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Conheça o grupo de agroextrativistas que luta há 16 anos pela criação de uma Unidade de Conservação em uma área ameaçada da Amazônia

Por Jorge Eduardo Dantas em Greenpeace | Manicoré (AM) – É preciso muita altivez e persistência para remar contra a corrente e defender, por mais de uma década, um patrimônio em perigo que já foi de seus pais e avós e que em breve será de seus netos. Mas é com essas duas características que as famílias associadas à Central das Associações Agroextrativistas do rio Manicoré (CAARIM) lutam pela preservação de riquezas incalculáveis como rios, florestas e a biodiversidade em uma região altamente ameaçada da Floresta Amazônica. 

Isso porque, desde 2006, elas buscam criar a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Manicoré – uma área protegida que não só decretaria, por lei, a conservação daquela região, como também permitiria a elas que continuassem manejando os recursos da área de maneira sustentável, como peixes, frutos, madeira e seus belíssimos castanhais. 

Foi naquele ano que uma expedição à Cachoeira do Inferno – uma das quedas d’água mais bonitas de Manicoré – teve que ser repensada e deu origem à luta pela Unidade de Conservação. Na época, os responsáveis pela incursão a campo buscavam criar um assentamento por ali. Porém, os comunitários perceberam que uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável atenderia melhor a seus objetivos, que eram defender o patrimônio natural da área e garantir o uso dos recursos naturais para a sobrevivência das famílias ribeirinhas e comunidades tradicionais. 

“O que acontece é que hoje não temos mais o tanto de peixes e pássaros que havia em outras épocas”, contou o morador da comunidade de Terra Preta, o agricultor Aroldo Pereira, 53. “Percebemos que se a gente não cuidasse desse patrimônio, tudo seria destruído e devastado. Mas entendemos também que somos passageiros. Precisamos guardar essas riquezas para nossos filhos e netos”, disse o agricultor. Aroldo é tesoureiro da atual gestão da CAARIM.

As comunidades do Rio Manicoré se dedicam a atividades tradicionais como a pesca, a exploração de açaí, castanha e tucumã e produção de farinha. Foto: Nilmar Lage/Greenpeace

Santo Antônio do Matupi 

Desde então, eles tentam criar a Unidade de Conservação. Mas sempre bateram de frente contra o poderio econômico e político dos interessados em explorar economicamente o Rio Manicoré – e, portanto, em manter aquela área desprotegida. A maior fonte de conflitos são os empresários e fazendeiros do distrito conhecido como Santo Antônio do Matupi, ao sul de Manicoré. Ali, a exploração ilegal de madeira e abertura de pastagens fez com que o desmatamento explodisse, tornando o distrito um dos maiores polos de exploração predatória de madeira da Amazônia.

“É um ciclo que se alimenta: os empresários não querem a área protegida e financiam as campanhas de prefeitos, secretários municipais e vereadores. Eles, por sua vez, defendem projetos que beneficiam os empresários e deixam de fora as demandas das famílias tradicionais”, explicou um morador das comunidades do Rio Manicoré que não quis se identificar.

Em 2016, uma consulta pública para a discussão da criação da RDS foi tomada por madeireiros, fazendeiros e empresários que foram muito enfáticos em dizer que não queriam a Unidade de Conservação. Os extrativistas da CAARIM apontam este momento como um grande revés na luta pela proteção de seu território.

Comunidades como Esperança, Terra Preta, Barro Alto e Lago do Remédios são algumas que estão juntas na luta pela conservação do Rio Manicoré. Foto: Nilmar Lage/Greenpeace

Amacro

Vale lembrar que Manicoré está situada na região conhecida como Amacro (acrônimo de Amazonas, Acre e Rondônia), alvo de um plano de “desenvolvimento regional” pautado na expansão da agropecuária e que hoje é uma das regiões da Amazônia onde o desmatamento avança com mais velocidade e violência. Entre 2020 e 2021, houve um aumento de 68,74% no desmatamento em Manicoré. Na região da Amacro, este aumento, no mesmo período, foi de 40,63%. 

O ânimo mudou, porém, quando um grupo de parceiros levou, em dezembro do ano passado, alguns comunitários do Rio Manicoré para a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), em Manaus, capital do Amazonas. Os comunitários foram cobrar porque a criação da unidade não saía do papel, já que uma série de estudos e a delimitação da área já tinham sido realizados. Descobriram que o pedido deles havia sido arquivado. 

Recentemente a CAARIM, em parceria com o Greenpeace, promoveu a sinalização do território de uso comum do Rio Manicoré – uma das ações previstas para a implementação do documento de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). Foto: Nilmar Lage/Greenpeace

Uma vitória recente

Os comunitários seguiram se manifestando, e exigiram providências da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e do Ministério Público Federal (MPF). Por conta dessa pressão, em março deste ano as famílias obtiveram uma grande vitória: a regularização fundiária de quase 400 mil hectares, mesma área proposta para a criação da RDS, por meio de um documento chamado Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).

Essa concessão, de maneira inédita, concedeu a área para uso coletivo e por tempo indeterminado, garantindo além da permanência da população tradicional no seu território de uso comum, acesso à justiça social, como a previdência social, fomento à produção e garantias para, caso queiram e precisem, de empréstimos bancários. 

Foi um gol de placa marcado pelas famílias unidas pelo sonho de ver a Amazônia protegida. O próximo passo é a implementação da CDRU, que também prevê a elaboração de um plano de gestão, zoneamento e estabelecimento de regras de uso e acesso aos recursos naturais – além da formação de um Conselho Deliberativo, que terá poder de decisão sobre como as comunidades tradicionais usarão esse território coletivo. 

O extrativista Valdo Pereira Viana, 68, contou que o sonho de defender aquele quinhão de floresta persiste. “A fartura que meu pai falava não existe mais. Estão acabando com a floresta. Meus filhos precisam conhecer o pirarucu, ver uma paca. Tenho no meu terreno umas árvores de angelim e castanheira que são milenares, pelo tamanho delas. Precisamos proteger essas belezas”, disse Valdo. Hoje a CAARIM representa 12 comunidades e 4 mil pessoas, que vivem da pesca e da exploração do açaí, da castanha e do tucumã – além da agricultura de subsistência e da produção de farinha de mandioca.

Este mapa da cidade de Manicoré mostra – marcada em branco – a área de 400 mil hectares protegida pela CDRU.

Pauta fundamental

Para fortalecer a luta dessas comunidades, o Greenpeace realizou neste mês de junho a expedição “A Amazônia Que Precisamos”. Esta é a primeira expedição científica promovida pela organização após a pandemia de covid-19. Em um barco regional, navegando pelo Rio Manicoré, estavam 30 cientistas – a maioria vinculada ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)

Eles desenvolveram estudos sobre mamíferos, répteis, anfíbios, aves, peixes e as plantas da região. Esses estudos serão utilizados para gerar informações sobre a biodiversidade deste lugar, auxiliar na elaboração do plano de gestão e, eventualmente, reforçar a proposta de criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Manicoré. Cientistas da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Universidade Federal de Roraima (UFRR) também participam desta empreitada.

Para a porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace, Cristiane Mazzetti, a RDS busca suprir uma lacuna nos esforços de conservação que existem hoje no sul do Amazonas e na região da Amacro.

 “Até 2020, existiam mais de 60 mil quilômetros quadrados de florestas públicas não destinadas no território da Amacro. São florestas sem nenhum tipo de proteção, que estão sob constante ameaça de grilagem, fogo e desmatamento. Por isso, a criação de áreas protegidas é tão importante. Essa é uma pauta fundamental para o futuro da Amazônia e para a manutenção do equilíbrio climático do planeta”, disse a especialista. 


Este texto foi originalmente publicado pelo Greenpeace Brasil  de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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