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Pesquisas no CNPEM vão da análise de materiais supercondutores, passando por proteínas de vírus e bactérias, até pigmentos de obras de arte e itens arqueológicos. Novo acelerador, Sirius já teve estações inauguradas, e deve trazer avanços​

Por Luiza Caires, do Jornal da USP | Quem sobrevoa a região norte de Campinas (SP), visualiza uma nova estrutura física que deixa ainda mais claro o status de polo de ciência e tecnologia conferido à cidade. O enorme edifício circular branco e cinza, lembrando um moderno estádio de futebol, é o Sirius, parte de outro gigante, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). O Sirius é o acelerador de partículas do CNPEM, e foi projetado para levar a outro patamar as pesquisas lá realizadas.

Os trabalhos com o Sirius têm um escopo que vai desde a análise de materiais supercondutores, passando por proteínas de vírus e bactérias, até pigmentos de obras de arte e itens arqueológicos. Muitos deles envolvem investigações dos pesquisadores do Centro, por meio do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Mas os recursos também estão disponíveis para outras instituições, como a própria USP.

Tuberculose

O Sirius ainda não teve todos seus setores inaugurados, mas os cientistas da USP que utilizam a estrutura do CNPEM já aproveitam as atualizações e fazem planos para as próximas. Um desses pesquisadores é Marcio Dias, coordenador do Laboratório de Biologia Estrutural Aplicada do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Lá, o foco da equipe são novos fármacos para o tratamento da tuberculose. Para isso, são estudadas proteínas da Mycobacterium tuberculosis, o agente causador da doença. “Miramos principalmente em enzimas que são essenciais para a sobrevivência desta bactéria, e tentamos inibir essas enzimas com pequenas moléculas.”

A ferramenta para os estudos é a biologia estrutural – ir atrás de compreender a estrutura das proteínas de interesse para poder agir sobre elas. “Produzimos cristais dessas enzimas e levamos para análise no Sirius, na linha Manacá, que é uma das estações novas que já está em funcionamento”, explica Dias.

Outro campo de pesquisa de Dias é a busca de novos medicamentos a partir de antibióticos produzidos, na luta pela sobrevivência, por bactérias que habitam o solo. Essas substâncias poderão ser redirecionadas para o uso humano no combate às bactérias que causam doenças – contra a própria Mycobacterium, por exemplo.

E como o Sirius ajuda exatamente nestas tarefas? O acelerador de partículas produz uma quantidade imensa de radiação, e é a partir dela que as proteínas são estudadas, usando uma técnica chamada difração de raios-x: “um intenso feixe de raios-x incide sobre os cristais das proteínas e promove a difração [desvio] dos elétrons neles presentes. É assim que obtemos a estrutura tridimensional das proteínas”, explica o professor do ICB.

Mycobacterium tuberculosis, também conhecida como o bacilo de Koch, causador da tuberculose. Foto: Reprodução/Wikimedia Commons
Mycobacterium tuberculosis, também conhecida como o bacilo de Koch, causador da tuberculose. Foto: Reprodução/Wikimedia Commons
Cristais de proteínas – Foto: Cedida pelo pesquisador
Cristais de proteínas – Foto: Cedida pelo pesquisador

O grande “microscópio”

“O Laboratório Síncrotron funciona como um grande microscópio, onde conseguimos colocar nossas amostras e olhar o que está acontecendo”, compara Fernando Garcia, coordenador, no Instituto de Física (IF) da USP do Laboratório de Física da Matéria Condensada. O grupo estuda a estrutura e as propriedades de materiais, também usando para isso a luz síncrotron, como é chamada a radiação produzida no Sirius.

“Para estudar os materiais precisamos entender o que está acontecendo dentro deles. O microscópio comum faz algo parecido ao Sirius, usando a radiação para que possamos entender o que estamos olhando. Mas a radiação, no caso do microscópio, é a luz visível do nosso dia a dia. E no caso do Sirius, são raios-x de alta intensidade”, diz.

Esses raios-X, explica o físico, vêm da aceleração aplicada em partículas; neste caso, elétrons. “Toda vez que aceleramos uma carga, geramos radiação. A diferença de um acelerador como o Sirius para um como o LHC [o Large Hardrons Collider, na Suíça], é que o LHC é um colisor, em que o que se busca é jogar partículas aceleradas umas contra as outras e ver o que acontece. Lá também é gerada radiação, mas ela não é usada. No Sirius, queremos acelerar a partícula mas deixá-la estável – não colidir com nada – e usar a radiação que é gerada no processo”, detalha Garcia.

Supercondutores

“A física da matéria condensada, com que trabalhamos, é uma área de ciência básica que se dedica a estudar os mecanismos dos materiais e como eles funcionam. Mas ela se conecta, lá na frente, à ciência de materiais, que é uma área aplicada”, diz Garcia, explicando que, para isso, um olhar mais “químico” também é usado nas análises do seu laboratório.

Com aplicações desde a eletrônica até a medicina, os supercondutores são um exemplo de materiais com que o grupo atua no IF. O que define um supercondutor é que ele não tem nenhuma dissipação de energia quando carrega uma corrente elétrica.

“Tentamos entender estes materiais para que, quem trabalha com a pesquisa aplicada, possa aperfeiçoar suas propriedades. Os supercondutores funcionam em temperaturas muito baixas, e seria de grande utilidade conseguir fazê-los serem supercondutores também em temperatura mais alta”, exemplifica.

Supercondutores funcionam em temperaturas baixas – Crédito: Pongkaew/Wikimedia Commons
Supercondutores funcionam em temperaturas baixas – Crédito: Pongkaew/Wikimedia Commons

Laranja bonita e pulmões limpos

No Instituto de Biociências (IB) da USP, o grupo do professor Luis Netto já usa há alguns anos a radiação produzida no CNPEM para elucidar a estrutura de proteínas presentes em bactérias de interesse tanto para a agricultura quanto para a saúde humana. “Nossa linha de pesquisa estuda a proteção antioxidante, que é um mecanismo de defesa de microrganismos contra substâncias chamadas radicais livres, que plantas e animais geram para combater estes organismos, evitando doenças”, conta Luis Netto. Os radicais livres podem danificar DNA e proteínas, entre outros componentes da célula.

Entender as defesas antioxidantes é importante, por exemplo, para o combate a pragas agrícolas. Um exemplo é a Xylella fastidiosa, que causa a doença do amarelinho nos laranjais. Os pesquisadores investigam as proteínas antioxidantes produzidas pela bactéria com a perspectiva de obter, em médio e longo prazo, soluções para a praga. O mesmo processo vale para o estudo de doenças bacterianas em humanos.

Representação da estrutura da proteína OHR na bactéria Xylella fastidiosa – Crédito: Luis Netto

“O nosso grupo, junto com toda a rede do Redoxoma [Centro de Pesquisa e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)] tem liderado especialmente estudos com uma proteína chamada OHR”, diz. A OHR, do inglês Oxidation High Resistant, está presente em bactérias como a própria Xylella e também na Pseudomonas aeruginosa, causadora de pneumonia e resistente a muitos antibióticos. “Se a gente conseguir inibir esta proteína [a OHR], as bactérias que a possuem vão ficar mais suscetíveis às defesas dos hospedeiros, sejam das plantas, sejam dos seres humanos”, explica Luis Netto.

Atualização

O CNPEM já era utilizado pelo grupo de Luis Netto para análise da estrutura dinâmica de proteínas – o que ajuda a entender suas funções – antes mesmo da construção do Sirius. A chegada do novo acelerador, porém, deve trazer avanços.

“A linha Manacá, que é uma linha de difração de raios-x, além de ser uma fonte de alta energia, tem uma série de propriedades muito úteis”, diz Netto. Uma delas, segundo o pesquisador, é o microfoco. “A gente consegue focalizar pequenas regiões do cristal da proteína, e encontrar regiões onde há grande organização das moléculas, permitindo obter uma estrutura com alta resolução.”

A manipulação dos cristais também deve ficar mais fácil no Sirius. “Com o equipamento antigo, muitas vezes os cristais quebravam, e não conseguíamos fazer o experimento. Agora, a manipulação vai ser automatizada com robôs.”

Bactérias e vírus

No ICB, outro grupo, liderado pela professora Cristiane Guzzo, também usa os equipamentos do CNPEM para estudar proteínas de microrganismos. Um dos principais é a bactéria causadora da leptospirose, a Leptospira interrogans.

“Na última década, nosso grupo tem trabalhado desde com bactérias patogênicas aos animais e ao ser humano, como a Leptospira e o Staphylococcus aureus, até com as que causam doenças em citros, como a Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico”, conta a cientista, adicionando que, durante a pandemia, o sars-cov-2 também entrou na mira, especialmente as proteínas do vírus que ainda não foram tão estudadas mundo afora.

No laboratório, a busca também é pela estrutura dessas moléculas, que a pesquisadora define como sua “composição atômica no espaço tridimensional, mostrando exatamente a posição de cada átomo na proteína”. A principal técnica usada, assim como nos outros grupos, é a cristalografia de raios-x, que usa a luz síncrotron gerada no CNPEM para “desenhar a estrutura da proteína”.

“É um feixe de raios-x muito fino e altamente intenso que, quando irradiado no nosso cristal, indica seu padrão de difração. Com a luz síncrotron conseguimos em cinco minutos – e com dados muito mais precisos – algo que levaríamos uma semana para conseguir usando fontes de raios-x disponíveis nas universidades”, explica a professora.

Leptospira interrogans – Foto: Wikimedia Commons
Leptospira interrogans – Foto: Wikimedia Commons
A criomicroscopia representou uma revolução para a biologia estrutural. Foto – Reprodução/LNNano
A criomicroscopia representou uma revolução para a biologia estrutural. Foto – Reprodução/LNNano
Cancro cítrico - Foto: FAPESP
Cancro cítrico – Foto: FAPESP

Adicionalmente, o laboratório de Cristiane Guzzo também utiliza outras técnicas cujos equipamentos estão disponíveis no CNPEM, como a ressonância magnética e a chamada criomicroscopia eletrônica de transmissão, “que consegue resolver a estrutura de proteínas maiores e mais complexas, com uma resolução atômica e subatômica [no nível das partículas que formam o átomo]”, diz. Ela comenta que a criomicroscopia fez uma revolução no mundo da biologia estrutural na última década, trazendo informações de proteínas que dificilmente seriam resolvidas utilizando as técnicas anteriores.

“Temos agora no Brasil, em um laboratório do CNPEM, microscópios disponíveis para a comunidade científica usar, o que tem sido excelente, caso contrário teríamos que levar nossas amostras para fora do País”, diz a pesquisadora, referindo-se aos equipamentos do LNNano, o Laboratório Nacional de Nanotecnologia.

Por dentro do Sirius

É possível conhecer as instalações do CNPEM e o Sirius em uma visita virtual 3D através do site da plataforma.

São 44 fotos panorâmicas, em 360º, e 149 pontos de interação multimídia, onde, ao longo do roteiro, alguns cientistas dão detalhes sobre as áreas de atuação do CNPEM, além de apresentar resultados de pesquisas e demonstrar o funcionamento de algumas das ferramentas científicas.


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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