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Por Thais Cardoso em IEA USP — Antes relegados ao mero papel de entretenimento, os jogos digitais hoje já despontam como uma importante ferramenta educacional, que ajuda os jovens a enxergarem sentido no conhecimento e a se tornarem protagonistas em seu aprendizado. Um exemplo disso é o gamebook (um livro digital interativo) “O Mistério do Sr. Gratus”, desenvolvido pelo Centro de Pesquisas em Doenças Inflamatórias (CRID), pela StoryMax e pelo Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto da USP.

educação ambiental
Educação Ambiental: o que é e como surgiu

Lançado em 2018 no formato de aplicativo para celulares e tablets, o livro, que tem aporte de recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi objeto de um módulo educativo produzido neste semestre por uma parceria entre o CRID e a Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto. Quase 3 mil professores da rede pública municipal já utilizaram o material.

A narrativa foi criada com o objetivo de pensar o equilíbrio ambiental e também o processo inflamatório de um organismo, tudo a partir de materiais de difusão científica do próprio CRID, com o apoio do jornalista Carlos Orsi e da microbiologista Natália Pasternak. “Ele é escrito em árvore, ou seja, depois que você lê uma ou duas páginas, é convidado a assumir o papel de personagem principal. A partir dessa experiência divertida e hightech, é possível até mesmo fazer educação em pares, já que os alunos podem compartilhar suas experiências e entender, a partir de um mapa, em que ponto uma decisão específica levou àquele final da história”, explica a co-fundadora da StoryMax Samira Almeida.

Rafael Gil de Castro, que atua como formador de professores no Centro Educacional Paulo Freire, da Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto, destaca dois tópicos que podem ser abordados por meio da ferramenta: a alfabetização científica e o ensino de ciências por investigação. Além disso, ela abre caminhos para um uso interdisciplinar.

“Eu fiquei encantado com o jogo. É tanta coisa que dá para trabalhar, tem uma multiplicidade de abordagens. É importante para o professor encaixar isso no currículo dele de acordo com o contexto da escola, porque além dessa parte lúdica que atrai e trabalha várias habilidades, é interessante cada disciplina dar o seu olhar”, diz ele.

O jogo tem um potencial interdisciplinar gigantesco, que permite aos educadores atuarem dentro e fora da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Flávio Martins, gestor de Difusão Científica e Educação do CRID e mestre em educação para o desenvolvimento sustentável destaca o princípio basal do jogo e seu potencial instrumental.

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“A narrativa do jogo configura uma metáfora interessante sobre a ação antrópica do homem no planeta Terra, como um processo inflamatório, ao qual a biosfera responde. O futuro distópico trazido pelo Sr. Gratus é a resposta inflamatória generalizada de um organismo adoecido”, diz ele.

Em jogo, aluno aprende com erros

O professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da USP Hugo Tourinho Filho sempre viu nos jogos tradicionais a oportunidade de vivência motora para crianças, que criam habilidades básicas para resolver problemas do dia a dia e até conscientizar sobre questões importantes de saúde.

“Fizemos um atividade em parceria com o Centro de Pesquisas em Doenças Inflamatórias (CRID) na qual precisávamos dar a crianças de 8 a 10 anos em situação de vulnerabilidade social a noção de sistema imunológico numa aula de educação física. Para isso, usamos o jogo ‘mãe da rua’. As crianças eram os vírus e bactérias que tentavam invadir o corpo e a ‘mãe da rua’ não permitia. Quando terminou a aula, explicamos que era importante lavar as mãos para tomar o lanche, já que a ‘mãe da rua’ não conseguia pegar todos os vírus e bactérias que tentam entrar em nosso corpo, como elas tinham visto durante o jogo. E a gente percebeu que a atividade teve efeito porque nenhuma criança, apesar da fome, reclamou de ter que lavar as mãos”, conta.

Quando foi apresentado aos games digitais, Tourinho percebeu que eles trazem essas mesmas possibilidades dos jogos tradicionais, com a vantagem de atingir uma grande variedade de faixas etárias. Além disso, eles se tornam ferramentas interessantes para a aprendizagem graças aos três pilares da gamificação: aprender com o erro, protagonismo e engajamento.

“No game, ninguém passa de fase se não aprender onde está errando, ou seja, o erro passa a ser uma ferramenta de aprendizagem. Porém no mundo acadêmico, o erro geralmente é utilizado como uma forma de punição. Na prova, o professor não deveria usar o erro apenas para punir os alunos que não prestaram atenção na aula. É possível verificar que algumas aulas ainda estão na Idade Média, o professor fala e os alunos apenas escutam. Não há espaço para o aluno ser protagonista. Quando ele é protagonista, quando se sente parte daquilo, ele se engaja. É por isso que o game provoca um estado de flow, uma sensação de perder a noção do tempo. Ter os alunos nesse estado de flow é o sonho de qualquer professor”, diz Tourinho.

A professora do Departamento de Administração da Universidade Ca’ Foscari de Veneza e especialista em interdisciplinaridade, Luciana Cezarino, chama a atenção para a necessidade crescente de usar em sala de aula metodologias ativas, ou seja, que colocam o aluno no centro com o objetivo de ensinar ou treinar a tomada de decisões.

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“Os alunos gostam de participar, ficam interessados, o nível de motivação é outro. Mas acho que ainda carece de um treinamento para os docentes. Os docentes que gostam e estão acostumados com aulas expositivas não conseguem encontrar ambientes ou materiais que ajudem a sair da metodologia passiva e entrar na metodologia de ensino ativo”, aponta.

O setor de desenvolvimento de jogos e tecnologias educacionais percebe a demanda e a relevância de atuar nas duas frentes: oferecimento de ferramentas e capacitação para que os educadores atuem no letramento digital dos estudantes. “É mais do que incluir jogos no que você vai ensinar, é ensinar como os jogos são estruturados, como você reconhece um bom jogo e como isso se reflete na sua formação humana. Crianças, jovens e adultos têm acesso a tudo e em muitas fontes. Falta ensinar a pesquisar, escolher e consumir conscientemente esses conteúdos”, diz Samira.

BNCC

Do ponto de vista das demandas curriculares, Flávio explica que o jogo pode ser incorporado em planos de ensino e planos de aula. Segundo ele, o professor pode abordar uma amplitude de dimensões disponíveis na BNCC quanto às questões ambientais e da relação do homem com a natureza, presente nas habilidades de Ciências da Natureza e Humanas, e também dimensões aparentemente distantes da pauta do desenvolvimento sustentável, como a linguagem.

“O Sr. Gratus, a princípio, não consegue se comunicar e precisa fazer uso de instrumentos específicos e símbolos para conversão de sua linguagem e conexão com a protagonista do jogo. Além disso, o Gratus, viajante do futuro, é encarado como desprovido de características humanas. Ao longo da narrativa, ele é reconduzido à condição de ser humano, deslocado no tempo e espaço, mas ainda assim um ser humano. Essa leitura permite, por um lado, que o professor aborde questões sociais para a educação cidadã, como respeito e acolhimento às diferenças, e, por outro, questões instrumentais das ciências exatas, como relatividade e percepção temporal”.

A redução das distâncias na tríade universidade, gestão pública e sociedade é outro trunfo da iniciativa. O professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e coordenador de Difusão Científica do CRID, Luiz Osório Leiria, destaca a importância da conversão da linguagem acadêmica em algo capaz de ser apreendido pelo público.

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“A função primordial da universidade é promover o desenvolvimento humano e social como um todo. De nada adianta o conhecimento científico, o estado da arte acadêmica, se este for compartilhado apenas entre os pares. Temos que promover mais iniciativas como essa e nos aproximarmos de quem está próximo do público multiplicador do conhecimento. A gente precisa escrever artigos e dialogar com os centros internacionais, coisa que fazemos ‘de ofício’, mas não podemos nos eximir do nosso contrato social e de contribuir com a comunidade ao nosso redor. Nesse ponto, a parceria com a Secretaria Municipal de Educação tem sido extremamente valiosa: eles chegam na ponta, no professor, no aluno, na família, no bairro. É no contexto local que a ação acontece”.

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