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Novas evidências indicam que o consumo de comidas ultraprocessadas favorece o ganho de peso

Por Ricardo Zorzetto, da Pesquisa Fapesp | Aumentam os indícios de que uma dieta rica em alimentos ultraprocessados pode ser prejudicial à saúde. Por essa razão, alguns especialistas em nutrição e saúde pública afirmam que o ideal seria reduzir ao mínimo o consumo dessas comidas industrializadas que apresentam altos teores de açúcares, gorduras, sal e compostos químicos que aumentam a durabilidade ou conferem mais aroma, cor e sabor.

Apenas em maio deste ano, 10 novos estudos trouxeram resultados indicando possíveis efeitos nocivos dos ultraprocessados à saúde. Realizados nos Estados Unidos, na França, na Espanha e no Brasil, os trabalhos quase sempre envolveram um número grande de participantes. Seus resultados reforçam as indicações de que esses alimentos estariam ligados ao aumento da pressão arterial, a alterações nas taxas de açúcares e gorduras no sangue, a doenças no coração e a alguns tipos de câncer, além de um maior risco de morrer precocemente.

A mais relevante dessas pesquisas, porém, avaliou o impacto dos ultraprocessados em apenas 20 voluntários. Apesar dos poucos participantes, o estudo seguiu o modelo epidemiológico mais robusto conhecido para identificar relações de causa e efeito: o ensaio clínico controlado e randomizado com cruzamento. Nesse modelo, separam-se aleatoriamente os participantes em dois grupos que sofrerão intervenções (como tratamentos ou dietas) diferentes, por exemplo, A e B. Na metade do experimento, as intervenções são trocadas e, ao final, os resultados do tratamento A são comparados com os do B.

Usando essa estratégia, a equipe de Kevin Hall, pesquisador dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, mostrou, pela primeira vez, que uma dieta predominantemente baseada em produtos ultraprocessados leva a um ganho de peso importante em pouco tempo: cerca de 1 quilograma (kg) em duas semanas. Publicado em 16 de maio na revista Cell Metabolism, o trabalho parece ser o teste mais rigoroso a que foi submetida a classificação de alimentos proposta há pouco mais de 15 anos, e formalizada em 2009, pelo epidemiologista brasileiro Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Chamada de Nova, essa classificação agrupa os alimentos em quatro categorias de acordo com o grau de processamento: in natura ou minimamente processados; processados; ultraprocessados; e ingredientes culinários processados. Ela serviu de base para o Ministério da Saúde elaborar em 2014 o Guia alimentar para a população brasileira.

Dia 1, café da manhã: iogurte grego, frutas, nozes, granola, sal, limão e azeite para o regime sem ultraprocessados. Imagem de Paule Joseph e Shavonne Pocock / National Institutes of Health

Um dos termos usados nessa classificação, no entanto, não é aceito consensualmente. Para engenheiros e pesquisadores da área de processamento de alimentos, o termo ultraprocessado é inadequado e gera confusão. “O ultraprocessamento consiste em processar um alimento além do necessário e pode ocorrer em ambiente industrial ou doméstico”, conta a engenheira de alimentos Carmen Tadini, professora da Escola Politécnica da USP e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP. “Alguém que, em casa, cozinha os legumes além do necessário elimina nutrientes e faz um ultraprocessado sem ter colocado ingrediente industrial sintético”, explica. Em sua opinião, no lugar de ultraprocessado, o mais adequado seria chamar esse tipo de alimento de aditivado.

No experimento norte-americano, Hall e seus colaboradores mantiveram 10 homens e 10 mulheres saudáveis, com idade entre 30 e 33 anos e peso estável, internados em uma clínica dos NIH durante 28 dias. Nesse período, os pesquisadores submeteram os voluntários à seguinte situação. Por meio de um sorteio aleatório, metade dos participantes foi alocada em um grupo que, por duas semanas, recebeu uma dieta com 81% da energia proveniente de alimentos ultraprocessados. Esses alimentos eram oferecidos no café da manhã, almoço, jantar e intervalo entre as refeições. Eram bolinhos, cereais matinais, iogurtes adoçados e aromatizados, pães, margarina, sucos diet, além de carnes, legumes e frutas enlatados ou de rápido preparo. Entre as refeições, os participantes tinham à disposição biscoitos recheados e salgadinhos. Os outros 10 voluntários receberam no período quase só alimentos frescos ou minimamente processados (88% das calorias vinham desses alimentos). Consumiam verduras, legumes, grãos e carnes preparados no dia e, entre as refeições, castanhas e frutas in natura ou desidratadas.

As refeições foram montadas de modo que tanto as ultraprocessadas como as com pouco processamento tivessem a mesma quantidade de calorias e nutrientes. Os dois tipos de refeição tinham o mesmo valor energético e mais calorias do que o necessário para um adulto saudável. Isso possibilitava uma ingestão exagerada, uma vez que os participantes podiam comer o quanto quisessem da porção que lhes era servida.

Durante o experimento, os participantes dos dois grupos realizavam uma hora de exercício por dia. Também passavam por exames periódicos para averiguar alterações hormonais e metabólicas, além do consumo de energia. Nas duas últimas semanas, o tratamento se inverteu. Quem havia consumido a dieta ultraprocessada passou a receber alimentos frescos ou pouco processados, e vice-versa. O objetivo era reduzir a probabilidade de que os efeitos medidos fossem decorrentes de características individuais dos participantes.

“Muitas pessoas sugeriam que as comidas ultraprocessadas exerciam efeitos negativos não por causa do grau de processamento, mas por terem maior concentração de nutrientes, sal, açúcar, gorduras e menor quantidade de fibras”, contou Hall à Pesquisa FAPESP. “Por essa razão, decidimos fazer o ensaio clínico para investigar se uma dieta ultraprocessada levaria à maior ingestão de calorias do que uma não processada com a mesma quantidade de calorias, sal, açúcar, gordura e fibras.”

O resultado surpreendeu o próprio pesquisador. “Não esperava uma diferença tão grande”, relatou Hall em outras entrevistas. Nas duas semanas de dieta ultraprocessada, os participantes consumiram em média 500 quilocalorias a mais por dia (quase uma refeição extra) do que as pessoas que comeram alimentos frescos ou com pouco processamento. O primeiro grupo engordou, em média, 1 kg; o segundo perdeu uma proporção semelhante de peso no período. O mesmo efeito foi observado quando as dietas foram invertidas: quem comia ultraprocessado sempre ingeria calorias em excesso e ganhava peso.

“Ainda não se havia mostrado uma relação de causalidade entre consumo de ultraprocessados e ganho de peso com um controle tão rigoroso”, afirma o médico Licio Velloso, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que coordena o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades, outro Cepid apoiado pela FAPESP. “Esse trabalho funciona como uma prova de conceito e vai nos guiar no planejamento de estudos com mais pessoas e de diferentes origens.”

Uma das limitações do estudo é o pequeno número de participantes. “A influência de características individuais, que podem facilitar o ganho ou a perda de peso, seria diluída em um trabalho com mais participantes”, afirma o farmacêutico especializado em nutrição Eduardo Purgatto, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e integrante do FoRC. “O ganho de peso observado no estudo, no entanto, é consistente.”

Dia 4, dieta ultraprocessada: cachorro-quente, batata assada, ketchup, mostarda, suco de cranberry e iogurte sabor mirtilo, no almoço; entre as refeições, salgadinhos. Imagem de Paule Joseph e Shavonne Pocock / National Institutes of Health

Segundo Hall, o pequeno número de participantes e a curta duração do estudo não desabonam a afirmação de que os ultraprocessados favorecem o ganho de peso. “Essas limitações nos impedem apenas de concluir que o efeito persistirá por longos períodos e que seja válido para toda a população”, explica o pesquisador dos NIH.

Estudos com poucos participantes apresentam, em geral, uma capacidade reduzida de detectar o efeito de uma intervenção; no caso, a adoção de uma dieta predominantemente ultraprocessada. No trabalho norte-americano, porém, isso não parece ter ocorrido. “O efeito observado foi tão superior ao esperado pelos autores que o número de participantes não prejudicou a conclusão”, comenta Monteiro, da FSP-USP e criador da classificação Nova.

Jarlei Fiamoncini, pesquisador da FCF-USP e integrante do FoRC, afirma que o estudo, apesar de robusto, poderia ser mais informativo se os autores tivessem analisado quanto da energia dos alimentos consumidos foi absorvida de fato e quanto foi eliminada nas fezes.

O trabalho não foi planejado para identificar os mecanismos por trás do ganho de peso, mas a equipe dos NIH tem algumas hipóteses para explicá-lo. Uma delas é a diferença na disponibilidade de proteínas. Esses nutrientes compunham 14% do aporte energético na dieta ultraprocessada e 15,6% na não processada. Apesar de a diferença parecer pequena (a primeira tinha 10,3% menos proteína que a segunda), ela pode influenciar o funcionamento do organismo. Sabe-se que uma dieta com menor teor de proteína sacia menos. “Essa diferença pode ter levado as pessoas a comer mais dos alimentos ultraprocessados para tentar suprir o déficit proteico”, explica Velloso.

Dia 4, dieta sem ultraprocessados: no almoço, brócolis cozido, bacalhau assado, batatas assadas ao azeite, salada de alface, cenoura, pepino, tomate e vinagrete; entre as refeições, frutas e castanhas. Imagem de Paule Joseph e Shavonne Pocock / National Institutes of Health

Hall e sua equipe estimam, porém, que esse efeito explique menos da metade do ganho de peso. Outro dado pode ajudar a entender o consumo excessivo de calorias na dieta ultraprocessada. Os participantes comiam esses alimentos, que apresentam mais energia em um menor volume, mais rapidamente: em média, ingeriam cerca de 10 gramas e 20 quilocalorias a mais por minuto do que as pessoas que consumiam alimentos com grau menor de processamento. Aparentemente, engorda-se porque é possível comer mais até que os sinais de saciedade cheguem ao cérebro. “Na fase em que se consumiram alimentos com menos processamento houve aumento maior do hormônio PYY, que induz à saciedade, e redução nos níveis de grelina, que provoca a fome”, conta Fiamoncini.

Alguns pesquisadores suspeitam que as pessoas tenham tendência a comer mais ultraprocessados porque esses alimentos seriam formulados para serem mais saborosos e agradáveis ao paladar. No experimento norte-americano, porém, o grupo de Hall não encontrou evidência de que isso tivesse ocorrido.

A relação de causalidade indicada pela equipe dos NIH também foi apontada em outro estudo recente, realizado por pesquisadores brasileiros. No município de Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul, o grupo coordenado pela epidemiologista Iná da Silva dos Santos na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) avaliou a dieta e a composição corporal de quase 3.500 crianças nascidas em 2004 em dois momentos: aos 6 e aos 11 anos de idade. A nutricionista Caroline Costa observou que, na primeira avaliação, metade das crianças obtinha 42% das calorias diárias de alimentos ultraprocessados; essa proporção diminuiu para 33% quando elas tinham 11 anos. Apesar da redução, Costa verificou que cada 100 gramas de alimentos ultraprocessados consumidos por dia levavam a um aumento de 0,14 quilograma por metro ao quadrado (kg/m2) no índice de massa gorda, que representa mais acuradamente o acúmulo de gordura corporal e prediz melhor o risco de desenvolver problemas metabólicos decorrentes da obesidade, como diabetes e alterações nos níveis de colesterol, do que outros índices.

“As calorias dos ultraprocessados foram responsáveis por 58% do ganho de gordura, sugerindo que, além da nutrição, outros fatores possam estar envolvidos no acúmulo de massa gorda”, afirma a nutricionista, que apresentou esses resultados em seu doutorado, defendido em fevereiro deste ano, e está submetendo-os para publicação em revistas científicas internacionais. “A prevenção precoce do consumo de ultraprocessados é importante porque hábitos adquiridos na infância tendem a permanecer ao longo da vida”, relata Costa.

Hormônio da saciedade aumentou e da fome diminuiu com consumo de alimentos menos processados

A esses dois trabalhos, somam-se outros indicando que uma participação maior de ultraprocessados na dieta aumenta o risco de problemas de saúde. Esses estudos envolvem um número bem maior de participantes – de milhares a dezenas de milhares –, mas têm um controle menos rigoroso. Um deles é um estudo de acompanhamento populacional chamado NutriNet-Santé. Nele, desde 2009 os pesquisadores avaliam de tempos em tempos a dieta e a saúde de 105 mil franceses. Em 2018, o grupo havia mostrado que um aumento de 10 pontos percentuais na participação dos ultraprocessados na dieta elevava em 12% o risco de desenvolver câncer. Resultados publicados em maio no British Medical Journal sugerem que o mesmo incremento de ultraprocessados na dieta aumenta em mais de 10% o risco de problemas cardíacos e de acidente vascular cerebral, as duas principais causas de morte no mundo.

Em outro artigo apresentado em maio no mesmo periódico, pesquisadores da Universidade de Navarra, na Espanha, sugerem, a partir de um estudo com 19 mil adultos, que o aumento de uma porção de ultraprocessados na dieta elevaria em 18% o risco geral de morte. “A identificação de associações semelhantes em diferentes estudos feitos com populações diversas reforça a importância do achado”, explica Monteiro.

Os pesquisadores entrevistados para a reportagem concordam que se deve reduzir a participação dos ultraprocessados na dieta, ainda que esses alimentos sejam importantes para fornecer a energia necessária à vida em certas situações, como a de escassez de alimentos. Eles também concordam que o consumo dos ultraprocessados não é o único fator por trás da epidemia de obesidade que se espalha pelo planeta, um problema com múltiplas causas. Purgatto, da FCF-USP, afirma que esse debate é importante para estimular a indústria alimentícia a produzir alimentos de melhor qualidade.


Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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