajada nesse debate.

Como você vê a relação entre desigualdade social e os impactos das mudanças climáticas nas cidades?

Certas populações são mais vulneráveis e estão mais expostas a várias formas de discriminação, além de estarem em áreas de maior risco climático e de saúde.

Os impactos climáticos vão afetar principalmente as populações urbanas, não as pessoas na Amazônia, por exemplo. Quem vive nas periferias, por causa da desigualdade social, já está exposto a outros tipos de riscos. Existe uma interseccionalidade de riscos que, na minha opinião, exige uma abordagem focada nas cidades. E, no momento, não vejo isso sendo colocado da forma que deveria.

Na UFRGS, como universidade de Porto Alegre, e na própria cidade, acredito que há respostas que podem beneficiar diretamente a população no curto prazo. Não precisamos esperar pelo futuro, pelo clima distante. O importante é entender como os setores econômicos da cidade operam e que estratégias eles adotam para lidar com esses desafios. Não podemos nos preocupar com o “fim do mundo” se a tensão imediata é com o fim do mês. As soluções climáticas, portanto, devem estar conectadas não somente às questões ambientais como também à realidade cotidiana das pessoas.

A falta de conscientização e a desinformação sobre os efeitos das mudanças climáticas podem dificultar os esforços das políticas públicas?

Sem dúvida, esse é um dos grandes desafios de hoje. Não é só a mudança climática em si, mas o nível de desinformação que existe, muitas vezes defendendo interesses privados de quem controla as grandes mídias internacionais, que não têm o objetivo de promover o bem-estar público, mas, sim, proteger seus próprios interesses financeiros.

Hoje, temos a tecnologia e os meios necessários para identificar e documentar o que está sendo disseminado de forma equivocada e, mais importante, podemos corrigir isso. Lembro do caso da OMS durante a pandemia de covid-19, quando muitas informações falsas circulavam. Quem não se lembra da confusão em torno da cloroquina? Muitas coisas foram ditas sem qualquer base científica. Isso é um exemplo claro de como a desinformação pode prejudicar decisões importantes, principalmente em áreas como saúde, onde a evidência científica é fundamental. Em medicina, um dos princípios mais importantes que aprendemos é: “primeiro, não causar dano”. Isso deve se aplicar também a outras áreas.

Para combater a desinformação de maneira eficaz, é preciso adotar abordagens como as usadas durante a pandemia, quando a OMS criou o sistema de “Infodemics Knowledge” para gerenciar a epidemia de desinformação. Esse sistema funciona com a capacidade de identificar a mentira, e a partir disso, em vez de simplesmente desmentir, e dar mais palco para a notícia falsa, trabalhamos de modo a injetar a informação correta de maneira clara e objetiva. Isso é fundamental para reduzir o impacto das fake news e garantir que as pessoas recebam a informação precisa para tomar decisões conscientes.

O que podemos aprender com a pandemia de covid-19 quando se trata de enfrentar as crises climáticas?

Acho que um dos maiores aprendizados foi a gestão da desinformação, como mencionei anteriormente. A pandemia mostrou como isso pode ser tratado de forma eficaz, principalmente dentro da OMS. Durante esse período, foram criados cursos e mecanismos de combate à desinformação, que, infelizmente, a OMS decidiu descontinuar. No entanto, o fato de existir a metodologia e a técnica significa que essas ferramentas podem ser aplicadas em outros contextos, incluindo questões climáticas e de comunidade.

Outro grande aprendizado foi a transformação urbana que ocorreu em muitas cidades. Por exemplo, algumas cidades reorganizaram rapidamente o espaço público para atender às novas necessidades, como mais ventilação e distanciamento social. Nova York, por exemplo, viu os cafés se deslocarem para as ruas, criando espaços ao ar livre com soluções rápidas e de baixo custo, como barricadas de plástico, transformando ruas em áreas para pedestres e ciclistas. Isso mostra que as cidades podem ser adaptadas rapidamente quando a necessidade é clara.

O maior exemplo da pandemia, para mim, foi a forma como a sociedade reconheceu a importância do bem público, especialmente no que diz respeito à saúde coletiva. Quando todos perceberam a importância do ar que respiramos, ficou claro como uma cidade pode ser transformada para preservar o bem-estar da população. Essa transformação urbana não é algo impossível, as cidades mostraram sua capacidade de se reinventar.

Este texto foi originalmente publicado pela Jornal da UFRGS, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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