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Estudo mostra como povos indígenas com sólidos direitos sobre seus territórios podem resistir à grilagem de terras, proteger e reflorestar a fragmentada Mata Atlântica, hotspot de biodiversidade

Por Página 22 | Pesquisadores publicaram dia 26 de janeiro, no PNAS Nexus, um novo estudo mostrando que os povos indígenas com direitos oficialmente reconhecidos aos seus territórios na Mata Atlântica brasileira reduziram o desmatamento e melhoraram o reflorestamento, superando em desempenho os territórios que careciam de posse formal. 

“Nossas descobertas contribuem para um debate ambiental com vistas ao reconhecimento dos direitos legais à terra dos povos indígenas na Mata Atlântica brasileira, uma área que tem enfrentado altas pressões de desenvolvimento –  desde urbanização, mineração, agricultura, extração de madeira e outros tipos de desenvolvimento econômico”, afirma Rayna Benzeev, pós-doutoranda da Universidade da Califórnia em Berkeley. A pesquisadora realizou sua pesquisa enquanto fazia doutorado no Departamento de Estudos Ambientais da Universidade de Boulder, no Colorado.

O novo documento foi divulgado no momento em que aumenta a pressão sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para cumprir as promessas eleitorais de reverter as políticas que enfraqueceram as proteções ambientais e violaram os direitos constitucionais dos povos indígenas do Brasil. Segunda maior floresta tropical do Brasil, a Mata Atlântica cobre cerca de 90 mil km² e se estende por 3 mil km da Costa Atlântica.

Foto: Diaethria eluina (Nymphalidae) / José Roberto Peruca/ Flickr Creative Commons

O bioma abarca comunidades rurais e populações dependentes da floresta, bem como grandes centros urbanos. O desmatamento no bioma da Mata Atlântica vem ocorrendo desde o início do século XVI, e as taxas foram mais altas nos últimos dois séculos”, afirma Benzeev. “Em contrapartida, o desmatamento na Amazônia começou a se intensificar na década de 1970 e, mais recentemente, aumentou novamente durante o governo Bolsonaro.”

“Tem havido muita atenção internacional e recursos de conservação direcionados para a Amazônia, enquanto a Mata Atlântica está de certa forma mais ameaçada. A região também compreende um hotspot de biodiversidade e um ecossistema de alta prioridade para reflorestamento”, disse Benzeev.   

Estima-se que 80% da Amazônia permaneça de pé enquanto, na Mata Atlântica, esse total corresponde a 12%. A região, portanto, tornou-se um foco significativo para os esforços de reflorestamento e uma fonte de lições aprendidas para outros movimentos de reflorestamento em todo o mundo.

Ao realizar essa pesquisa, Benzeev e os coautores avaliaram 129 territórios indígenas na Mata Atlântica e encontraram menos desmatamento e maior reflorestamento em terras onde os povos indígenas têm direitos formais de posse, em contraste marcante com os territórios indígenas onde as comunidades carecem de direitos ou apenas estão no processo de obtenção de posse formal.

Estudos anteriores estabeleceram a importância dos direitos indígenas à terra nos esforços de conservação da floresta, especialmente na Floresta Amazônica. “Fortalecer os direitos de autodeterminação dos povos indígenas – em vez de permitir invasões a suas terras ancestrais – agora se mostrou importante no mundo todo”, disse Benzeev.

Povos indígenas e o papel do reflorestamento na Mata Atlântica

Pesquisas recentes descrevendo iniciativas de conservação bem-sucedidas na região sugerem que os povos indígenas estiveram ausentes das iniciativas tradicionais de conservação na Mata Atlântica. O artigo de Benzeev revela que a proteção florestal e o reflorestamento em territórios indígenas no bioma da Mata Atlântica podem contribuir para iniciativas de conservação na região.

“Nosso artigo mostra que a cada ano após a formalização da posse, houve um aumento de 0,77% na cobertura florestal, em comparação com as terras não ocupadas, em média – o que pode se acumular ao longo de décadas”, afirma Benzeev, observando que as descobertas podem fortalecer os esforços globais de conservação do bioma vulnerável que se estende por 17 estados e foi denominado hotspot de biodiversidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

“Em um bioma que se tornou um ecossistema modelo para esforços de reflorestamento, será importante reconhecer o papel dos povos indígenas na proteção e reflorestamento das florestas”, aponta Benzeev. “Que apoio pode ser necessário para que os povos indígenas continuem a manter as áreas florestais a longo prazo?”.

Reivindicações de terras praticamente paralisadas nos últimos anos

Atualmente, a demarcação parece ter parado para muitas comunidades indígenas que iniciaram o longo processo de reivindicação formal de posse de suas terras ancestrais, um direito garantido pela Constituição brasileira de 1988. De fato, desde 2012, apenas um território indígena da amostra do estudo havia sido demarcado com sucesso.

Dos 726 territórios indígenas submetidos a demarcação, 122 permanecem na primeira fase do processo e aprovados para serem investigados por antropólogos; 44 territórios estão na segunda fase, o que significa que receberam a aprovação inicial da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai); 74 estão na terceira fase do processo; foram rotulados como “declarados”, mas não aprovados por decreto presidencial, que é a quarta etapa que leva à demarcação. Na prática, na amostra do estudo, apenas um território indígena, desde 2012, passou por todas as etapas necessárias para a demarcação.

O presidente eleito agiu rapidamente para reverter as políticas que priorizavam o desenvolvimento de seu antecessor, que incluíram iniciativas de abertura dos territórios indígenas à mineração. O Brasil tem algumas das melhores proteções jurídicas no papel voltadas aos direitos indígenas de todo o mundo, mas a omissão em fazer cumprir suas leis e a falta de financiamento para agências de fiscalização fomentaram o desmatamento.

Peter Newton, professor associado do Departamento de Estudos Ambientais da Universidade de Boulder, no Colorado, e coautor do artigo, observou que muitos indígenas, além de outras comunidades tradicionais que vivem dentro e ao redor de florestas tropicais, têm grande dependência dessas florestas, inclusive a geração de renda e para sua própria subsistência.

“Desse modo, essas comunidades costumam ter um forte incentivo para conservar e restaurar as florestas”, explica Newton. “O apoio institucional e o reconhecimento jurídico podem ajudá-los a proteger as florestas de forma mais eficaz.”

As novas descobertas expandem esse corpo de pesquisa para cobrir esse bioma, revelando que, uma vez demarcados os territórios indígenas, os indícios apontam para um claro benefício ambiental, acrescenta Marcelo Rauber, coautor do artigo.

“Nosso estudo contribui para um corpo emergente de evidências que sugerem que políticas baseadas em direitos para terras indígenas podem melhorar os resultados ambientais”, analisa Rauber, pesquisador pós-doutorando no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Conhecido no Brasil como demarcação, o reconhecimento legal dos direitos territoriais dos Povos Indígenas lhes concede autonomia territorial, e apoiam os esforços para enfrentar violações de direitos humanos, grilagem de terras, perda de biodiversidade e mudança climática, presentes desde tempos imemoriais”, diz.


Este texto foi originalmente publicado pela Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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