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Para docentes da USP, reconhecimento do protagonismo social e econômico do Estado deve estar entre as prioridades

Por redação em Jornal da USPExistem alguns consensos mais ou menos vocalizados na sociedade brasileira. O tipo de crença que é, ao mesmo tempo, sentido no íntimo de cada um e parece estampado em praticamente todos os jornais e revistas desde que aprendemos o alfabeto. Uma equação ajustada perfeitamente a esse modelo é aquela que constata os profundos problemas do país e determina a educação como chave de superação de tais questões.

Se as nações se desejassem boas festas e trocassem votos de ano novo, o Brasil receberia há décadas mensagens sinceras e comoventes de melhorias em sua educação. Pode ser ano eleitoral ou a dúvida entre um voto e outro, estão lá políticos de todo o arco-íris ideológico falando da necessidade de renovar, reformar ou revolucionar o ensino. Dos delírios diante do quadro-negro – nem todas as escolas têm projetores informatizados, lembre-se – aos repetidos refrões da importância de se ler, entender e colocar em prática as palavras de Paulo Freire, a verdadeira unanimidade nacional é a certeza de que é preciso dar um jeito na educação brasileira.

Pensando nisso, o Jornal da USP ouviu especialistas da área para saber que caminhos poderiam ser tomados em 2022 para colocar a educação nos trilhos. Um breve balanço de como terminamos 2021 e o que se pode desejar ou esperar para o ano que vem, na visão de profissionais engajados do setor.

“O panorama hoje se nos apresenta repleto de dilemas desorientadores”, constata Bernardete Gatti, conselheira da Câmara de Educação Superior e integrante do Comitê Consultivo da Cátedra de Educação Básica do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. “Precisamos privilegiar o bem comum, o bem público, o respeito à diversidade, mantendo princípios éticos e sociais, sem desesperançar.

Para Luís Carlos de Menezes, coordenador acadêmico da Cátedra e professor sênior do Instituto de Física (IF) da USP, os anos de pandemia escancararam e aprofundaram as desigualdades do País, especialmente na educação. Por outro lado, uma de suas consequências foi difundir recursos tecnológicos de informação e comunicação que se mostraram importantes para o ensino.

Não foi só a crise sanitária, entretanto, que afetou a educação, aponta o professor. A atuação do presidente da República Jair Bolsonaro contribuiu para o quadro que se desenha no final de 2021. “Os anos da atual gestão federal de populismo autoritário também têm diferentes impactos centrais, o do reacionarismo de costumes e o do negacionismo científico-cultural, com danos sanitários e econômicos, acompanhados por correspondente polarização política”, analisa Menezes.

Um exemplo desses danos e do descaso do governo federal com a educação pode-se ver na recente crise do Inep, quando faltando poucos dias para a avaliação do Enem, em finais de novembro, um grupo de servidores do Inep solicitou afastamento dos seus atuais cargos e funções, alegando “falta de comando técnico” e “clima de insegurança e medo”. “O governo Bolsonaro sempre interpretou o Enem como algo a ser desconstruído, como um entrave às políticas da gestão, e não como uma política de Estado, de democratização do acesso ao ensino superior”, afirmou ao Jornal da USP Daniel Tojeira Cara, professor e pesquisador da Faculdade de Educação (FE) da USP.

A superação ou, ao menos, a contenção de danos desses impactos passa, segundo Luís Carlos de Menezes, pela essencial ampliação do apoio aos excluídos. “Especialmente na educação será preciso reconhecer a escola em sua centralidade como espaço de acolhimento e desenvolvimento, para o que políticas compensatórias das disparidades e defasagens serão essenciais. Políticas públicas para a educação básica têm de considerar nossa enorme diversidade econômica e cultural, contemplando potencialidades e insuficiências”, recomenda Menezes.

Para educadores da USP, a pandemia intensificou e escancarou a desigualdade social. Contudo, houve avanços, principalmente quanto ao letramento digital de professores e alunos, o que abre perspectivas de recuperação para 2022.  Mas ainda há muito a se fazer. O educador Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Polo Ribeirão Preto do IEA, acredita na valorização do magistério para mudar o rumo da educação no País. Para dar prioridade à educação, é preciso antes de mais nada “valorizar o magistério”, criar mecanismo para tornar a carreira atrativa para os jovens brasileiros que, hoje, “não desejam ser professores em nosso país. Precisamos mudar isso”, disse ele ao Jornal da USP no Ar, Edição Regional

Já a professora Elaine Assolini, do Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto avalia que a pandemia intensificou, principalmente, “a desigualdade social que marca este país” e que, para mudar o rumo da educação, “é fundamental que as políticas públicas cuidem sobretudo da alfabetização e do letramento de crianças, jovens e adultos neste país. Caso contrário, nós vamos continuar com índices baixíssimos quando somos avaliados por diferentes órgãos”.

É, também, cuidar das escolas e de sua autonomia, como pregava Paulo Freire, cujo centenário se comemorou este ano. No cerne da defesa da autonomia escolar está também a constatação de que não é o professor isolado que garante a qualidade da escola: é preciso um grupo de profissionais empenhados em uma proposta de sociedade, com uma concepção sobre o tipo de jovem que desejam formar. “Isso significa o direito, mas também o dever, de cada escola pública elaborar o que Freire chamava de projeto político-pedagógico”, explicou ao Jornal da USP Lisete Arelaro, professora emérita da Faculdade de Educação (FE) da USP.

Não será no curto prazo, entretanto, que os danos do atual governo poderão ser revertidos, pondera o professor Menezes, do IEA. Isso porque eles não foram gestados de 2017 para cá, mas são sim o agravamento de problemas históricos, cuja questão central é a exclusão social crescente, motivada pelo desemprego estrutural. “O desenvolvimento de corresponsabilidade comunitária para promover ocupação e qualificação de excluídos precisa ser seguido da superação do mero assistencialismo por bolsas ou auxílios, que ‘naturalizam’ a miséria, por efetiva inserção produtiva e cultural.”

Diante desse cenário, o que seria decisivo entrar na pauta dos presidenciáveis de 2022? Para Bernardete, é crucial a formulação de propostas claras garantindo que a trajetória escolar das crianças e adolescentes tenha o suporte necessário para as aprendizagens essenciais, evitando assim o processo histórico de evasão escolar.

A professora sublinha também a importância da presença do ensino superior nos programas dos candidatos. “Valorizar a formação superior e o conhecimento científico, propondo e mantendo programas que sustentem o acesso à educação superior e qualifiquem melhor essa educação”, indica Bernardete. “Os programas de investigação científica devem ter os apoios necessários para propiciar avanços nos conhecimentos que sustentem um viver/conviver melhor e que ajudem a encontrar caminhos para a superação de desigualdades aviltantes.”

Para Menezes, a mencionada inserção produtiva e cultural deveria integrar os programas de governo daqueles candidatos compromissados com a responsabilidade política. Essa agenda seria uma oposição àquilo que o professor considera uma proposta ultraliberal predatória, que pretende desobrigar o Estado do seu protagonismo social e econômico.

“Diferentemente da pretensa sedução de eleitores e financiadores por pretenso escambo de vantagens”, afirma o docente, “espera-se dos programas a serem debatidos que revelem de que forma produção, cultura e serviços serão promovidos e articulados em função dos interesses populares, para que nosso País deixe de ser visto como pária ambiental, social e diplomático”. 


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