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Em 2020, mais de 40% dos incêndios na Amazônia brasileira aconteceram em áreas de florestas em pé, impactando 1,8 milhão de hectares

Por Thiago Medaglia em Mongabay – A floresta tropical queima lentamente. Segundo Jos Barlow, professor de Ciência da Conservação na Universidade de Lancaster, no Reino Unido, uma linha de fogo poderia avançar apenas 300 metros em 24 horas, tempo suficiente para os animais fugirem. A questão é: fugir para onde? As opções são cavar, ir para a água ou mover-se para outras áreas. A maioria dos animais não pode simplesmente deslocar-se para outro território sem consequências, seja a violência de um concorrente, ou simplesmente a falta de recursos como alimento e abrigo. Infelizmente, a pesquisa sobre os impactos dessas fugas é limitada.

“Não sabemos realmente o que acontece com os animais maiores que são forçados a se deslocarem para outros territórios”, diz Barlow. “Portanto, presume-se que haja uma redução no tamanho da população, porque não há como comportar mais animais em uma área [reduzida]”.

Os primatas, por exemplo, podem ficar presos em ilhas de vegetação não atingidas pelo fogo, sobrevivendo à base de recursos alimentares que também escaparam das chamas, até serem forçados a viajar para fora de seus territórios. Isso pode ser particularmente devastador para espécies endêmicas ou ameaçadas, como o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) – um dos macacos mais ameaçados do mundo – ou o sauim-dos-índios-mura (Saguinus fuscicollis mura), espécie descoberta há apenas dez anos na bacia dos rios Purus e Madeira. Os efeitos das queimadas sobre suas populações ainda são desconhecidos.

“Quem consegue sobreviver às chamas? Sabemos que os artrópodes, que se aninham no solo, geralmente se dão bem”, afirma Lucas N. Paolucci, professor de biologia da Universidade Federal de Viçosa (MG). “Mas vários outros, como invertebrados de serapilheira (camada de matéria orgânica morta ou em decomposição presente no solo da floresta), algumas aves, pequenos mamíferos e cobras, frequentemente morrem queimados”.

“Você vê os pequenos invertebrados tentando fugir das chamas e obviamente eles não sobrevivem”, relata Barlow. O mesmo para os répteis: “Encontramos tartarugas no chão da floresta com cicatrizes de queimaduras em seus cascos”. Ninguém é capaz de estimar quantos animais terão morrido até o fim das queimadas deste ano.

Como o fogo é um elemento relativamente novo na Amazônia, a floresta e seus habitantes não evoluíram para resistir às chamas. As árvores tropicais, por exemplo, não possuem a casca espessa de uma espécie adaptada aos incêndios florestais nos bosques temperados, como sequóias ou pinheiros. Uma queimada na floresta tropical mata a maioria das árvores de pequeno porte ou ainda jovens e pode matar a metade das grandes árvores. As sementes no solo, por sua vez, perdem a capacidade de germinação quando submetidas às altas temperaturas decorrentes do fogo.

Embora as árvores maiores não morram imediatamente, os danos causados pelo fogo podem gerar feridas que permitem a entrada de patógenos no tronco. Ao sucumbirem ao longo do tempo, espaços são abertos no dossel da floresta, tornando as árvores sobreviventes mais suscetíveis a ventos fortes. Quando essas grandes árvores caem, as espécies do sub-bosque perdem a sombra sob a qual se desenvolveram, sendo impactadas duramente pela entrada de luz e, sobretudo, pelo forte calor do sol tropical.

Barlow e seus colegas descobriram que, após os incêndios na floresta amazônica, a flora é alterada de maneira drástica. As aves de sub-bosque – que se alimentam na serapilheira – quase que desaparecem por completo e algumas populações ainda não se recuperam mesmo depois de uma década.

Outros estudos sugerem conclusões complementares. Um deles indica que a abundância e as variedades de besouros de esterco sofrem alterações em florestas queimadas na Amazônia. Estes insetos desempenham papel vital no ciclo de nutrientes e na dispersão de sementes; seu declínio tem efeito cascata sobre o ecossistema.

Em outro importante estudo experimental, lotes de floresta foram queimados seguidas vezes e apresentaram um declínio na quantidade de espécies de formigas florestais especializadas, que ocupam lugares específicos na cadeia alimentar, dispersam sementes e trabalham o solo ao construir os formigueiros. Após os incêndios, a população dessas espécies foi substituída pela chegada de formigas características de áreas mais abertas, como savanas.

Na mesma área do experimento, outro estudo encontrou padrões semelhantes de perda de espécies de borboletas. Um conjunto crescente de evidências demonstra que o fogo é uma ameaça com consequências em longo prazo para animais e plantas que vivem no microclima fresco e úmido do sub-bosque da floresta amazônica.

Como as florestas se recuperam?

Mais uma vez, por serem os incêndios florestais um fenômeno recente na Amazônia, os cientistas ainda não sabem quanto tempo as florestas levam para se recuperar por completo – nem mesmo se são capazes de fazê-lo.

À medida que as pesquisas avançam, algumas descobertas têm causado surpresa. Uma delas é que as antas (Tapirus terrestris) podem ajudar na recuperação natural de florestas queimadas. Neste estudo a equipe do professor Paolucci descobriu que as antas viajam e defecam com mais frequência – até três vezes mais – em florestas degradadas. Por serem comedoras de frutas, suas fezes são importantes na dispersão de sementes.

Entretanto, tal descoberta envolve pequenas queimadas experimentais perto de florestas preservadas, não grandes incêndios. “O que acontece em uma paisagem fragmentada quando uma área queimada não é vizinha de uma floresta intacta?”, pergunta Barlow. “De onde virão as sementes? E como a floresta se recupera quando não se tem conectividade florestal ou a possibilidade de os animais ajudarem na dispersão das sementes?”

Em áreas queimadas várias vezes, ou em áreas com grandes quantidades de desmatamento e pouca conectividade, com poucas chances de recuperação, a floresta muda de uma floresta primária de dossel fechado para o que Barlow descreve como “essencialmente bambu arbustivo aberto e vegetação dominada por cipó, que é muito inflamável”. Esta paisagem, agora desprovida de caça, alimentos e plantas medicinais, é “de muito baixo valor para a população local, bem como para a maioria das espécies florestais”, explica.

“A Amazônia é como uma bolha. Se as árvores estiverem intactas, elas mantêm a umidade sob o dossel florestal”, explica Ernesto Alvarado, professor de Ciências do Fogo em Terras Selvagens da Universidade de Washington. A extração de madeira, a construção de estradas, o desmatamento e os incêndios podem estourar essa bolha de umidade. “Você abre a copa das árvores, certo? É como um monte de buracos na bolha, então a umidade escapa mais facilmente e a floresta se torna mais seca”.

Além disso, a estação seca na Amazônia está cada vez mais longa e as megassecas cada vez mais comuns devido à mudança climática e ao desmatamento. No final da estação seca, as plantas em áreas mais sazonais da Amazônia devem depender não da chuva, mas da água retida no solo para continuar a transpirar e liberar umidade na atmosfera.

Quando a estação seca se estende além do natural e a água no solo entra em escassez, as plantas diminuem sua demanda por umidade por meio de uma estratégia peculiar: deixando as folhas caírem. Esta matéria de folhas secas está pronta para ser queimada quando um incêndio iniciado em um campo próximo sair de controle.

“Todos esses anos em que os incêndios se alastraram, as plantas se encontravam num estado de estresse hídrico”, diz Paulo Brando, ecologista tropical da Universidade da Califórnia, Irvine, nos Estados Unidos. “E então os animais tiveram todo tipo de problema, porque a disponibilidade de recursos, como frutas e energia, diminui muito se você tiver uma combinação de secas e incêndios.”

Os incêndios amazônicos no futuro

O futuro da floresta amazônica dependerá de complexas interações entre fogo, desmatamento e agravamento da seca devido às alterações climáticas, bem como outras causas humanas.

Alguns cientistas alertam que a Amazônia está se aproximando de um ponto de inflexão: a precipitação pode diminuir até a floresta tropical se transformar em uma “savana derivada”. Entretanto, ao contrário de uma savana natural, que é um sistema altamente diversificado e funcional, uma Amazônia gravemente degradada pode se parecer mais com “um sistema [ecológico] muito empobrecido, menos diversificado, proporcionando menos proteção”, diz Brando.

A porção sul da Amazônia brasileira é atualmente mais vulnerável à transformação de floresta em savana, especialmente ao longo do Arco do Desmatamento, onde a floresta tropical se encontra com pastagens e terras de cultivo.

Barlow, por outro lado, afirma que, como os incêndios florestais na Amazônia queimam lentamente, eles são relativamente fáceis de combater com os recursos adequados. O Brasil hoje tem tecnologia para tanto prever quanto monitorar os incêndios com precisão. É preciso, segundo ele, que haja vontade política e investimento para impedir que a floresta detentora de 10% da biodiversidade do planeta siga queimando.

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