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Participante da 16ª edição da série “Conferências FAPESP 60 Anos” defendeu a importância de oferecer aos usuários de tecnologias de comunicação digital critérios mínimos que lhes permitam defender-se das fake news

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Por José Tadeu Arantes, da Agência FAPESP | “Cultura digital” é uma ideia que tende a se tornar rapidamente obsoleta. Porque a cultura passa por um processo de digitalização tão amplo e irreversível que falar em “cultura digital” é quase uma redundância. Assim como o uso da eletricidade tornou-se intrínseco às atividades humanas, e ninguém mais se ocupa em apontar isso, a digitalização também o será – e já é, cada vez mais.

Com esta reflexão, a pesquisadora Giselle Beiguelman, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), artista, escritora e ativista, iniciou sua fala na 16ª edição da série Conferências FAPESP 60 Anos, dedicada ao tema “Cultura Digital”.

Beiguelman disse que, no centro desse processo de digitalização da cultura, as imagens tornaram-se as interfaces principais de mediação do cotidiano humano. “Para além do lugar da transmissão de ideias e linguagens, as imagens tornaram-se o próprio campo das tensões políticas da atualidade”, disse.

A pesquisadora enfatizou a presença real da “dadosfera” que nos envolve, da qual somos produtores, mas também pela qual somos constantemente produzidos, e que enseja novas formas de vigilância e novos formatos de exclusão e opressão ditados por algoritmos.

Beigelman falou do mecanismo de criação de deepfake, técnica que sintetiza imagens e sons por meio de inteligência artificial para criar vídeos falsos, com pessoas dizendo ou fazendo coisas que nunca disseram ou fizeram. Combinando recursos de big data (gigantescas bases de dados) e machine learning (aprendizado de máquina), as deepfakes levam ao extremo o poder de manipulação das consciências exercido pelas fake news.

Diante do tsunami de imagens produzidas diariamente e que circulam por todo o planeta por meio de diferentes plataformas, a pesquisadora defendeu a necessidade de um “letramento digital” que dê às pessoas parâmetros mínimos para distinguir o verdadeiro do falso e não serem manipuladas como gado em uma “sociedade de controle como jamais foi imaginada”.

Coração técnico

A palestra de Giselle Beiguelman foi, em certa medida, um complemento à de Muniz Sodré, que a antecedeu. Sociólogo, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia de Letras da Bahia, Sodré foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional de 2005 a 2011.

Em sua fala, ele articulou os conceitos de tecnologia e cultura, em busca da medida adequada de relacionamento do humano com sua exterioridade técnica. “Não se trata de rejeitar ou de demonizar a técnica, que é um produto do engenho humano, mas, sim, de integrar humanamente a técnica”, falou.

E foi adiante: “Sem a dimensão cultural, a tecnologia se fecha narcisicamente em torno de si mesma. E exerce efeitos de fascinação pela eficácia do desempenho técnico, que contempla a cognição individual, mas, até agora, recalca o vínculo com a comunidade, recalca o vínculo com o entorno sócio-histórico. É esse vínculo que responde pela transitividade política do conhecimento”.

Sodré associou cultura à ideia grega de philia, traduzida geralmente como “amizade”, mas que vai além disso, englobando as noções de “vizinhança”, de “viver junto”, de “predisposição à sociabilidade”, de “comunicação”. “A cultura não é um ajuntamento de conteúdos; a cultura é o mapeamento ativo do meio”, definiu.

O acadêmico afirmou que “o vício digital é a secreta vingança do objeto contra a soberania do sujeito”. E enfatizou que, “se não se compatibiliza com a cultura, a tecnologia se afasta do coração técnico” – definido este como “o núcleo de identidade, sem separação radical, entre o humano e a técnica”, como “a inserção do objeto em uma trama de relações interpessoais”.

A 16ª Conferência FAPESP 60 Anos teve a mediação de Eduardo Morettin, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). E foi aberta pelo professor Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP.

Zago lembrou que a popularização das mídias digitais foi acompanhada de um enorme desenvolvimento técnico. “A dimensão dessa revolução só pode ser comparada à da introdução da imprensa por Gutenberg no século 15”, disse. Mas ressaltou que, enquanto as informações veiculadas pela mídia tradicional são muito mais sujeitas à verificação, “nas novas mídias digitais qualquer pessoa pode disseminar notícias falsas”.

O presidente ressaltou que o sistema digital deu voz a extremistas e à desinformação. E concluiu com uma pergunta deixada aos participantes do evento como um tema para reflexão: “Como defender os interesses da sociedade sem restringir a liberdade de expressão?”.

A “16ª Conferência FAPESP 60 Anos: Cultura Digital” pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=hMoGrRjPMOI&t=811s.

Os eventos anteriores da série podem ser encontrados em: 60anos.fapesp.br/conferencias.


Este texto foi originalmente publicado pela Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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