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Estudos recentes mostram como o que comemos aumenta ou diminui anos de vida saudável e oferecem diretrizes para uma dieta ambientalmente amigável

Por Gilberto Stam – Revista Pesquisa FAPESP | De 2010 a 2012, durante o mestrado, a nutricionista Aline Martins Carvalho aproveitou para conversar com quem estava na fila do restaurante da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) sobre os possíveis efeitos negativos do consumo excessivo de carne vermelha. Por meio de formulários aplicados entre os frequentadores do restaurante, ela verificou que uma em cada quatro pessoas com quem conversava conseguiu diminuir o consumo de carne, dentro e fora da universidade.

Anos depois, durante o pós-doutorado na Universidade de Michigan (UM), nos Estados Unidos, Carvalho conheceu uma metodologia que poderia calcular de forma precisa o impacto dos alimentos na saúde: o Índice Nutricional de Saúde (HENI), que associa o consumo frequente e prolongado de determinados alimentos à redução ou ao aumento, em minutos, do tempo de vida saudável, definido como bem-estar físico, mental e social.

Nos últimos cinco anos, agora como professora da FSP-USP, ela somou essa abordagem, já aplicada nos Estados Unidos, na Suíça, Dinamarca e Holanda, a outra, da organização não governamental World Wide Fund for Nature (WWF), que avalia o impacto ambiental da produção de alimentos, por meio da emissão de gases do efeito estufa (GEE), uso da terra e consumo de água, como detalhado em estudo publicado em maio na revista International Journal of Environmental Research and Public Health.

Esse estudo propõe que, além do preço, das calorias e da proporção de gorduras, proteínas e açúcar, é preciso pensar nos eventuais danos dos alimentos ao ambiente. Aplicando o índice HENI à alimentação brasileira, a equipe da USP calculou o impacto de uma determinada quantidade de diferentes alimentos no tempo de vida saudável. O biscoito salgado, por causa do excesso de gordura trans e cloreto de sódio, é o alimento mais prejudicial da lista: porções de 100 gramas (g) podem subtrair 55,2 minutos (min) por dia de vida saudável se o consumo for contínuo ao longo de cinco anos. No outro extremo, a mesma quantidade de peixe de água doce poderia acrescentar 9,1 min por dia.

“O HENI calcula a composição dos alimentos considerando 15 categorias ou ingredientes, como leguminosas, carne vermelha, sódio e ômega 3”, comenta a Pesquisa FAPESP o especialista em saúde pública Olivier Jolliet, da Universidade Técnica da Dinamarca (UTD), criador do índice e um dos autores do artigo. “A partir de estudos populacionais, estimamos o impacto na saúde de cada alimento, atribuindo valores positivos a alimentos associados a ganho de tempo de vida saudável e negativos para a perda.” Em um artigo de 21 de agosto de 2021, no site The Conversation, Jolliet reconheceu que, no dia a dia, é difícil saber como a escolha entre uma salada ou uma porção de asa de frango frito no bar se traduz no impacto geral na saúde e no meio ambiente. Segundo ele, essa metodologia mostra, justamente, o que seria mais benéfico.

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

Os resultados podem ajudar a selecionar os melhores alimentos para montar a dieta do dia a dia, mas não devem ser aplicados individualmente para calcular ganhos ou perdas no tempo de vida saudável ou o impacto ambiental. “O índice é calculado em médias populacionais”, justifica Carvalho. Ela explica que o impacto dos alimentos na saúde de cada pessoa depende também de fatores genéticos, ambientais e de doenças preexistentes.

Carvalho e sua equipe selecionaram os 33 alimentos que mais fornecem energia no país, a partir de uma lista com os 1.141 itens mais consumidos, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em seguida, aplicaram o HENI a cada item. Nesse estudo, 100 g de arroz com feijão, base da dieta brasileira, acrescentam 1,4 min por dia de vida saudável se consumidos com frequência ao longo da vida. No entanto, os dados do IBGE indicam que a dieta típica do país inclui carne, biscoito recheado e refrigerante, itens que reduzem o tempo de vida saudável, respectivamente, em 24 min, 31,6 min e 1,9 min, para cada 100 g, o que torna negativo o impacto do prato típico.

“Infelizmente, a alimentação de muitos brasileiros, mesmo para os que consomem arroz e feijão, não tem acompanhado as recomendações da segunda edição do Guia alimentar para a população brasileira, lançada em 2014 pelo Ministério da Saúde”, reforça a nutricionista Helen Hermana Hermsdorff, da Universidade Federal de Viçosa, que não participou do estudo. Em uma pesquisa com 7.560 participantes, publicada em maio no International Journal of Environmental Research and Public Health, ela detalha as limitações e as consequências de variar pouco o prato de todo dia, com uma ingestão insuficiente de vitaminas B2, B3, C, E e minerais, como magnésio, selênio, cobre e zinco. A seu ver, esse padrão alimentar pobre em micronutrientes pode enfraquecer as defesas do organismo contra microrganismos causadores de doenças, aumentar o risco de inflamações e reduzir a resistência dos ossos.

“A dieta pouco muda em diferentes regiões do país, algo que chamamos de monotonia nutricional”, adverte Carvalho. A única fruta consumida com frequência – e que entrou na lista – é a banana, rica em carboidratos, mas pobre em outros nutrientes. Mesmo assim, adiciona 8,2 min a cada porção de 100 g. Os legumes não entraram na lista porque representam uma parcela ínfima da alimentação comum da população.

A nutricionista Larissa Loures Mendes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que não participou do estudo, conta que ficou surpresa ao ver que o resultado do estudo indicava baixa diversidade regional da dieta: “Esperava que pelo menos no Norte houvesse uma variedade maior, que fosse além do peixe e do açaí”.

Alimentos como a laranja, além de nutrir, acrescentam tempo de vida saudável | Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

O HENI classifica a carne vermelha, com índice negativo de 23,9, como um dos alimentos mais prejudiciais à saúde, atrás apenas dos ultraprocessados, e o mais nocivo ao ambiente (ver quadro), um resultado que pode incomodar, já que a maioria dos brasileiros consome esse produto com frequência. Os vegetarianos são apenas 14% da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para Hermsdorff, esse resultado deve ser visto com cautela: “A carne é uma fonte de aminoácidos essenciais, que o corpo não produz, e o leite [com índice negativo de 0,1] é fonte de cálcio, que contribui para a formação dos ossos”. Segundo ela, no caso da carne, o problema está no consumo excessivo, que aumenta o risco de doenças cardíacas e metabólicas e as taxas de colesterol de baixa densidade, conhecido como colesterol ruim.

“Mais do que eliminar o consumo de carne, precisamos estimular o consumo consciente, que considere os danos ambientais”, sugere a pesquisadora da UFV. Uma das possibilidades seria trocar a carne bovina por outra, menos prejudicial: 100 g de carne de porco subtrai 16,7 min, a de frango, 3,3 min.

A melhor forma de alimentação seria então o vegetarianismo? “Quando praticada sem cuidados, a dieta baseada apenas em vegetais também pode ser prejudicial, principalmente se abusar dos alimentos ultraprocessados vegetarianos, como barrinhas de cereal, bebidas vegetais, biscoitos, salgados e comidas prontas, como almôndegas, lasanhas e tortas. Esses alimentos, apesar de isentos de fontes de origem animal, podem conter altos níveis de aditivos, corantes e gordura saturada”, alerta Hermsdorff. “Muitos usam óleo de palma, mais barato que o de soja, mas com maior teor de gordura saturada.”

Os pesquisadores são unânimes em indicar a importância de diversificar a dieta, incluindo legumes, frutas e cereais integrais e reduzindo o consumo de carne e alimentos ultraprocessados, que responderam por quase 20% das calorias obtidas pela população brasileira em 2017 e 2018, de acordo com um estudo publicado na Revista de Saúde Pública em abril de 2023 (ver Pesquisa FAPESP nº 325).

Entre os alimentos mais saudáveis estão as sementes de plantas oleaginosas, incluindo chia e pinhão: uma porção de 20 g acrescenta 46,5 min e 44,7 min de vida saudável, respectivamente. A mesma quantidade de amendoim (44,4 min) ou de castanha de caju (44,6 min) é igualmente benéfica. As frutas também ajudam: uma porção de 100 g de manga acrescenta 8,2 min de vida saudável.

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

O índice do azeite, por outro lado, pode desapontar aqueles que o consideram um produto saudável: seu HENI é zero, ou seja, não tem impacto no tempo de vida saudável. Hermsdorff salienta que os benefícios do azeite foram observados em populações que consomem a chamada dieta mediterrânea, com peixes, queijos, grãos integrais, frutas, castanhas e pouca carne vermelha, duas a três vezes por semana. Portanto, o benefício se deve mais à dieta variada do que ao consumo isolado de óleo de oliva.

“Os óleos de soja ou canola também são de origem vegetal e ricos em ácidos graxos essenciais”, observa Hermsdorff. “Todos devem ser usados com moderação, como ingrediente culinário.” Por isso, ela recomenda evitar frituras e priorizar outros modos de preparo dos alimentos, como grelhados, cozidos e assados.

As recomendações reforçam o desejo por comer melhor: uma pesquisa do Datafolha de 2017 mostrou que 63% dos brasileiros querem reduzir o consumo de carne, que poderia ser substituída, ainda que parcialmente, por outras fontes de proteína vegetal, como feijão, lentilha e grão-de-bico.

“Restringir a 40 g por dia o consumo de carne vermelha ou processada, como presunto, salame e salsicha, poderia reduzir o preço de cada refeição em 10% e evitar cerca de 14 mil mortes por ano por doenças crônicas, ainda que o efeito demore alguns anos para ser detectado”, comenta o nutricionista Eliseu Verly Júnior, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coautor do estudo coordenado pela USP, que fez pós-doutorado sob a supervisão de Jolliet. Segundo ele, a redução simultânea de carnes vermelhas e processadas e bebidas adoçadas e o aumento de frutas, hortaliças e arroz integral tornariam o prato 3% mais barato e evitariam em torno de 50 mil mortes por ano.

Pequenas alterações de dieta podem ser mais eficientes do que mudanças bruscas e trazer mais benefícios para a saúde, diz o pesquisador, citando dados do artigo publicado em abril de 2024 na European Journal of Nutrition, que contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). “A mera substituição do arroz branco pelo integral por 30% da população evitaria cerca de 2 mil mortes por doenças crônicas por ano”, afirma Verly. Para ele, se toda a população incluísse na dieta 125 g de hortaliças e uma fruta pequena por dia, o custo da comida aumentaria cerca de 8%, mas a mudança evitaria cerca de 16 mil mortes.

Mudança de hábitos

“A mudança de hábito na alimentação é um processo para toda a vida”, constata Verly. “Mas isso não impede a pessoa de comer churrasco de vez em quando”, reconhece, ao se definir como um carnívoro de final de semana e vegetariano nos outros dias. Mendes, da UFMG, enfatiza que o importante é o balanço geral da alimentação. “Geralmente, as pessoas não consideram que comer algo que dá prazer todos os dias, como os doces, pode não fazer bem”, diz ela. “Mas o consumo contínuo é um fator clássico de risco para a saúde, assim como o tabagismo, o álcool e o sedentarismo.”

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

Há, porém, limites no efeito positivo dos alimentos. Uma pessoa que consome 400 g de frutas por dia, por exemplo, não ficará mais saudável se adicionar 100 g. Mas se não comer nenhuma fruta, 100 g pode fazer a diferença, ainda que não seja recomendável comer muito de apenas um tipo de alimento.

Segundo Hermsdorff, diferentemente da carne e de ultraprocessados, o consumo de frutas em grande quantidade dificilmente traz prejuízos à saúde, exceto em grandes excessos, como com qualquer outro alimento. “As frutas têm pouca frutose comparada a uma colher de açúcar ou ao refrigerante. Elas contêm compostos com potencial antioxidante e anti-inflamatório, que diminuem o risco de doenças, e fibras, que podem modular a microbiota”, assinala.

Em 2012, Carvalho fundou o Sustentarea, núcleo de pesquisa e extensão sobre alimentação sustentável da USP. Pelo site, o núcleo oferece gratuitamente jogos, receitas, orientações alimentares, material didático, cursos on-line e oficina culinária. Em um dos jogos, o Susten-Trunfo, ganha quem fica com a receita de menor pegada ambiental, mais barata e mais fácil de fazer. “Temos 60 voluntários pelo Brasil disseminando nosso material e promovendo discussões sobre nutrição e sustentabilidade”, diz.

Os especialistas dessa área reconhecem que, para que a maioria da população adote hábitos alimentares mais saudáveis e ambientalmente corretos, são necessárias políticas públicas que apoiem e incentivem uma mudança de padrão alimentar. Caberiam também ajustes no sistema agroalimentar, direcionando mais recursos para alimentos saudáveis e sustentáveis. Para o Brasil, um dos maiores produtores de carne do mundo, com um rebanho bovino de 210 milhões de cabeças, seria um desafio e tanto.

A Austrália é um dos primeiros países a dar um passo nesse sentido, ao fazer uma avaliação de seu sistema alimentar. A Agência Nacional de Ciência (CSIRO) do país avaliou em US$ 247 bilhões o custo oculto do impacto da produção de alimentos no ambiente e na saúde. Em um comunicado da agência, seu diretor, Michael Robertson, ressaltou que esse tipo de avaliação é o primeiro passo para transformar o sistema alimentar, melhorar a saúde da população e preservar o meio ambiente.

Entre o feijão e o bife

Em razão dos impactos ambientais, especialistas recomendam a redução do consumo de carne

O feijão, o azeite e a farinha de mandioca são os alimentos com impacto ambiental nulo ou quase nulo, já que produzem pouco gás carbônico (CO₂) e consomem pouca água. No outro extremo, a carne vermelha é o que gera mais gases do efeito estufa (GEE) e tem o maior impacto ambiental. “A produção de um bife de 100 gramas [g] gera 18 quilos [kg] de CO₂, o equivalente a 7,8 litros [L] de gasolina usados como combustível”, explica Aline Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP).

Decorrentes principalmente da derrubada da vegetação nativa para a abertura de pastos, as emissões da carne bovina são 11 vezes maiores que as do porco, que contribui menos para o desmatamento e produz 1,6 kg de CO₂ para cada 100 g. “O cálculo inclui todas as etapas da cadeia de produção dos alimentos”, explica Carvalho.

Larissa Mendes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), notou um cuidado pouco comum nesse tipo de pesquisa: o cálculo do consumo de água na produção de alimentos. O maior consumo de água ocorre na criação de peixe de água doce em cativeiros: são 123,8 L para cada 100 g. Em segundo lugar vem a pizza, que consome 109,4 L para cada 100 g – a maior parte resultante da produção do queijo.

Segundo Olivier Jolliet, da Universidade Técnica da Dinamarca, vegetais produzidos em estufas e frutas exóticas transportadas por avião de carga resultam na emissão de grande quantidade de CO₂ e deveriam ser evitados. Inversamente, alimentos saudáveis e produzidos nas proximidades dos locais de consumo poderiam reduzir os impactos ambientais. “Precisamos adotar mais alimentos vegetarianos e, ao mesmo tempo, reduzir o impacto ambiental dos métodos de produção”, enfatiza. “Para que isso seja possível, precisamos de mais opções de alimentos saudáveis e de baixo impacto ambiental.”

Em um estudo publicado em março na revista Nature Food, Jolliet e outros pesquisadores da Dinamarca e dos Estados Unidos, com outra metodologia de avaliação dos impactos ambientais, recomendaram limitar o consumo de carne a 255 g (o equivalente a dois peitos de frango) por semana ou 36 g por dia, o equivalente a duas colheres de sopa – e apenas de aves e porco, sem incluir a bovina, considerada nociva demais para fazer parte de uma dieta ambientalmente amigável. Norte-americanos e europeus comem de seis a 10 vezes mais do que o valor proposto.

Este texto foi originalmente publicado pela Revista Pesquisa FAPESP, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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