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Ao longo de três anos, cientistas estudaram os impactos das queimadas sobre animais e plantas na Terra Indígena Kadiwéu (MS); um dos objetivos é dar fundamento científico a novos protocolos de manejo do fogo que favoreçam a biodiversidade

O Pantanal tem sido palco de incêndios históricos nos últimos anos e, em 2020, depois de uma temporada excepcionalmente seca no ano anterior, o bioma registrou a pior queimada de sua história, com mais de 22 mil focos de fogo. Os incêndios afetaram mais de 40 mil km², o equivalente a cerca de 30% da cobertura vegetal do bioma, matando mais de 17 milhões de vertebrados.

Esse cenário catastrófico levou o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) a unirem forças a fim de pesquisar soluções capazes de reduzir o risco de incêndios de grande magnitude.

Nos últimos três anos, os especialistas do “Projeto Noleedi — Efeito do fogo na biota do Pantanal sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação” têm estudado os efeitos das queimadas sobre a biodiversidade do Pantanal, a fim de fornecer fundamentos científicos para o manejo correto do fogo no bioma.

Com inspiração na sabedoria tradicional dos povos indígenas que habitam o Mato Grosso do Sul, o trabalho de pesquisa é realizado por cientistas do Departamento de Ecologia da UFMS e pelos especialistas do PrevFogo/Ibama — o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais.

Em um de seus principais resultados, o projeto Noleedi mostrou que o manejo integrado do fogo — que é realizado desde 2009 pelo PrevFogo — reduziu em média 53% da área queimada na Terra Indígena Kadiwéu, onde o projeto é realizado.

“Noleedi” significa “fogo” no idioma Kadiwéu, de acordo com o coordenador do projeto, Danilo Bandini Ribeiro, que é professor da UFMS. Com 1.700 habitantes, a Terra Indígena Kadiwéu tem 540 mil hectares e fica no norte do município de Porto Murtinho, sudoeste de Mato Grosso do Sul, a cerca de 240 quilômetros de Campo Grande.

Segundo Ribeiro, um dos principais objetivos do projeto é contribuir para a criação de um protocolo de uso e manejo do fogo com base científica e inspiração na sabedoria indígena. “Constatamos que o manejo integrado do fogo feito pelo PrevFogo diminuiu significativamente a frequência e a área queimada nos ambientes onde se encontram as espécies mais sensíveis às queimadas, como as florestas e matas ciliares”, diz Ribeiro.

O manejo integrado do fogo é realizado pelo PrevFogo a partir de uma queima controlada. Constrói-se um aceiro e queima-se uma parte da vegetação que está começando a secar, de forma a evitar o acúmulo de biomassa que produziria labaredas enormes em caso de incêndio.

“Natural ou provocado, o fogo sempre estará presente no Cerrado e no Pantanal, por isso o manejo integrado é necessário. Escolher o momento ideal para a realização do manejo, porém, é essencial e isso muda de acordo com as características de cada área. Se queremos produzir menor impacto na biodiversidade, é preciso ter um protocolo específico para cada área”, declara.

A parceria com o PrevFogo/Ibama garante que os cientistas tenham contato direto com os agentes que mais aprimoraram a prática do manejo integrado do fogo. “Todas as perguntas que o projeto procura responder vieram do PrevFogo. Eles sabem o que é preciso descobrir, pois lidam com o fogo há muito tempo, com extrema competência. Nossa proposta é adicionar a esse manejo uma camada de conhecimento sobre a biodiversidade”, salienta Ribeiro.

Fogo controlado

Segundo ele, embora o fogo seja um componente natural do Pantanal, seu uso indiscriminado para abertura e limpeza de pastagens tem causado imensos impactos ambientais, em especial na biodiversidade. Assim, a frequência e intensidade das queimadas causadas por atividades humanas têm sido muito maiores do que as causadas por queimadas naturais.

“Além disso, estamos vivendo um conjunto de mudanças climáticas, com mais eventos de calor e seca extremos, que tendem a tornar os eventos de fogo cada vez mais comuns e mais intensos”, afirma Ribeiro.

Essas queimadas intensas matam muitos animais e podem comprometer habitats inteiros em médio e longo prazo, de acordo com ele. Por isso é necessário estudar os efeitos do fogo nas espécies de animais e plantas, principalmente entender como queimadas com diferentes intensidades e frequências afetam a biodiversidade das savanas.

“O conhecimento científico gerado por estes estudos pode nortear medidas de manejo do fogo para coibir e controlar queimadas de grande magnitude e reduzir o impacto das queimadas na biodiversidade”, frisa.

Os resultados obtidos até agora, segundo ele, não apenas indicaram que o manejo do fogo é imprescindível para reduzir as queimadas intensas, mas também mostraram a importância de desenvolver protocolos de manejo específicos para as diferentes áreas do bioma.

“Já sabíamos que o manejo integrado é a melhor maneira de controlar o fogo, mas há poucos trabalhos científicos mostrando de fato a importância disso. Mas os estudos mostraram também a importância de estabelecer protocolos com base em ciência. O território Kadiwéu é uma transição entre o Pantanal e o Cerrado e os protocolos são diferentes para cada área”, afirma Ribeiro.

Além da adaptação caso a caso, os pesquisadores concluíram que é preciso estabelecer os protocolos de manejo com foco na biodiversidade. A maioria dos protocolos utilizados avaliam apenas o fogo – estabelecendo, por exemplo, quanto é preciso queimar precocemente a cada ano — e qual é a melhor época para fazer isso – a fim de evitar incêndios maiores na temporada de seca.

“O nosso projeto agrega a isso uma perspectiva da biodiversidade. Além de saber qual é o percentual de redução de área queimada que podemos conseguir com a aplicação do manejo, queremos saber qual é o impacto desse manejo na biodiversidade. O objetivo é fornecer subsídios científicos para montar um protocolo que seja bom tanto para diminuir os incêndios como para produzir o menor impacto possível na biodiversidade”, explica.

Agregar essa dimensão da biodiversidade requer um longo e complexo trabalho de campo. As pesquisas científicas conduzidas no Noleedi incluem estudos com vários grupos de animais e plantas, já que os diferentes organismos apresentam respostas muito variadas às perturbações ambientais, incluindo o fogo.

O projeto começou com o levantamento de dados sobre o histórico de fogo e de área queimada e planejamento de coletas, segundo Ribeiro. “Fazemos as coletas de fauna e flora, compilamos e analisamos os resultados. Essa fase do projeto já foi concluída, mas um de nossos desafios é abranger o maior número possível de grupos taxonômicos estudados”, afirma.

Com esses dados em mãos, os cientistas investigam os impactos das queimadas prescritas na fauna em diferentes parâmetros relacionados à frequência e intensidade: áreas com fogo precoce (com queimadas antes do auge da seca) de baixa e alta frequência (que queimaram menos ou mais de sete vezes nos últimos 18 anos) e as áreas com fogo tardio (com queimadas no auge ou no fim da seca) de baixa e alta frequência.

“Para saber a diferença entre as áreas que queimam mais e menos, registramos o histórico de curto e longo prazo do fogo. Todos os grupos de animais estudados são avaliados sob esses dois critérios. Mas em relação a cada grupo, a metodologia difere. Para alguns animais é preciso utilizar armadilhas, para outros é preciso fazer uma busca ativa, por exemplo”, acrescenta Ribeiro.

Essa análise das queimadas controladas no território Kadiwéu e de seus efeitos na biodiversidade já permitiu que os cientistas identificassem as primeiras espécies de animais candidatas a serem usadas como bioindicadores que permitam monitorar os impactos do fogo na fauna e na flora.

Aves como bioindicadores

O ecólogo Mauricio Neves Godoi, consultor da empresa eeCoo Sustentabilidade, é um dos responsáveis por esses achados. Especialista em aves e mamíferos, Godoi tem como foco de sua pesquisa científica no Projeto Noleedi os estudos técnicos sobre os efeitos das queimadas no Pantanal em aves e mamíferos não-voadores.

“Uma das coisas que constatamos é que a maioria das espécies de mamíferos de médio e grande porte e das aves que habitam as savanas da Terra Indígena Kadiwéu distribuem-se amplamente pela paisagem da reserva, independente da frequência e intensidade das queimadas nessas áreas”, afirma Godoi.

Esse resultado, segundo ele, indica que o manejo de fogo aplicado pelos Kadiwéu com apoio do PrevFogo/Ibama não parece afetar negativamente as comunidades locais de aves e mamíferos. “Esse foi um resultado importante. Mas para que tenhamos uma espécie indicadora dos impactos do fogo na biodiversidade, era preciso encontrar espécies que respondessem à intensidade e frequência do fogo”, explica.

Alguns resultados do projeto, por outro lado, sugerem que áreas de cerrado que receberam queimadas prescritas classificadas como precoces de baixa frequência possuem comunidades de aves diferentes das demais áreas que queimaram mais vezes e com maior intensidade. “É possível que estas áreas de cerrado, ao queimarem no início da estação seca, sofram queimadas menos intensas, já que nesta época ainda não se acumulou um grande volume de material combustível seco, em especial serapilheira e grama”, salienta.

Além disso, de acordo com Godoi, essas áreas que queimaram poucas vezes ao longo dos anos certamente tiveram menor modificação na sua vegetação e possivelmente mantiveram o estrato arbustivo-arbóreo e a cobertura de serapilheira relativamente íntegros, quando comparadas com as áreas que queimaram mais frequentemente. “Assim, suas comunidades de aves são diferentes das demais áreas, possivelmente pela quantidade menor de impactos do fogo”, diz.

A análise dos dados mostrou que duas espécies de aves apresentaram variações significativas em suas abundâncias entre os quatro tipos de queimadas prescritas: o suiriri-cinzento (Suiriri suiriri) e a corruíra (Troglodytes musculus). Ambas foram mais comuns em áreas com alta frequência de fogo.

“Essas espécies foram as que melhor responderam à frequência de fogo neste estudo, e assim, elas têm potencial para serem usadas como bioindicadoras de áreas queimadas em programas de monitoramento ambiental”, afirma Godoi.

Os dados gerados até agora, segundo o cientista, sugerem que o fogo precoce de baixa frequência pode ser usado para coibir queimadas de grande magnitude sem afetar negativamente as comunidades de aves. “Mas os estudos precisam continuar porque essas recomendações vão diferir para diferentes formações vegetais, áreas mais arborizadas como cerrados, cerradões e matas devem ter uma frequência de queima menor do que campos de gramíneas”, declara o pesquisador.

“Outro resultado interessante que encontramos em relação à biota foi a mudança na época de floração e frutificação de algumas espécies dependendo do regime de fogo, o que é uma informação importante quando estamos pensando na conservação da biodiversidade”, relata Godoi.

Apoio à ciência

O trabalho de Godoi foi financiado pelo WWF-Brasil, de acordo com o cientista, que também recebeu apoio logístico do Noleedi para a realização dessas pesquisas sobre os efeitos de diferentes queimadas prescritas nas aves e mamíferos do Cerrado e Pantanal na TI Kadiwéu. “O apoio do WWF-Brasil foi fundamental para a coleta de dados em campo e para a produção de informação científica que ajudará na compreensão dos efeitos do fogo na biota do Cerrado e Pantanal e na elaboração de estratégias de manejo integrado do fogo”, afirma.

De acordo com Julia Correa Boock, analista de Conservação do WWF-Brasil, o trabalho do Noleedi ajudará a entender o efeito do fogo em espécies de plantas e animais que são utilizadas pela população local, permitindo assim indicar as melhores alternativas de manejo para preservar esses recursos.

“O Projeto Noleedi é uma iniciativa científica inovadora que já começa a produzir conhecimento sobre as relações do fogo com a biota. Essas pesquisas são fundamentais para compreender quais os tipos de queimadas são mais eficientes para controle da intensidade do fogo, com menos impactos”, afirma.

Sobre o WWF-Brasil

O WWF-Brasil é uma ONG brasileira que há 26 anos atua coletivamente com parceiros da sociedade civil, academia, governos e empresas em todo país para combater a degradação socioambiental e defender a vida das pessoas e da natureza. Estamos conectados numa rede interdependente que busca soluções urgentes para a emergência climática.


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