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Desmatamento, uso indiscriminado de agrotóxicos e deslocamento inadequado de ninhos colocam em risco de extinção a abelha nativa Uruçu Amarela do Cerrado

Por Deva Heberlê, da Embrapa | A abelha Uruçu Amarela do Cerrado (Melipona rufiventris), sem ferrão, capaz  de produzir até cinco quilos de mel por colônia ao ano, é o elo entre pesquisadores e técnicos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF), de instituições parceiras e meliponicultores (criadores de espécies de abelhas nativas) em uma pesquisa inédita para evitar sua extinção.  

O inseto é responsável pela polinização de imensas áreas naturais e agrícolas e pela renda de pequenos produtores e agricultores familiares. Sua raridade, na natureza e na meliponicultura (criação racional de abelhas nativas sem ferrão), faz com que seus produtos tenham maior valor agregado.  

A equipe envolvida na pesquisa quer detectar o grau de risco de desaparecimento da abelha e discutir e estabelecer critérios para elaboração de um plano de manejo sustentável, que possibilite sua conservação. O trabalho abrange, entre outros estudos, análises genômicas e genéticas de populações do inseto.  

O desmatamento de grandes áreas naturais para expansão agrícola ou para empreendimentos urbanos e o uso indiscriminado de agrotóxicos estão entre os principais motivos que colocam a espécie, nativa do Cerrado brasileiro, em risco. Soma-se a eles a predação de ninhos naturais para retirada criminosa de mel ou dos próprios ninhos, muitas vezes vendidos na internet, prática adotada por “meleiros”, o que pode ocasionar a morte do enxame. 

Por isso, desde dezembro de 2014 uma portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) inseriu a Uruçu Amarela do Cerrado na categoria EN, ou seja, em perigo de extinção. Portaria mais recente (MMA no 148 de 07/06/2022) a manteve na lista de espécies ameaçadas, alertando a sociedade e a comunidade científica sobre as restrições relacionadas ao seu manejo. 

Deslocamento indiscriminado de ninhos

De acordo com o meliponicultor e presidente da Associação de Meliponicultores do Distrito Federal (AMe-DF), Anselmo Carvalho, a atividade da meliponicultura, apesar de bastante difundida, ainda não dispõe de uma lei federal que a regulamente, levando insegurança jurídica aos criadores. Alguns estados até dispõem de lei própria, mas a maioria está sujeita à Resolução Conama no 496/2020, que permite, por exemplo, a captura de enxames por meio de recipientes-isca como forma de constituição de plantéis e também isenta os criadores de se cadastrarem no órgão ambiental nas criações consideradas não comerciais, isto é, aquelas com até 49 colônias. 

Muitos meliponicultores fazem manejos para multiplicação de seus enxames, que são comercializados por valores entre R$ 400,00 e R$ 1.000,00 ou são trocados entre os criadores, visando ao aumento da diversidade genética em seus plantéis. Como nem sempre a área de ocorrência natural é respeitada por alguns criadores, no estudo em curso é necessário avaliar o potencial efeito adverso ou benéfico, nas populações naturais, do deslocamento indiscriminado e sem critérios científicos de ninhos da Uruçu Amarela do Cerrado.

Segundo a pesquisadora da Embrapa Débora Pires, coordenadora do projeto Avaliação da diversidade genética da abelha nativa Uruçu Amarela do Cerrado e do risco da movimentação antropogênica dos ninhos, a movimentação frequente e indiscriminada dos ninhos pode favorecer uma maior frequência de acasalamento entre indivíduos de populações de meliponário vindos de regiões fora da ocorrência natural com as populações do bioma Cerrado. 

“Para populações naturais, pequenas e isoladas – características de espécies ameaçadas de extinção -, o cruzamento contínuo de rainhas descendentes híbridas, resultantes de pais de populações naturais e de meliponários, com machos de populações parentais de meliponários, pode causar, ao longo do tempo, o empobrecimento da diversidade genética das populações naturais. Seus genótipos passam a ser substituídos pelos genótipos das populações de meliponário”, explica a cientista. Com isso, poderá haver perda de importantes adaptações locais ao ambiente, como a resistência a doenças. 

Para avaliar o grau do risco de desaparecimento da espécie nativa do bioma Cerrado e saber o que de fato está ocorrendo com a Uruçu Amarela do Cerrado, a pesquisadora Débora Pires conta com a ajuda dos meliponicultores Anselmo Carvalho (foto à direita) e Roberto Montenegro na coleta de abelhas em ninhos naturais do Distrito Federal e regiões do bioma e também nos criatórios. Eles têm percorrido pequenas propriedades para conscientizar os criadores da importância da pesquisa, além de levar o tema para escolas.

A equipe liderada pela cientista tem a autorização do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (SISBio), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), para realizar essa atividade, que consiste apenas na coleta das abelhas, em ninhos naturais e em meliponários do Distrito Federal e de estados que fazem parte do bioma natural da espécie. 

Campanha para salvar a Uruçu Amarela do Cerrado

A direção da AMe-DF está fazendo uma campanha junto aos meliponicultores para que eles colaborem repassando aos pesquisadores a indicação de onde há ninhos naturais.  E, ao mesmo tempo, para que cedam material de seus ninhos para enriquecimento da pesquisa e consequente geração de maior número de dados. “As localizações dos ninhos naturais e dos meliponários, bem como a identidade dos meliponicultores, são informações mantidas sob sigilo. Não há divulgação dos dados, pois assim evitamos saques dos ninhos naturais da espécie”, explica Pires, enfatizando que o estudo tem finalidade estritamente científica. 

As abelhas coletadas são levadas, para análises genômicas e de genética de populações, ao laboratório da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.  Para a conferência taxonômica, são encaminhadas ao laboratório de taxonomia de abelhas nativas da Universidade de Brasília (UnB), sob a responsabilidade do professor Antônio Aguiar. 

Após a análise científica, o próximo passo será convidar os meliponicultores, a comunidade científica e os órgãos reguladores para juntos tomarem conhecimento do grau de risco detectado e discutirem critérios para elaboração de um plano de manejo que possibilite a conservação da Uruçu Amarela do Cerrado. A intenção é que o manejo multiplicativo dos ninhos matrizes e a venda ou troca de ninhos sejam sustentáveis. 

“O levantamento de dados desse projeto é estratégico para viabilizar ações de prevenção ou mitigação de risco ambiental irreparável e de valor inestimável, com suporte direto a políticas públicas.”, assegura a líder da pesquisa, citando como referência o Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Insetos Polinizadores Ameaçados de Extinção – Panip, regulamentado pela Instrução Normativa ICMBio nº 21/2018

Quem é a Uruçu amarela do Cerrado
A abelha nativa sem ferrão Uruçu Amarela compõe nove espécies crípticas, distribuídas em diferentes biomas, que formam o ‘complexo rufiventris’. Espécies crípticas são aquelas morfologicamente muito semelhantes, a tal ponto que para distingui-las é preciso análise genética. Dentre essas espécies está a Melipona rufiventris (Uruçu Amarela do Cerrado). O Cerrado é o bioma nativo dessa abelha sem ferrão, que possui alcance médio de voo de 2,5 km e estabelece colônias com população de até cinco mil abelhas em ocos de árvores em áreas remanescentes de Cerrado no Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia e Minas Gerais.O mel da Uruçu-Amarela do Cerrado é considerado um dos mais saborosos produzidos pelas abelhas nativas.  A espécie está entre aquelas com maior capacidade produtiva. Sua produção pode chegar a cinco quilos de mel por colônia ao ano.

Este texto foi originalmente publicado pela Embrapa de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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